Soldevila e a identidade
Conhecem o Intercity? Não? Provavelmente nunca precisarão de conhecer. Mas as histórias curtas desta equipa de Alicante e de Soldevila, o seu goleador-surpresa, explicam-nos muita coisa sobre futebol.
Quando ouvi falar no Intercity, pensei primeiro na equipa de futsal onde jogava o Ricardinho e que chegou a ganhar Ligas dos Campeões. Mas isso era o Inter Movistar. Depois lembrei-me da sociedade investidora que comprou a SAD do Belenenses e que deu origem a esta confusão que foi o nascimento da B SAD. Mas essa era a Codecity. O Intercity, que por três vezes esteve a perder com o FC Barcelona e por três vezes chegou ao empate, forçando os culés a um prolongamento na Taça de Espanha, de que só caiu com um quarto golo, de Ansu Fati, é uma equipa de futebol recém-criada em Alicante. Tem cinco anos de vida e está a lutar para não descer no terceiro escalão do futebol espanhol, ao qual subiu pela primeira vez esta época. Jogou num estádio emprestado – o José Rico Pérez, do Hércules – e ante bancadas preenchidas por adeptos do Barça e do seu rival citadino. Oriol Soldevila, o jovem extremo que passou pelos sub19 do FC Barcelona antes de ir tentar a sorte nos sub23 do Birmingham City, é sócio pagante do FC Barcelona e se diz culé desde que nasceu, festejou como um louco cada um dos três golos que fez na baliza blaugrana. “Com o primeiro já fiquei muito contente, mas depois do segundo e do terceiro nem queria acreditar”, contou “Solde”, que no final foi para casa todo contente com a camisola de Raphinha. Quem quiser embirrar vê aqui uma série de sinais de que a coisa não está bem, mas isso tem que ver com a subversão dos valores do futebol, com a coletivização forçada da sua alma, e com a contra-revolução sentimental dos apaniguados do amor à camisola. “Perdeu e saiu feliz? Como assim? Isso é uma traição aos valores da equipa”. “Festejou os golos contra o clube do coração? Como assim? Isso é uma traição a quem o formou”. Tretas. Os jogadores do Intercity não têm muito por que jogar a não ser por eles próprios e uns pelos outros. A história, a identidade, são importantes, mas têm de se construir. E foi isso que percebeu – ou sentiu, mais até do que percebeu, porque o fenómeno é muito mais visceral do que cerebral – Soldevila quando deslizou em delírio pelo relvado depois do hat-trick. Se tudo lhe correr bem, daqui a umas décadas, a identidade do Intercity far-se-á de episódios como este, em que perdeu mas foi a equipa da semana em Espanha, mais até do que o centenário Cacereño, também da terceira divisão, que fez a vida negra ao Real Madrid, um par de dias depois de voltar a casa, vindo de uma cansativa digressão pelo Nepal.
Lukaku e Dzeko. Depois do Benfica e do Paris Saint-Germain, o SSC Nápoles. Já não há equipas invictas nas principais Ligas europeias e a queda abrupta dos líderes em Janeiro pode até ser assacada aos efeitos nefastos do Mundial, mas a reabertura da luta pelo “scudetto” italiano ficou a dever-se muito mais à inédita parceria entre Lukaku e Dzeko, 182 quilos de avançados lançados em simultâneo pela primeira vez por Simone Inzaghi no ataque do Inter. O primeiro no ataque à profundidade, o segundo no conhecimento profundo dos meandros da grande área foram demasiado para a sólida estrutura defensiva montada por Luciano Spaletti e, após a vitória do Milan, logo à hora de almoço, fizeram reduzir para cinco pontos a distância entre os dois primeiros. O zigue-zague-zigue outra vez do bósnio nas costas de Rrahmani, antes de encontrar o espaço ideal para cabecear com violência o cruzamento perfeito de Di Marco no lance que veio a decidir o jogo é um compêndio de movimentação de um ponta-de-lança em ataque rápido. Porque nem só os atacantes levezinhos funcionam nesses momentos e nem todos os avançados possantes têm de ser fixos na área.
Podence ligado à ficha. Daniel Podence não é sempre aquele jogador que se viu ontem nos primeiros minutos do jogo do Wolverhampton WFC com o Aston Villa – e é pena. Ontem, surgiu ligado à corrente, intenso, hiperativo, veloz nas deslocações e rápido nas ações, o que até pode parecer mas não é de todo a mesma coisa. Como prémio teve um golaço, saído de um lance em que impôs a rapidez com que trocou a bola de pé antes de finalizar, tirando do caminho o adversário direto e metendo a bola nas redes antes que ele disso se apercebesse. A questão é que um jogador que faz isto tem de ser capaz de o fazer mais vezes. E Podence não é um fenómeno de regularidade. Desde que saiu do Sporting, em 2018, fez 18 golos em cinco campeonatos, seis dos quais em ano e meio na Grécia. Aos 27 anos, começa a ser tarde para ele. E, lá está, é pena.
Ontem, pode ter-lhe escapado:
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