Sociedade de consumo imediato
No premonitório “Chiclete”, os Taxi falavam da “sociedade de consumo imediato”. É o que Rui Costa pretende com valores seguros como Félix e Almada, mesmo que eles nunca venham a dar lucro.

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Terá até provavelmente sido um acaso, motivado pela fixação de Rui Costa pelo número 10 – ontem era dia 10 – e pela agenda de Jorge Mendes, mas não deixa de ser um acaso curioso que o presidente do Benfica tenha anunciado a recandidatura no mesmo dia em que o super-agente passou pela Luz, para avançar com negócios que podem vir a ser instrumentais para a reeleição. As campanhas eleitorais dos clubes já não são o que eram, quando os candidatos apresentavam jogadores e treinadores como forma de garantirem a boa-vontade dos sócios votantes, mas é inevitável que esta, no Benfica, vá girar um pouco em torno desse eixo: Rui Costa a dar tudo para construir uma equipa ganhadora e os outros candidatos a acusarem-no de estar a dar tudo para construir uma equipa que faça os sócios sonhar, quando nos quatro anos anteriores pouco ganhou. Até por isso, a tradicional data das eleições do Benfica – são em Outubro há muito tempo, mas este ano podem prolongar-se à conta da possibilidade de uma segunda volta – deve ser motivo de reflexão. Eu próprio, depois de pensar no assunto, devo dizer que o mês já me pareceu pior.
Qual é a melhor altura para se fazerem eleições num clube que tem no futebol a sua atividade motriz? Há uns anos dir-se-ia Junho. Competição terminada, sem risco de o processo eleitoral desconcentrar a equipa, e depois a direção em funções a tempo de preparar a época, que só começava a valer lá perto dos finais de Agosto. Com a sobrecarga competitiva, a arrastar as épocas até finais de Junho e a forçar o início da nova temporada ainda antes de retirarmos a última folha ao calendário de Julho, as vantagens deste mês diminuem. Ainda assim, Outubro é melhor do que seriam Julho ou Agosto, talvez tão bom como Março ou Abril, que é quando o Sporting e o FC Porto vão tradicionalmente a votos. Porque, ainda que a campanha possa afetar o período de defeso e incentivar quem tem o poder de pôr os dossiers a andar a abusar um pouco do eleitoralismo, entre a formação da equipa e o ato eleitoral há essa coisa que se chama competição. Na verdade, Rui Costa não vai ser julgado pelo que fizer no mercado ou pelos membros da estrutura herdada do vieirismo que agora acabar por deitar borda-fora. Vai ser julgado pelo que a equipa fizer na Supertaça, já no final deste mês – e daí as sugestões de adiamento que já ecoam pelos meios de comunicação – e, depois, nas pré-eliminatórias da Liga dos Campeões e nas primeiras jornadas da Liga Portuguesa.
Menos mal, assim podemos ficar com a convicção de que as operações de compra e venda de passes que forem feitas por Rui Costa neste período não serão uma mera caça ao voto mas sim ações desenvolvidas na sequência de um raciocínio estruturado, cujo objetivo é dotar a equipa de meios que lhe permitam ser o mais competitiva possível. O imediatismo existe na mesma? Sim, mas não é um imediatismo tão, chamemos-lhe assim, imediato. O que Rui Costa estará a arriscar com a política de mercado que se adivinha neste Verão não é a capacidade para ser competitivo já, será, quando muito, a capacidade para se ser competitivo no futuro. Mas, olhando para os últimos anos de Benfica, praticamente todos desde a temporada de 2017/18, em que Luís Filipe Vieira foi acusado de hipotecar a possibilidade de garantir um inédito penta à conta de uma aposta mal medida, por exagero, na formação, tem sido essa a política desportiva do futebol do Benfica. Tem sido sempre para ganhar já, sem pensar no que pode acontecer amanhã e muito menos no depois de amanhã. A compra de partes de passes de jogadores como João Félix ou Thiago Almada, a fazer-se pelos valores de que se fala, indicia um fortíssimo investimento na componente desportiva imediata, sem grande capacidade de rentabilização financeira futura, mas nem por isso é uma alteração na política de um clube que tem revelado uma gritante incapacidade de retenção de talento e tem mantido sempre viva a chama à conta da criação de mais-valias.
Isto pode parecer contraditório, mas no fundo não é. Então se o problema do Benfica tem sido a incapacidade de reter talento, a forma como perde constantemente os melhores jogadores para o mercado, uma aposta em gente dificilmente rentabilizável no futuro parece ser uma inversão de política. João Félix, que completa 26 anos em Novembro, dificilmente voltará a ter quem se aproxime dos 70 ou 80 milhões de euros pelo seu passe, que seriam a forma de o Benfica ainda ganhar com o investimento no plano financeiro. Thiago Almada, com 24 anos feitos em Abril, é titular da seleção argentina e por isso mesmo exigirá um investimento inicial superior – ou uma percentagem de passe inferior... –, pelo que só valeria um lucro assinalável numa operação acima dos 80 ou 90 milhões igualmente difíceis de atingir. Há, portanto, uma valorização da componente meramente desportiva – o que é bom. Mas ao mesmo tempo estará a ser vedado o caminho de acesso à equipa principal dos jovens valores formados em casa ou comprados a mais baixo preço que podem valer essa mais-valia significativa da qual o Benfica continuará a depender. De acordo com números do Transfermarkt, o Benfica lucrou nos quatro anos de presidência de Rui Costa um total de 278 milhões de euros entre vendas e compras. Depois, é claro que este número baixa, à conta de comissões ou solidariedades, mas continua a ser um valor demasiado relevante para ser ignorado. São quase 70 milhões de euros por ano, que só aparecem se houver ativos valorizados. 70 milhões, em lucro, atenção, sem os quais não é possível executar orçamentos.
O segredo não está em deixar de vender. Está em controlar o timing das vendas. Em deixar de vender todos. Como assim todos? Bom, todos será um exagero, uma liberdade quase poética, mas quase todos. Desde que Rui Costa assumiu a presidência do Benfica, em 2021, o clube contratou fora 40 jogadores para a sua equipa de futebol. Vou poupar-vos ao relambório dos nomes, que podem consultar no link que vos deixei acima. Destes 40 jogadores, assumindo que Kökçu e Carreras vão mesmo sair – e as transferências ainda não foram oficializadas – só doze têm alguma hipótese de ficar nos quadros do clube para 2025/26. Estes, sim, digo-vos quais são: Aursnes, Schjelderup, Bah, Tengstedt, Trubin, Prestianni, Pavlidis, Aktürcoglu, Manu Silva, Bruma, Dahl e Leandro Barreiro. Mesmo entre estes, é duvidoso que Tengstedt fique. E até Bruma, que chegou em Janeiro, terá de pedalar muito para garantir a vaga, sobretudo se vierem Almada e Félix. Estes, por outro lado, bloquearão a via de progressão a investimentos feitos no sentido de um dia virem a dar lucro, como Schelderup ou Prestianni, ou até a jovens que foram formados em casa, como Rego ou Gouveia. O que o dia de ontem nos disse, no fundo, não é que o Benfica está a acertar a sua política de mercado, no sentido de deixar de ser tanto uma plataforma de compra e venda de talentos. É só que, para ser reeleito, Rui Costa compreendeu que precisa de ter a equipa a ganhar rapidamente. E que, para isso, não há como apostar em que garanta rendimento imediato – e sim, estou seguro de que tanto Félix como Almada cumprem este requisito, ao mesmo tempo que adiam mais um pouco o futuro do projeto desportivo.
Nota: O Último Passe vai estar aqui de segunda a sexta-feira até 14 de Julho, um dia depois da final do Mundial de clubes. A 15, o primeiro dia útil de defeso, sairá a primeira edição dos Reis da Europa, que depois seguirão a correnteza normal, com todos os campeões nacionais desta época, da Albânia à Ucrânia, numa periodicidade que eu gostava que fosse diária mas que ainda não sei se conseguirei manter tão frequente - até porque há um livro novo em fase de conclusão e o prolongamento da época de futebol levou a que me atrasasse com a fase de escrita... A 4 de Agosto, com o início de 2025/26, voltará o Último Passe, mas em versão vespertina (às 19h), eventualmente não diária. A minha crónica de opinião será um dos conteúdos, esses sim diários, oferecidos apenas a subscritores Premium, mas poderá alternar com outros textos. A partir de 4 de Agosto, também, mas logo pela manhã, terei para vós (para todos, que este será conteúdo gratuito) a Entrelinhas diária, uma leitura de cinco minutos com tudo aquilo que precisam de saber para manter as conversas sobre futebol nas pausas para café no trabalho.