O póquer por Gyökeres
Amanhã é o dia definido pelo Sporting, já com cedência de quase uma semana, para a apresentação de Gyökeres. Amanhã se verá até onde cada um dos lados está disposto a ir na defesa do seu bluff.

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Qualquer partida de póquer chega a uma altura em que, se os jogadores forem firmes nas convicções de que têm uma mão ganhadora, desafiam o bluff do adversário. No póquer por Gyökeres, essa altura é amanhã. Fomos assistindo a rodadas sucessivas de parte a parte, tanto do lado do jogador como dos dos dois clubes envolvidos nas negociações, mas amanhã é o dia definido pelo Sporting para a apresentação do goleador sueco, já com adiamento de quase uma semana, a ver se as partes se aproximam na negociação que pode levá-lo a mudar-se para o Arsenal. Amanhã, das três uma. Ou o Arsenal passa e põe em cima da mesa os 70 milhões fixos que o Sporting exige para libertar o jogador. Ou o jogador passa e não cumpre as ameaças que o seu agente, no âmbito do processo de condicionamento da narrativa pública, mandou dizer que ele fez, acabando por se apresentar ao trabalho. Ou quem passa é o Sporting, seja prolongando-lhe ainda mais as férias de uma forma que já seria insustentável ou aceitando a oferta de 65 milhões de euros que anteriormente recusou. Se ninguém passar, o jogo entra na parte mais emocionante, que é aquela em que todos põem as cartas na mesa e se percebe, afinal, quem é que tem a mão mais forte.
Este caso é em quase tudo semelhante ao que Gyökeres e o seu agente, Hasan Çetinkaya, protagonizaram há dois anos, com o Coventry City e o Sporting a comporem a mesa de jogo – a diferença é que a troca do Coventry City pelo Arsenal à mesa chamou a atenção de muito mais gente e que, em vez de andar a marcar alguns golos no Championship (foi nesse ano o segundo maior goleador da prova, atrás de Chuba Akpom), o jogador se tornou uma máquina goleadora na Liga Portuguesa, na Liga dos Campeões e na seleção sueca. Mas também em 2023 o jogador definiu onde queria jogar. Não consta que tenha ameaçado não se apresentar – porque na verdade ninguém queria saber e essa parte do bluff seria irrelevante... –, mas também nessa altura o clube detentor do passe permitiu que ele atrasasse a entrada em estágio, a ver se as negociações fechavam. Na altura, não foi preciso pôr as cartas na mesa, porque os dois clubes acabaram por passar mutuamente e estabelecer um compromisso. O Sporting chegou aos 20 milhões de euros fixos – e tinha começado nos 12 –, aos quais somou mais quatro por objetivos. O Coventry abateu cinco milhões aos 25 que pedia inicialmente, mas acabou por ser compensado com os quatro milhões dos objetivos – que foram atingidos – e com os 10 por cento da mais-valia com que ficou, o que poderá agora dar-lhe ainda mais um valor entre os quatro e os cinco milhões de euros. Todos ficaram felizes: o jogador foi para onde quis, o Sporting foi bicampeão e o Coventry acabará por receber mais do que exigia no início.
Tal como aí, Gyökeres definiu agora o que quer: quer jogar no Arsenal. Hasan Çetinkaya terá convencido o clube londrino de que conseguia fechar o negócio por 60 milhões fixos, mais dez por objetivos. E, perguntar-me-ão: se ele tem direito a 10 por cento da transferência, por que razão estará a fazer tanta força para baixar o valor? A resposta é simples. É que pode ter-se muita coisa contra o agente – e a forma como ele usa jornalistas e influencers de mercado para passar a sua narrativa sem se comprometer é uma delas –, mas ele está a fazer tudo para que o seu representado fique a ganhar. Em suma, está a fazer o seu trabalho, pois sabe-se que quanto menos o Arsenal gastar na transferência mais terá para pagar em salários ao jogador. O Arsenal precisa disto? A julgar pelos outros negócios que já fez neste mercado, não. Tanta renitência em chegar aos 70+10 pretendidos pelo Sporting é até uma forma de dizer a todos que se está um pouco nas tintas para este negócio, que se não for este acabará por ir atrás de outro. Será bluff da parte de Andrea Berta, um diretor desportivo a quem não se conhecia tanta sovinice – foi ele que, no Atlético Madrid, pagou 126 milhões de euros por João Félix, por exemplo? É possível, mas para o saber o Sporting tem de ficar na mesa e enfrentar todas as consequências quando as cartas lá forem depositadas.
A favor da posição de Çetinkaya – e do Arsenal, que elas estão concertadas – há uma série de fatores. Nunca um jogador da idade de Gyökeres (ou superior) se transferiu por mais de 60 milhões de euros, a não ser que já estivesse numa das Big Five. Isso serve para desvalorizar o jogador e suporta-se até em estudo de dados, como o divulgado ontem pela Opta: afinal, o que valem os golos de Gyökeres em Portugal? Será ele um goleador igualmente prolífico no contexto da Premier League? Menos convincentes, pelo menos do meu ponto de vista, são as famosas mensagens trocadas em Setembro por Çetinkaya e Hugo Viana, que nessa altura era diretor-desportivo do Sporting. Primeiro porque me faz pouco sentido que, já com o mercado fechado, o Sporting fosse dar ao jogador facilidades na saída em troca de uma promessa que ele fizesse para ficar – o mercado estava fechado, ele já não podia ir para lado nenhum. Depois porque Viana já nem está no Sporting e porque o facto de ele ter respondido “OK” a uma ata de reunião feita por Çetinkaya dificilmente poderia ser considerado vinculativo. Finalmente porque me pareceria um erro estratégico gravíssimo estar a estipular um preço de venda com desconto para valer dali por um ano, antes de se saber o que faria o jogador nesse ano. Quer isto dizer que não foi feita essa promessa? Não, que as pessoas às vezes fazem coisas tontas. Quer só dizer que se o Sporting o fez estava a fazer asneira da grossa, ainda por cima sem ter necessidade – o que de certa forma vem dar força à versão depois publicamente defendida por Varandas, a de que se comprometeu a baixar da cláusula de rescisão (100 milhões), mas não em quanto o faria.
O que estará em jogo amanhã se nem o Sporting nem o Arsenal passarem até lá é perceber se também Gyökeres se mantém firme e cumpre as tais ameaças que nunca ninguém lhe leu ou ouviu mas que muita gente garante que ele fez. Todos têm de enfrentar os riscos dos respetivos bluffs. O Arsenal tem de estar pronto para avançar para outro ponta-de-lança. Mas encontrará alguém a este nível por menos dinheiro? Dificilmente, como se percebe pelo que tem vindo a gastar até em jogadores de posições menos valorizadas. O jogador tem de estar pronto para a hipótese de, não se apresentando, acabar com a boa-vontade do Sporting baixar da cláusula e passar a exigir os 100 milhões que lá estão. Pode até rescindir, ficando livre para assinar por quem quiser e sujeito depois à arbitragem da FIFA – mas vejo com dificuldade que o Arsenal entre num esquema desses. O Sporting, para quem o adiamento por quatro dias da data inicialmente prevista para a apresentação até foi defensável, porque havia negociações em curso, não tem já margem para novo protelamento e tem de estar preparado para duas coisas. Uma é que, o jogador não aparecendo, tenha de instaurar-lhe um processo disciplinar. Outra é, tanto nessa eventualidade como na de Gyökeres chegar mesmo a rescindir, ter de atacar o mercado sem ele e sem o dinheiro da sua venda para o substituir (que mesmo que a FIFA viesse depois a decretar que a cláusula vale, nunca seria em tempo útil). E esta última é também a razão pela qual a teoria do eventual empréstimo do goleador é a maior parvoíce agitada pelas partes durante o processo.
Para já, está toda a gente escondida atrás da melhor ‘poker face’ que consegue. Como acabará por se resolver? Até amanhã começaremos a perceber.
Nota: O Último Passe vai estar aqui de segunda a sexta-feira até 14 de Julho, um dia depois da final do Mundial de clubes. A 15, o primeiro dia útil de defeso, sairá a primeira edição dos Reis da Europa, que depois seguirão a correnteza normal, com todos os campeões nacionais desta época, da Albânia à Ucrânia, numa periodicidade que eu gostava que fosse diária mas que ainda não sei se conseguirei manter tão frequente - até porque há um livro novo em fase de conclusão e o prolongamento da época de futebol levou a que me atrasasse com a fase de escrita... A 4 de Agosto, com o início de 2025/26, voltará o Último Passe, mas em versão vespertina (às 19h), eventualmente não diária. A minha crónica de opinião será um dos conteúdos, esses sim diários, oferecidos apenas a subscritores Premium, mas poderá alternar com outros textos. A partir de 4 de Agosto, também, mas logo pela manhã, terei para vós (para todos, que este será conteúdo gratuito) a Entrelinhas diária, uma leitura de cinco minutos com tudo aquilo que precisam de saber para manter as conversas sobre futebol nas pausas para café no trabalho.
É claro que, depois do que disse, Varandas não pode voltar atrás, seria criar um precedente que atingiria o Sporting durante anos. Quanto ao Arsenal, clube milionário, se quer continuar a jogadas de bastidores por 5 ou mesmo 10 milhões, então até está a desconsiderar o valor do Gyokeres....e este devia tirar as suas próprias conclusões quanto a esse amor eterno pelo Arsenal !!!
Gyokeres contrato até 2028 com cláusula de 100M. Que eu saiba ninguém apontou uma pistola à cabeça do sueco para assinar.
A gratidão do presidente Varandas anuiu, se ele ficasse mais uma época que não a ultima, a sair "abaixo dos 100M". O presidente diz que ninguém disse sim a 60 e eu acredito piamente nisso.
Mas alguém a quase um ano de distância podia concordar com uma coisa dessas sem saber de que época estávamos a falar?
Foi só melhor que a anterior. E os golos do sueco podem não valer nada em Portugal mas ainda assim deu para ficar em 2° lugar na Bora de Ouro e foi mesmo por um triz.
Eu acredito que no fim os 70M vão ser batidos e vai ficar tudo bem, para bem de todos. Todo este lavar de roupa suja não foi mais do que diz que disse, pressão sobretudo do empresário a fazer sair noticias para boi dormir.
Se o maior activo do clube ( dizem porque para mim era Quenda, um negócio ruinoso do Varandas ) tem uma cláusula de 100M e sai por 70M acho bastante aceitável...para clube e jogador.
Que tudo termine em bem porque o sueco merece.