Slimani, Sporar, Paulinho e a política desportiva
Se o treinador sonha com um avançado à imagem do inflacionado Paulinho, Slimani arriscava-se a contar tão pouco como Sporar. A questão é superior e está na definição estratégica do rumo da equipa.
Os últimos dias de mercado, com as contratações falhadas de Rúben Semedo pelo Benfica e de Paulinho pelo Sporting, o tratamento dado na Luz aos jogadores vindos do Seixal ou ainda o processo em torno de Slimani ou Sporar no Sporting – soube-se bastante menos acerca dos bastidores do que se passava no FC Porto… – deve relançar o debate acerca daquilo que deve “riscar” um treinador na formação do plantel e da cada vez maior necessidade de uma figura quase plenipotenciária, capaz de definir um rumo mas insuscetível de ser sacrificada sempre que a bala bate na barra em vez de entrar. Dir-me-ão alguns que essa figura existe na pessoa dos presidentes, mas eu referia-me a alguém que entendesse alguma coisa de futebol para que os clubes não sejam apanhados na curva com opções imprescindíveis e dispendiosas, mas que à primeira chicotada psicológica se tornam dispensáveis.
Já aqui escrevi ontem acerca da questão dos defesas-centrais do Benfica, que a sinalização de Lucas Veríssimo no último dia de um mercado em que se contrataram três jogadores para a posição veio provar que não estava fechada. Da mesma forma, há algumas semanas já tinha refletido a propósito da travagem a fundo com guinada brusca que o clube empreendeu com relação à descapitalização futebolística que implicava a aposta por vezes cega no talento da formação. Abortadas as negociações que podiam ter levado Paulinho (SC Braga) ou retornado Slimani (Leicester City) ao Sporting, onde está em riscos de enferrujar Sporar, contratado em Janeiro, há finalmente condições para se refletir em torno desse tema. Emparedada entre a tentação de agradar ao treinador, com Paulinho, que o SC Braga tentou inflacionar até à insanidade, ou aos adeptos, com Slimani, que avolumaria o problema-Sporar, a administração da SAD leonina resolveu continuar com os jogadores que tinha. No meu entendimento, fez bem – embora tenha agora que enfrentar o descontentamento que lhe vem de dentro e de fora. Gerir é correr riscos.
A coisa explica-se facilmente. Depois de andar – e com razão – a ouvir das boas por ter saído do último dia de mercado sem um ponta-de-lança que concorresse com Luís Phellype, a administração do Sporting, cuja equipa estava órfã de Bas Dost, fechou a contratação de Sporar ao Slovan Bratislava em Janeiro. O treinador era Silas e creio que tenha dado o aval à contratação, pois fez do esloveno titular imediato. Em início de Março chegou Rúben Amorim e Sporar continuou a fazer parte regular do onze, mas com a pré-época e as modificações que fez na manobra ofensiva, o treinador acabou por concluir que não quer aquele tipo de ponta-de-lança, mais de referência, conforme já expliquei aqui. Rúben Amorim quer um avançado mais móvel, capaz de baixar para o espaço entre linhas para dialogar com os médios, mas que tenha golo (e este parece ser o “pormaior” que impede Vietto, por exemplo, de ser esse nove mais móvel). Quem Amorim queria era Paulinho, autor de cinco golos nos primeiros quatro jogos em que ele dirigiu o SC Braga, em Janeiro, e de mais um nas sete partidas que disputou depois disso com o treinador, antes de este, em Março, trocar Braga por Alvalade.
Paulinho, que tem 27 anos e que na época passada fez 25 golos em 48 jogos oficiais (17 na Liga), valerá com boa vontade 10 milhões de euros – e isto já contando o inflacionamento que o interesse de Amorim pode ter provocado nele, porque há um mês valeria algo entre cinco e sete milhões. Há oito meses, os leões pagaram seis milhões por Sporar, 25 anos (entretanto já fez 26) e autor de 20 golos em 26 jogos com a camisola do Slovan Bratislava, sete dos quais nas competições europeias (e dois ao SC Braga, na fase de grupos da Liga Europa). E ainda que aqui, reforço, aquilo que esteja em causa não seja uma comparação de qualidade dos jogadores, mas sim a adaptabilidade de cada um às ideias do treinador, seria insustentável valorizar um no dobro do outro. E seria absolutamente insano achar que um pode valer o triplo ou o quádruplo do outro ou aceitar que – como o SC Braga terá chegado a sugerir – Sporar seguisse para o Minho como moeda de troca à qual o Sporting teria de juntar um camião de dinheiro para ter Paulinho. Seria o abrir de porta à repetição do caso-Esgaio, que os leões mandaram para o Minho para ter Battaglia, cedendo 80 por cento do seu passe, e que, agora, no mesmo mercado em que despacharam o argentino para o Alavés, tentaram recuperar, mas apenas para ver António Salvador pedir uns 10 milhões de euros.
Então e Slimani? Não servia? O argelino tornou-se nos últimos dias no favorito dos adeptos nas redes sociais. Saudosos dos 31 golos que ele marcou em Alvalade em 2015/16, antes de ser vendido por 30 milhões de euros para o Leicester City, punham de parte o facto de ele já ter 32 anos ou de nas últimas três épocas somadas ter marcado 19 golos entre Inglaterra, Turquia e França. Contudo, é verdade que à chegada ao AS Mónaco o argelino como que renasceu com Leonardo Jardim. Ainda assim, não deixa de ser um jogador tão pouco compatível com a ideia de jogo que Rúben Amorim trabalhou na pré-época como o é Sporar. Uma coisa que foi posta a circular porque os adeptos a valorizam – que Slimani só se terá virado para o Sporting após ver falhar todas as outras alternativas – na verdade vale zero, mas ainda assim de nada serviria trazê-lo para ele se tornar um peso-morto no plantel, como se arrisca a ser Sporar.
E é por isso que cada vez mais faz falta a tal figura superior, que define o rumo futebolístico de um clube e não o deixa andar à deriva da vontade dos treinadores. Pode ser um diretor desportivo à italiana, o homem que contrata treinadores de acordo com uma ideia coerente (e contínua) de futebol. Pode ser um presidente – ainda que estes dificilmente tenham conhecimentos de futebol suficientes para desempenhar satisfatoriamente as funções. Pode até ser o treinador, que tem a vantagem de saber mais de futebol do que qualquer engravatado com vários MBA em gestão, mas que nesse caso não pode é ser chicoteado ao primeiro revés no campo e tem sempre de ser responsabilizado pelas decisões que toma nos gabinetes. E disso estamos ainda muito longe.