Todibo e a questão central
Quando Jesus quis mais um central, o que o preocupava não era a quantidade ao dispor nem a estatura de Otamendi. Eram as ideias. Todibo não as conhece e pode nem dar jogador, mas ao menos é moldável.
Quando Jorge Jesus disse, no final do 3-2 ao Farense, que aquele jogo era a demonstração das razões pelas quais ele queria “mais um defesa central”, ficou no ar a dúvida se estaria a referir-se à debilidade física de Jardel, que voltou a sair lesionado, ou aos erros cometidos por Otamendi, que não tem o perfil que ele entende ser o ideal para comandar a defesa. Não é comum uma equipa que joga com uma linha de quatro atrás precisar de cinco defesas centrais – seis, se contarmos Morato – e também não deixa de ser curioso que todos os alvos que os encarnados identificaram nesta reta final de mercado, de Rúben Semedo a Lucas Veríssimo, com passagem pelo que acabou por chegar, Todibo, sejam destros.
Vamos a factos, limitando-os aos onze anos desde que Jorge Jesus chegou à Luz pela primeira vez, em 2009, e excluindo a época em curso. Nesses onze anos, o Benfica realizou 587 jogos oficiais. E, de facto, em seis dessas onze épocas, os treinadores encontraram utilidade para um quinto defesa-central: Roderick fez dois jogos com Jesus em 2009/10 e seis em 2010/11, Sidney subiu ao relvado duas vezes em 2012/13, Lindelof alinhou numa partida em 2014/15, Kalaica jogou numa ocasião em 2016/17 e Lema foi utilizado duas vezes em 2018/19. Estamos a falar de 13 jogos num universo de 587 (o equivalente a 2,2 por cento), muitos deles em provas secundárias, contra adversários menos exigentes. Portanto, se a ideia é ter número, quantidade capaz de ajudar a ultrapassar o facto de a veterania dos defesas com que o plantel já conta poder acarretar um elevado risco de lesões, parece um capricho investir muito em mais um defesa-central.
Até porque além de Otamendi, Jardel, Ferro, Vertoghen e, agora, Todibo, ainda há Morato, jovem brasileiro canhoto por quem o Benfica pagou ao São Paulo, há um ano, seis milhões de euros (seis vezes mais do que FC Barcelona pagou ao Toulouse FC por Todibo, por exemplo). E se formos à procura de jogos em que o Benfica foi forçado a recorrer ao sexto defesa-central do plantel nestes onze anos, a busca é ainda menos recompensadora. Aconteceu apenas duas vezes (0,3 por cento do total de partidas efetuadas), sendo que numa dessas épocas, ainda por cima, nunca houve seis centrais em simultâneo no plantel. Foi em 2010/11: Fábio Faria alinhou durante 45 minutos num jogo da Taça da Liga, quando os centrais do plantel eram Luisão, David Luiz, Sidney e Roderick, tendo Jardel chegado do Olhanense em Janeiro de 2011, ao mesmo tempo que o ex-vilacondense saía para o Real Valladolid. Portanto, o único sexto central autêntico destes onze anos de Benfica foi Miguel Vítor, que em 2012/13 esteve sete minutos em campo num jogo com o Rio Ave. É verdade que também ele era, à data, o quinto na hierarquia do grupo (atrás de Garay, Jardel, Luisão e Sidney), porque Roderick só voltou de um empréstimo ao Deportivo no mercado de inverno. Ainda assim, Jesus ficou com os seis na segunda metade da época, tendo contudo Miguel Vítor e Sidney transitado nessa altura para a equipa B, de onde não saíram depois de Janeiro.
A questão, portanto, não deve ser colocada em termos de quantidade de jogadores que o treinador tem à sua disposição. Quanto vale, em termos de investimento, 0,3 por cento de uma época? Seguramente não os 15 milhões de euros que o Olympiakos pedia por Rúben Semedo. Ou as complicações de pagamento que implicava a contratação de Lucas Veríssimo ao Santos FC. A questão é que Jesus não estava à procura de um quinto (ou sexto, insisto) central: ele estava à procura de um primeiro (ou no limite terceiro) central, porque não está satisfeito com os quatro que tinha e nem a chegada de Otamendi, pelo qual o Benfica fez um desconto de 15 milhões de euros em Rúben Dias, lhe terá enchido as medidas. E nem será tanto uma questão de estatura: diz-se sempre que Jesus exige centrais em torno de 1,90m (a altura de Todibo), mas Otamendi tem exatamente a mesma altura que Rodrigo Caio, o central que foi o líder da defesa do Flamengo de Jesus (1,83m).
A questão é que o esquema de Jesus dá sempre muita importância ao central que joga pela direita e não deixa, por isso, de ser interessante que, tendo o Benfica para essa posição três jogadores destros e apenas um canhoto, Vertonghen (ou dois, se contarmos Morato), a opção para reforçar o setor tenha caído em mais um jogador destro, o jovem Todibo. Era o que estava disponível? Sim, também, como parece indicar o facto de o francês só ter feito 25 jogos nos dois anos que leva como sénior – dez no Toulouse FC, cinco no FC Barcelona e outros dez no Schalke. Mas era, sobretudo, moldável. Aos 20 anos, Todibo pode até nunca dar jogador, mas Jesus terá visto nele matéria prima para trabalhar.
O treinador do Benfica, nessas coisas, é transparente. Lembram-se do que ele disse quando soube que ia ter Otamendi? Que as ideias dele eram diferentes das de Guardiola. Não é a quantidade nem é o tamanho. São as ideias. É essa a questão central para Jesus.