Sacchi, Capello e o jogo à italiana
Os italianos andam atordoados com o insucesso e o tema já serve para o debate (e indiretas) entre dois dos treinadores que por lá mais venceram. Afinal, o que é o "jogo à italiana"? E faz falta?
Está interessante o debate em Itália, sem dúvida motivado pela segunda eliminação seguida da seleção “azzurra” de uma fase final do Mundial, pelo facto de não haver equipas italianas nos quartos-de-final da Liga dos Campeões pela segunda época consecutiva – a última foi a Atalanta de 2020 e às meias-finais não chega ninguém desde a AS Roma de 2018 – e por, esta semana, nem Atalanta (na Liga Europa) nem AS Roma (na Liga Conferência) terem ganho os jogos da primeira mão dos quartos-de-final. Mais cosmopolita, na Gazzetta dello Sport de ontem, Arrigo Sacchi, ex-campeão europeu pelo Milan, chamou “pré-histórico” ao futebol do Atlético Madrid, que perdeu em Manchester com o City (1-0) a jogar numa espécie de 5-5-0, com toda a gente estacionada frente à área de Oblak em duas linhas próximas. Mais descarado, Fabio Capello, também ex-campeão europeu pelo Milan, diz que gostou de ver e já respondeu, no Corriere dello Sport de hoje: “Devolvam-nos o futebol à italiana!”
“Andamos a copiar o futebol do Guardiola de há quinze anos”, explica Capello – o que começa por ser estranho porque o catalão só treina há 14 anos e o primeiro foi no FC Barcelona B. “Enquanto não entendermos que o modelo no qual devemos inspirar-nos é o alemão, nunca avançaremos”, concretizou, explicando que um jornalista espanhol lhe tinha telefonado e lhe dissera que que por lá “o futebol à italiana estava em altas”. Na verdade, os espanhóis têm boas perspetivas de ter ainda três equipas nas meias-finais da Champions – ainda que possam também ficar só com uma. Tanto o Real Madrid que foi a Londres ganhar ao Chelsea por 3-1 como o Atlético Madrid que manteve a eliminatória em discussão contra o Manchester City (perdeu por 1-0 no Ettihad) têm acentuado cunho italiano: o Real é treinado por um italiano, Carlo Ancelotti, antigo jogador de Sacchi e Capello no Milan, e Diego Simeone, treinador do Atlético, tem formação avançada em futebol à italiana antiga, pelos anos em que lá jogou. Por fim, o Villarreal CF de Unai Emery é uma equipa que beneficia as virtudes que os italianos viam no seu futebol e que assim de repente deixaram de ver: acima de todas uma férrea organização defensiva.
O paradoxo está à vista na auto-destruição da Juventus. Campeã italiana nove vezes seguidas entre 2012 e 2020, a Velha Senhora cansou-se de ser feliz. A administração achou que aquele futebol criado por treinadores como Antonio Conte ou Massimiliano Allegri não era sedutor, começou por fazer apelo a Maurizio Sarri – que, menos mal, ainda ganhou a Serie A – para depois descambar em Andrea Pirlo, um treinador sem experiência, mas que saíra do Centro Técnico de Coverciano com uma tese de mestrado espetacular em torno do jogo positivo. No fundo, além de ter sido a alegria do Inter Milão – campeão com Conte em 2021 – e de ter aberto a Liga de 2022 a uma animada disputa entre Milan, SSC Nápoles e Inter, foi a aplicação prática de parte das ideias defendidas por Sacchi. Ainda que, para sermos justos, devamos deixar claro que o problema da Juventus não foi ter mudado o paradigma, mas sim ter deixado a mudança a cargo de quem não estava habilitado para a fazer.
Mas voltemos às ideias de Sacchi. “Digamos a verdade: este modo de jogar [o do Atlético de Simeone] cansa o público. Os espectadores pedem beleza, pedem emoções. Que emoção pode haver num pontapé de saída de cinquenta metros?”, perguntava o professor de Fusignano, que Capello nunca apreciou, na verdade, por nunca ter sido jogador de futebol. Mas Sacchi foi mesmo mais longe, contando duas histórias. Uma, de quando Gullitt lhe sugeriu que como ele próprio, Van Basten e Massaro até eram bons no ar, a equipa do Milan devia mandar mais jogo aéreo para a área adversária – o que ele recusou, temendo que isso depois se tornasse prática habitual e usurpasse a identidade da equipa. E outra de quando, a ver o Itália-Holanda da meia-final do Euro’2000, na tribuna, ao lado de Pelé – a Itália de Dino Zoff ganhou nos penaltis depois de um longo e aborrecido 0-0 –, o antigo craque brasileiro lhe disse: “É pena! Vocês têm bons jogadores mas não sabem jogar futebol”.
Capello sucedeu a Sacchi no Milan em 1991 mas agora, 30 anos depois, observa a realidade de forma completamente diferente. “Os que dizem coisas como ‘Temos a nossa identidade e jogamos de igual para igual com os mais fortes’ fazem-me rir. Jogam de igual para igual para descer de divisão”, goza, ridicularizando “modernices” como o “sair a jogar”. “Agora está na moda a construção baixa, os passesitos laterais, as trocas de bola simpáticas com o guarda-redes, a ‘busca imediata da superioridade numérica’, como dizem aqueles que percebem mais de futebol do que eu”. As duas entrevistas valem muito a pena e estou convencido de que, aparte uma diferença na forma de aceitar a passagem “à reserva” – Sacchi continua a querer parecer um tipo moderno, de forma até um pouco obsessiva para quem não vai voltar a treinar; Capello desistiu disso e assemelha-se já mais a um idoso ressentido pela ultrapassagem – os dois não pensam de maneira assim tão diferente. Afinal de contas, o Milan de Capello jogava de forma muito igual ao Milan de Sacchi, baseando-se ambos numa zona pressionante fortíssima e numa circulação rápida tentando a criação de espaço e a capaz exploração da profundidade.
Muito do confronto será também fabricação dialética dos jornais, interessados em descobrir a terapêutica correta para a crise que se abateu sobre o futebol italiano nos últimos anos. Uma crise que a conquista do Euro’2020 mascarou mas não resolveu. No fundo, mesmo em lados opostos da barricada, Sacchi e Capello têm razão quando dizem que isto está tudo ligado. A crise do futebol italiano tem a ver com a quebra de qualidade. “Deixámo-nos atrasar. Os melhores jogadores já não vêm para Itália. E não se aprende nada se aqueles que deviam ajudar-me a crescer são do mesmo nível que eu”, diz Capello. E porque é que os melhores já não vão para Itália? Porque é que o futebol italiano, o El Dorado dos anos 80 e 90, deixou de conseguir disputar jogadores com a Premier League inglesa e a Liga espanhola? Porque a receita caiu, porque os espectadores se aborreceram e exigiram um jogo diferente, preferindo ver Ligas onde o futebol os entusiasma além do facto de poderem torcer pelo seu clube do coração. “Que futebol é este?”, pergunta Sacchi acerca do jogo do Atlético Madrid de Simeone. “Não dá alegria nem quando se vence. É algo que não me agrada. E é estranho que os espanhóis, que estão habituados à beleza no futebol, aceitem assim esta proposta”, acrescenta.
Não estou nada convencido de que Sacchi esteja a ver bem a coisa: acho que se o Atlético eliminar o Manchester City isso vai dar uma alegria gigantesca aos seus adeptos. Mas já concordo com ele no facto de, ao mesmo tempo, tal feito poder vir a provocar a condenação quase universal e o ostracismo dos neutrais. E, no fundo, apesar de vozes como a de Capello pedirem o regresso ao passado do “jogo à italiana”, a maior esperança de retoma da Serie A está no facto de outros se entreterem agora a copiar os erros que os italianos já cometeram no passado. A fixação resultadista não tem efeitos imediatos na quebra, porque durante alguns anos os grandes talentos vão disfarçando a pobreza coletiva. Mas no médio e longo prazo, acaba por se pagar caro. O azar dos italianos é que os espanhóis vão entender isso a tempo.
O futebol Italiano evoluiu muito com médias de golo/jogo incrível. É raro um 0:0 ao intervalo. Ganharam o europeu e não foram ao mundial por uma improbabilidade muito grande. Tiveram 3 jogos para carimbar a coisa, penaltis no fim. A nível europeu/clubes não têm os melhores jogadores, têm de aceitar como natural o fracasso nas provas das eufas. Bem vindos ao clube. Agora, cortarem para trás e regressarem ao catennaccio, era péssimo. É necessário dar voz a estes rezingões, mas com contraditório.
Sou italiano e custou me muito não ir a um Mundial. O que vale este ano terei sempre o Antônio Tadeia. #eusigoantoniotadeia