Radiografia aos avançados
A contestação a Paulinho tem subido, como a aprovação a Taremi ou Darwin. Yaremchuk não é reconhecido. Martínez caiu, Ruiz e González não marcam. Saiba o que valem os avançados dos candidatos.
Paulinho tem estado debaixo de fogo, porque falha ocasiões de golo aparentemente fáceis no ataque do Sporting. Toni Martínez parece ter sido encostado por Sérgio Conceição, que passou a utilizar Evanilson como parceiro de Taremi na frente do FC Porto. Os benfiquistas ainda não estão convencidos com Yaremchuk e a Darwin apontam defeitos na altura de tomar decisões ou falta de regularidade. Em Braga, Ruiz e González sofrem da falta de golos que lhes alimentem as estatísticas. Afinal, quem são os bons e os maus pontas-de-lança nos candidatos ao título? A resposta é só uma: depende daquilo que se procura, daquilo que o treinador quer tirar do seu ponta-de-lança.
É aqui que muita gente desiste de argumentar. “Então? Se é ponta-de-lança, o que se quer dele são golos! Ou não é?”, responderão. Pois nem sempre. Os jogos ganham-se com golos, mas para uma equipa somar três pontos no final, tanto faz eles serem marcados pelo ponta-de-lança como pelo guarda-redes. Ou pelos jogadores que mais se aproximam da referência do ataque, aqueles que gravitam entre a posição de ponta-de-lança e a de segundo avançado. Por alguma razão, os melhores marcadores dos quatro principais candidatos ao título não são os pontas-de-lança de referência, digamos assim. Se contabilizarmos só os jogos relativos à Liga, à Supertaça e às provas europeias – para não desvirtuarmos os dados com os desafios frente a adversários mais frágeis – o melhor marcador do Sporting é Pedro Gonçalves, com quatro golos; o do SC Braga é Ricardo Horta, com seis; no Benfica destacam-se Rafa e Darwin, com seis; e só no FC Porto se assiste ao primado exclusivo de um ponta-de-lança, face aos oito golos de Taremi. Talvez o facto de os dragões serem, entre todos, os únicos a escolher maioritariamente o 4x4x2 ajude a explicar isto, ainda que, na dupla de ataque escalada mais regularmente por Sérgio Conceição, o iraniano seja com frequência o jogador mais móvel, atrás de Martínez – ou mais recentemente de Evanilson.
Mas comecemos por avaliar os pontas-de-lança dos candidatos por esse ângulo mais óbvio e evidente – o dos golos que marcam. Limitemos a busca a jogadores que tenham feito pelo menos 40% dos minutos das respetivas equipas nesta época e nas competições que já referi acima.
Por este ângulo, o ponta-de-lança que conseguiu mais golos foi o portista Taremi, mas o que precisa de menos tempo em campo para fazer um golo é o benfiquista Darwin – ainda que este jogue muitas vezes sobre a meia esquerda, no 3x4x3 que Jorge Jesus tem usado mais esta época. O braguista González é, dos seis, o único que ainda não fez um golo – tem um, mas em partida da Taça de Portugal, contra o Moitense.
Podemos então complicar um pouco a coisa e avaliar o índice de aproveitamento de oportunidades de cada um destes jogadores, confrontando o total de golos que marcaram com o total de remates que fizeram e com o xG de cada um. Um remate, toda a gente sabe o que é. Mas o que é isso do xG? O xG é o índice de “golos esperados” [“expected goals” no original] e avalia cada situação de jogo em que os futebolistas estão envolvidos sob o prisma da média absoluta das vezes em que aquela situação dá golo. Isto é: se nove em cada dez remates num determinado local e numa determinada situação dão golo, esse é um lance ao qual corresponde um xG de 0,90. Claro que são particularmente valiosos os jogadores cujo total de golos suplanta o seu xG, sinal de que têm grande facilidade goleadora e boa relação com a baliza, mas não deixam de ser importantes jogadores que conseguem um xG elevado, o que indica que têm boa leitura de jogo e que por isso se colocam com frequência em boas situações de finalização. Note-se que neste caso não estão contabilizadas a Supertaça, entre Sporting e SC Braga, nem as quatro partidas do Benfica nas pré-eliminatórias da Liga dos Campeões, porque esses dados não estão disponíveis no site da Infogol, ao qual recorri para compilar estes números.
Daqui se conclui que só Taremi, Toni Martínez e Darwin têm uma relação positiva com o golo, marcando mais do que seria suposto fazerem. O iraniano devia ter entre seis e sete golos e leva oito, o uruguaio devia andar perto dos quatro e já tem seis e o espanhol marcou três quando só teve situações para dois – com a nuance estranha de ter um xG igual a zero na Liga dos Campeões, onde não fez um único remate. Paulinho, que marcou mais na Champions do que na Liga portuguesa, por exemplo, já teve situações suficientes para fazer seis golos – e só fez três. No caso de Paulinho, aliás, são precisos doze remates para um golo. É demais, acima de tudo se tivermos em conta que, nos mesmos doze remates, Taremi ou Darwin marcam por três vezes.
Ainda assim, o contestado ponta-de-lança do Sporting pode ser visto como muito útil, porque se coloca frequentemente em boas situações para marcar, mesmo que depois acabe por falhar no momento único da finalização. E aquilo em que os treinadores acreditam é sempre que mais vale criar as situações e falhá-las – que isso resolve-se em momentos de maior confiança – do que não aparecer de todo associado a elas, caso em que poderemos até pensar que o jogador se esconde. Será o desacerto na finalização um problema assim tão grave? Vejamos outro índice – o dos remates enquadrados. Quem tem maior e menor percentagem de remates enquadrados com as redes?
Paulinho e Taremi, os dois com mais minutos de jogo, são também os que mais rematam e os que mais bolas enquadraram com as balizas adversárias, mas não são quem tem melhor percentagem de acerto com o alvo. Aí são superados pelos benfiquistas Yaremchuk (52%) e Darwin Nuñez (47%). Mário González é, de todos, o que menos frequentemente acerta nas redes – só um em cada quatro remates do espanhol vão bem enquadrados.
O jogo, no entanto, é uno. Essa coisa de os pontas-de-lança só estarem em campo para chutar e marcar golos é uma ideia antiga e em desuso. Já vimos, por exemplo, que no Sporting e no SC Braga os melhores goleadores são jogadores que atuam como segundos avançados. Um deles, o leão Pedro Gonçalves, foi mesmo o melhor goleador da última Liga, tendo sempre Tiago Tomás, Jovane, Sporar ou mesmo Paulinho – na segunda metade da época – a jogar como referência no meio. Fruto de uma excelente relação de Pedro Gonçalves com o golo – Pote acabou a última Liga com um xG de 11,11 e 23 golos marcados, o que equivale a dizer que duplicou o total de golos que devia ter concretizado... – mas certamente também do bom trabalho de quem estava perto dele.
Será então possível medir a influência dos pontas-de-lança na produção do resto da equipa? Seguramente. Comecemos pela produção atacante e por um índice absolutamente indiscutível: as assistências. E, para apimentar um pouco a coisa, podemos ainda acrescentar os lances em que, não tendo fornecido o último passe, o ponta-de-lança tenha participado de alguma forma na jogada do golo – e estabeleçamos aqui como limite o facto de ter sido um dos últimos quatro jogadores da equipa a tocar a bola antes de ela entrar na baliza. Note-se que, neste caso, por serem dados observáveis a olho nu, volto a contar os jogos relativos à Supertaça de Portugal – para os jogadores de Sporting e SC Braga – e à fase de qualificação da Champions – para os jogadores do Benfica.
Além dos três golos que marcou, ao FC Vizela, ao Ajax e ao Besiktas, Paulinho participou em mais cinco. Fez duas assistências, para golos de Pedro Gonçalves ao FC Vizela e Coates ao Besiktas, e esteve igualmente nas jogadas de mais três: sofreu um penalti contra o Estoril, passou a Jovane antes de este sofrer penalti frente ao Marítimo e esteve no lance do primeiro golo leonino em Arouca, obtido por Matheus Nunes. Acima dele neste particular – de ajudar sem marcar – só surge Yaremchuk. O ucraniano do Benfica marcou quatro golos e esteve em mais seis: assistiu Waldschmidt contra o FC Arouca, Rafa e Weigl, ambos na receção ao PSV Eindhoven, mas participou igualmente nos lances do autogolo de Gigot (Spartak) e de um dos golos de Darwin ao Boavista e outro ao FC Barcelona. Talvez se veja neste particular a razão pela qual o ucraniano chegou a ser apontado ao Sporting na época passada, antes de os leões fixarem o alvo em Paulinho. São jogadores com vários pontos em comum.
Menos altruístas são Toni Martínez ou Darwin Nuñez, que só estiveram mesmo nos golos que marcaram: três o espanhol do FC Porto e seis o uruguaio do Benfica. Já entre os dois espanhóis do SC Braga quem mais se destaca até é Mário González, o único de todos os pontas-de-lança em estudo que ainda não fez um golo – só que participou em cinco, com destaque para a vitória (3-1) sobre o Midtjylland, na Liga Europa, na qual assistiu Ricardo Horta e Galeno para dois golos e sofreu o penalti que originou o outro. Além disso, González participou ainda nos golos de Fábio Martins ao Moreirense e de Iuri Medeiros ao CD Tondela. Já Abel Ruiz, que até marcou ao Sporting, no jogo de campeonato, só teve participação direta em mais um golo do SC Braga, uma vez que assistiu Ricardo Horta frente ao Moreirense.
Mas há outra forma de descobrir a influência dos avançados na produção goleadora da equipa, que é verificar quantos minutos esta precisa para chegar ao golo com eles em campo e comparar esses dados com os necessários para haver golo quando eles não estão.
E aqui a grande diferença é mesmo a estabelecida entre os dois pontas-de-lança do SC Braga, uma vez que a equipa marca muito mais com González em campo do que com Ruiz. É abismal a diferença: se com Mário González em campo o SC Braga faz um golo a cada 39 minutos de jogo, sem ele essa cadência cai para um golo a cada 122’. Com Abel Ruiz as coisas funcionam ao contrário. Com ele, a equipa precisa de 130’ para marcar um golo, ao passo que com ele de fora os bracarenses marcam a cada 43’. E atenção que, dado o equilíbrio nos minutos de utilização dos dois (557’ para 522’), não pode sequer defender-se que a divergência é casual. Está bem consolidada pela regularidade com que Carlos Carvalhal tem vindo a alternar.
Se no caso dos jogadores do Benfica as diferenças são quase nulas, é ainda curioso verificar que Sporting e FC Porto ainda não marcaram – nas competições sob estudo, como é evidente – sem Paulinho e Taremi em campo, o que no entanto também pode ser explicado pela quase total omnipresença dos dois. O Sporting só fez 6,6 por cento do tempo de jogo sem Paulinho, o que não permite avaliar muito as diferenças entre o que a equipa rende sem ele e o que rende com ele. E o FC Porto esta ainda mais fixado no iraniano: só 2,7 por cento do tempo de jogo dos dragões foi passado sem Taremi no relvado.
Esgotadas as variáveis ofensivas, interessante será por fim avaliar o que estes jogadores trazem às respetivas equipas do ponto de vista defensivo. Já se sabe que, cada vez mais, aos pontas-de-lança se pede que sejam a primeira barreira de pressão à construção do opositor. E, nesse aspeto, quem menos dá à equipa são os avançados do SC Braga, que são quem faz menos faltas de todos e não concretizaram ainda nenhum dos desarmes tentados na Liga portuguesa e nas competições europeias. Talvez por serem, também, quem menos tenta – aí, só Yaremchuk é tão pouco ativo, naquela que é a grande diferença entre ele e Paulinho (ou entre os modelos de Sporting e Benfica). É que no plano oposto destacam-se os atacantes de Sporting e FC Porto, muito mais ativos na pressão... ainda que Darwin também não fique mal visto neste parâmetro. Taremi e Paulinho, com 16 e 15 desarmes tentados, respetivamente, são também armas defensivas, o que se percebe também por serem os mais faltosos do lote.
Em conclusão, se estava à espera de encontrar aqui armas que suportem uma fixação por um jogador ou a embirração com outro, as coisas não ficam fáceis. Os sete jogadores avaliados têm coisas melhores e outras piores. Paulinho falha na finalização, mas é muito ativo a tabelar com os colegas e forte a defender. Taremi será o mais completo de todos, ainda que precise de melhorar a técnica defensiva – disponibilidade não lhe falta. Darwin e Yaremchuk têm uma boa relação com os momentos de finalização, mas se depois o uruguaio falha quando lhe toca combinar com os colegas, o ucraniano tem sido pouco disponível a defender. Problema que partilha, aliás, com os dois espanhóis do SC Braga, que juntam a essa questão a de andarem longe do golo. E todos têm servido aos seus treinadores, que neles procuram aquilo que já sabem que eles podem dar ao modelo coletivo no qual apostam. Mesmo que os adeptos não gostem.
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