O que valem os parceiros
Com o negócio feito com o Millennium, Varandas já afastara o espectro da perda da maioria das ações da SAD do Sporting. O acordo com o Novo Banco abre portas à entrada de um parceiro. E isso é bom?
O acordo com o Novo Banco para a compra dos VMOC (Valores Mobiliários Obrigatoriamente Convertíveis) que ainda sobravam das necessidades de financiamento do início da década passada pode, com um simples aumento de capital, deixar o Sporting com 87,9 por cento da sua SAD, bem mais do que os 74,5% do FC Porto, os 63,6% do Benfica ou os 36,9% do SC Braga, o único dos quatro que não tem a maioria do capital. E isto, além de justificar a atualização anual que faço sempre da série Donos da Bola – arrancará em Janeiro, aqui – vem, de acordo com o comunicado do presidente leonino, criar “as condições para a entrada de uma parceria estratégica minoritária no capital da SAD”. Na verdade, com os 83,9% do capital que já tinha, o Sporting podia perfeitamente acolher um parceiro, que mesmo somado com os 12,2% a que estava reduzida a Holdimo do angolano Álvaro Sobrinho nunca teria maioria e condições para tirar o controlo da gestão ao clube. Cada negócio, no entanto, terá as suas vicissitudes, como se vê por exemplo no SC Braga, onde pouco mais de um terço das ações garante a Salvador o domínio da SAD, face aos 21,6% do QSI (o grupo que é dono do Paris Saint-Germain) e os 17% do Sundown, um fundo britânico. Além de que a criatividade da alta finança não cansa de nos surpreender, como se viu agora com a entrada da Ineos no capital do Manchester United. A empresa de Sir James Ratcliffe já é dona do OGC Nice e, por isso, as regras da UEFA impediam-na de ter sequer 30 por cento de um novo clube com presença nas competições europeias, pelo que a família Glazer manteve a maior porção do capital – serão agora 49%, desde que a Premier League aprove o negócio – mas os 29% que Ratcliffe comprou por quase 1.200 milhões de euros trazem com eles o controlo da gestão. Tendo em conta que em Inglaterra muito se fala sobre o interesse de Todd Boehly, um dos donos do Chelsea, na entrada no capital leonino, a questão que se coloca é, antes de mais, “como?”. A presença no clube inglês limitará sempre o investimento a uma parcela inferior a 30 por cento, para impedir a colisão com as regras da UEFA, o que no enquadramento de um novo aumento de capital ao qual o Sporting não fosse faria o investimento total crescer para valores na casa dos 90 milhões de euros – ou de pouco mais de 53 milhões se se tratasse de uma venda direta de ações. Na melhor das hipóteses, é uma Champions somada a um Mundial de clubes, mas não só será feito às custas do adiantamento de 50 milhões de euros da NOS na compra dos VMOC como não é um negócio repetível, pelo que não é seguramente só pelo dinheiro que a coisa pode fazer-se. E aí é que está o risco. Não é sequer preciso olhar para o desastre que tem sido a gestão do Chelsea dos americanos para entender que nessa matéria eles não têm nada para ensinar aos líderes das SADs portuguesas. Depois, há a questão de os mercados – os do futebol, não os financeiros – saberem quem está atrás de cada negociação com um clube. Seria possível ao Sporting pagar “apenas” 20 milhões de euros ao Coventry City por Gyökeres se o clube vendedor achasse que havia a mais ínfima hipótese de o sueco ir parar ao Chelsea a seguir? Claro que não. É certo que a parceria com o SC Braga não inibe o Paris Saint-Germain de negociar Vitinha e Danilo com o FC Porto, Ugarte e Nuno Mendes com o Sporting e Gonçalo Ramos com o Benfica nem impediu os braguistas de colocarem o seu próprio Vitinha no Olympique Marselha, mas a tentação do mercado será sempre a de olhar para o clube no qual uma potência investe como extensão das suas próprias operações. E era por isso que, quando começou a falar-se em Inglaterra no interesse de Todd Boehly no Sporting, os jornais se encheram de considerações acerca do historial do clube português – era demasiado vasto para ser uma espécie de clube satélite, onde se parqueiam aqueles jogadores que podem ter futuro mas que ainda não são certezas. Sendo que até isso pode retirar ao clube que acolher um desses parceiros um dos seus meios de financiamento regular, que são as mais-valias com transferências. Pode parecer tentador ter um Chelsea ou o PSG a comprar os jovens craques desse mundo para os deixar por cá durante um ano, mas quando isso se tornar regra deixam de ser os nossos clubes a lucrar com as diferenças entre compra e venda que os nossos olheiros e a ação dos agentes têm sido capazes de potenciar. É muito por isso – e ainda por abrir portas a uma nebulosidade negocial que não é boa para o futebol – que sou contra a multipropriedade nos clubes de futebol, entendendo por multipropriedade um mesmo investidor ter interessses relevantes em diversos clubes. O que não quer dizer que seja contra as parcerias. Só que, quando em busca de parceiros, os clubes portugueses devem olhar menos para os milhões e mais para aquilo que fazem mal e que os parceiros podem ajudá-los a fazer melhor. Falem-me de marketing, de merchandising, de expansão de marca, de experiência do adepto, de exploração do estádio. Mas não me falem de mercado ou de gestão de futebol.
As férias de Di María. É difícil adivinhar as razões que levaram Roger Schmidt a permitir que Di María prolongasse o período de férias de Natal e Ano Novo por dias em que a equipa vai defrontar o FC Famalicão. Se foi um problema pessoal, percebe-se e respeita-se. Se foi um privilégio em função do seu peso na equipa, não se entende. Porque uma coisa é, em campo, achar que, se tiver de defender como os outros, um jogador perde a possibilidade de dar o que dá a atacar – e por isso isentá-lo de algumas tarefas sem bola. Outra, completamente diferente, é dar-lhe mais férias do que aos companheiros. A coisa até pode ter consequências positivas no rendimento dele, mas levará inevitavelmente à criação de um sentimento de injustiça e desigualdade de tratamento nos outros. E há poucas coisas menos adequadas do que vir agora alegar: “então passavam a vida a dizer que o Schmidt nunca tirava o Di María ou que não dava minutos ao Tiago Gouveia e agora, que isso vai acontecer, também está mal?” Estão mal as duas coisas. É mau travar o crescimento da alternativa em jogos nos quais o titular já aparenta estar fatigado, como é mau forçar a titularidade do reserva porque o titular foi de férias. O que está bem é ter os dois a trabalhar e escolher a cada momento qual deles deve jogar. Ou então ganhar, que aos olhos dos adeptos é o que interessa.
A arbitragem de Fontelas. Boa entrevista, a de Fontelas Gomes ao Record de hoje. Equilibrado na apreciação do protocolo do VAR, ambicioso nas intenções de divulgação das decisões dos árbitros em direto, firme na defesa de uma entidade independente para gerir a arbitragem, encalhou apenas na justificação da razão pela qual há uns erros que merecem explicação do Conselho de Arbitragem em comunicado e outros que não recebem nada a não ser o silêncio. Entendo a distinção: num caso foi um dado objetivo, a colocação das linhas de fora-de-jogo num jogador errado, noutros são questões de interpretação, por mais unânime que depois seja esta subjetividade. Sou, sempre fui, favorável ao acesso do público, em direto, aos diálogos entre o árbitro de campo e o VAR, seja na transmissão televisiva ou através de um transístor ou de uma app que os espectadores nos estádios podiam ter nos smartphones. O caminho terá de ser por aí. Enquanto lá não chegamos, até pelos seus efeitos pedagógicos, cabe ao Conselho de Arbitragem tornar pública a avaliação de cada lance que todas as quartas-feiras faz chegar às equipas de arbitragem. Quanto mais não seja para tirar peso às análises de ex-árbitros que o presidente do CA diz que nem sequer lê. Se “a opinião que conta é a de quarta-feira”, por que carga de água é que ela continua escondida, permitindo a criação de narrativas de pontos ganhos e perdidos em função de opiniões que, diz Fontelas, não contam?
Só discordo da parte onde diz que:
“…mas levará inevitavelmente à criação de um sentimento de injustiça e desigualdade de tratamento nos outros.”
Eu não conhecendo o grupo, as razões, o contexto, tenho muita dificuldades em dizer que inevitavelmente isso irá acontecer, mesmo que Di Maria tenha ficado na Argentina para o casamento da irmã.
Tratamento diferente seria outro jogador pedir o mesmo e levar uma resposta negativa.