Quantos pontos vale a Europa
Rúben Amorim não está sozinho quando desvaloriza as competições europeias de segunda face ao campeonato. Bom é estar na Champions. Depois, a pergunta é: quantos pontos de Liga vale a ausência da UEFA?
“O jogo tem os seus tempos”, disse Rúben Amorim após a vitória do Sporting, ontem, em Graz, na estreia na Liga Europa, para justificar a entrada mais pachorrenta da sua equipa, mais tarde emendada com a reação ao golo austríaco e a virada no marcador para uma vitória justa (e há FDV Flash acerca da vitória leonina para ver aqui). A Liga Europa permite estas coisas, que são impossíveis numa mais exigente Liga dos Campeões, onde o primeiro erro pode ser a morte do artista. Igualmente na Áustria, mas mais a Norte, em Linz, Jürgen Klopp mudou os onze jogadores que tinham sido titulares na vitória do Liverpool FC contra o Wolverhampton WFC, no sábado, na Premier League, também se viu em desvantagem, até com mais tempo para recuperar, e foi já com três dos cinco elementos que introduziu na segunda parte em campo que acabou por virar o jogo e garantir a sua 50ª vitória europeia aos comandos do clube. “Que raio de forma de assinalar um marco tão importante”, queixaram-se alguns analistas ingleses, pouco inclinados a aceitar o papel tão secundário que é desempenhado pela segunda prova da UEFA no equilíbrio geral das tarefas a desempenhar por equipas que têm muito mais em que pensar. É possível que a franqueza de Rúben Amorim na véspera do jogo de Graz, a dizer que a prioridade é o campeonato – algo que ele ontem repetiu e assumiu – tenha acabado por se refletir na fraca produção do Sporting enquanto não se viu em desvantagem e em sério risco de falhar a entrada na competição perante uma equipa que lhe é bastante inferior. Pode ter sido uma questão estratégica, sim, a tentativa de retirar ao jogo a dimensão tempestuosa que o Sturm, até pelo próprio nome, gostaria de lhe dar, mas francamente o mais certo é que a monotonia inicial tenha ficado mais a dever-se a um desvalorizar subconsciente da tarefa em mãos por parte dos jogadores do que à estratégia ou às cinco alterações operadas no onze por Amorim. É que, como se viu em muitos casos na jornada de ontem, é extremamente difícil ter a maturidade competitiva suficiente para gerir um jogo em baixa intensidade. A linha que separa a gestão de que falava Amorim quando dizia que “o jogo tem os seus tempos” da perda total de controlo é tão ténue que acaba por conduzir a acidentes como foram as derrotas do sensacional Brighton de Roberto de Zerbi, em casa, com o AEK Atenas, também na Liga Europa, ou do Aston Villa de Unai Emery na Polónia, contra o Legia, na Liga Conferência. E não se pense que esta é uma questão que vai ficar pela fase de grupos: ainda na época passada se viu como o Arsenal abordou os oitavos-de-final contra o Sporting sem uma série de titulares habituais. A prioridade é o campeonato, terá pensado Mikel Arteta, que no fim ficou sem uma coisa e a outra. Antes de ser um tema fulcral na gestão das competições por parte da UEFA, que permitiu a introdução de um abismo de receitas entre a Champions e as outras provas que organiza, este é um tema fulcral na gestão dos plantéis e dos calendários por parte dos treinadores. Por alguma razão, estando este ano qualificada apenas para a Liga Conferência, a Juventus fez força para cumprir já o castigo de um ano de afastamento da UEFA por causa das irregularidades financeiras cometidas pela gestão anterior. Em Turim, olharam para os FC Ballkanis e para os Breidabliks desta vida e as únicas coisas que viram foi atrofia do calendário e possibilidade de desastre. A prioridade é o campeonato, pensaram. E, para já com a equipa de Massimiliano Allegri em segundo lugar, a dois pontos do Inter, alimentam esse sonho de voltar a ostentar o scudetto nas camisolas. “Quantos pontos vale a ausência da Europa numa candidatura ao título?”, perguntou hoje a Gazzetta dello Sport a Fabio Capello. “Se pensarmos na diminuição do stress mental e físico, talvez valha uns cinco pontos”, respondeu o treinador. É na tentativa de ficar pelo menos com parte deste pecúlio que os treinadores continuarão a gerir as competições menores, por mais comichão que isso faça a quem, como eu, se lembra do que representava jogar nem que fosse a Taça UEFA ou a Taça dos Vencedores das Taças nos anos 70, 80 ou 90. Antes da Liga dos Campeões, portanto.
Teste às alternativas. O jogo em Graz serviu, ao mesmo tempo, para um teste às alternativas ao que começa a ser um onze – ou doze ou treze – mais ou menos consolidado no Sporting. Já deu para entender que Geny Catamo pode ser útil em algumas situações mas ainda não faz à direita o que Nuno Santos acrescenta à esquerda – e mais uma vez se percebeu que Amorim encara os alas em duas classes, os ofensivos, que até a defender começam o processo bem na frente, forçando a abertura de um central na lateral, que são Santos e Catamo, e os defensivos, que fazem muitas vezes linha de quatro atrás com os centrais, que são Esgaio e Matheus Reis. Em condições normais joga sempre um de cada categoria, sendo que ainda falta perceber em qual se encaixa Fresneda. Trincão não aproveitou para somar pontos na luta por uma vaga de segundo avançado móvel, mas a maior curiosidade estava na dupla de meio-campo. E, aí, foi boa a resposta de Bragança, durante boa parte do jogo um farol de intensidade num setor em que até Hjulmand parecia em greve de zelo. Como ainda é cedo para Essugo, o Sporting só tem três médios para duas posições – eventualmente quatro, com o recuo de Pedro Gonçalves – mas ontem se viu que estão todos aptos para a rotação.
Como se gere um guarda-redes. Há quem aponte o dedo a Roger Schmidt por não repetir com Trubin a gestão que fez do processo Vlachodimos. Tal como o grego no Bessa, o ucraniano falhou na Luz contra o RB Salzburgo e quem vê o futebol como forma de contrariar os que têm o poder de decidir logo veio dizer: “Ah, agora com este já não o criticou”. Acho que a gestão de Vlachodimos foi mal feita e disse-o logo na altura, pelo que não vejo nenhuma boa razão – nem a coerência, valor claramente sobrevalorizado na mente dos obstinados – para Schmidt repetir o erro. Trubin é a aposta do alemão e vai continuar a jogar, da mesma forma que Onana não deixa de ser a escolha de Ten Hag no Manchester Utd. por causa do erro que gerou o primeiro golo do Bayern Munique, na quarta-feira. A gestão de um guarda-redes é quase um caso à parte no futebol. É a única posição em que se diz que os treinadores devem ser claros quanto à hierarquia, o único membro da equipa que os teóricos defendem que deve sentir segurança total acerca da titularidade em vez da inquietação provocada pela incerteza. E é isso que Mikel Arteta está a pôr em causa no Arsenal, quando promove a dúvida total entre Ramsdale e Raya, ao rodá-los e dizer que não tem um titular e um suplente mas sim dois números um. Pode até vir a revelar-se um erro, mas é a forma de nos fazer a todos pensar um pouco.