Primeiro teste a Portugal
Os 4-2 à Finlândia tiveram coisas boas e coisas más, mas valeram pela definição de uma rota tática que será a que a seleção nacional vai apresentar na fase final do Europeu. O resto serão nuances.
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Do Portugal-Finlândia de ontem não se esperavam conclusões definitivas nem aproximadas acerca da seleção nacional que Roberto Martínez vai apresentar no próximo Europeu. Afinal, é o primeiro de três jogos de preparação, que o selecionador vai utilizar para aprimorar alguns comportamentos e dinâmicas dentro do modelo e, correndo bem, para aumentar as dúvidas, se as alternativas se comportarem à altura do esperado. Ganhou-se, aplaude-se aquilo que (e os que) esteve bem, desvaloriza-se o que correu pior – como os dois golos sofridos, atribuídos a erros e a desconcentrações que, já se sabe, é melhor cometer agora do que depois – e parte-se para o próximo teste. Ainda assim, vi na noite de Alvalade sinais de que o modelo tático já está a avançar a bom ritmo e do bom momento individual de alguns jogadores, ainda que a partir de patamares diferentes: Bruno Fernandes confirmou que vai assumir a batuta, Vitinha deixou sinais de que, havendo coragem, pode ser o segundo médio a garantir um jogo mais ligado, e Francisco Conceição provou que é o revulsivo de que a equipa precisa em momentos específicos.
Estou a falar-vos de um titular absoluto, de um jogador que gostaria de ver no onze e de outro que o não será, porque a direita será entregue a Bernardo Silva, ontem tranquilamente a ver o desafio do banco. Mas, ainda que sobretudo na segunda parte, quando a equipa assumiu um cunho mais individual e por isso perdeu ligação coletiva, o esquerdino do FC Porto foi o maior desequilibrador da noite, metendo dribles, mudanças de velocidade e até recuperações de bola na frente, porque além de uma boa reação à perda, a baixa estatura e a capacidade para ganhar posição face à bola lhe permitem aparecer onde os adversários menos esperam. Foi assim que ganhou um penalti – muito forçado, daqueles que a defesa do espetáculo mandaria erradicar do futebol, mas que nasceu dessa capacidade de assumir a posição frente à bola – e foi assim que fez duas assistências para os golos de Bruno Fernandes, ele também inteligente a ler o jogo e a perceber onde é que o extremo precisava que ele surgisse para transformar os seus raides em golos. A grande vitória de ontem é a conclusão de que Conceição está pronto para ser a arma secreta da equipa em momentos de aperto, nos quais seja preciso forçar no último terço. Algo que o pai, por exemplo, já foi nos seus tempos de seleção – e de que não gostava particularmente, mas que sempre aceitou.
A outra conclusão é a de que dificilmente haverá condições para termos Conceição e Pedro Neto em simultâneo em campo. Porquê? É que são dois jogadores que tiram ligação ao grupo, através do seu futebol de repelões individuais, forçando o um para um e contribuindo para diminuir as durações das posses. Mas não é isso que faz, também, Rafael Leão? O atacante do Milan fá-lo de forma diferente, explorando mais o campo aberto e os grandes espaços, o que o torna solução para situações de transição. Leão não protagonizou, ontem, uma exibição feliz, mas apenas porque falhou muito na definição final dos lances, porque antes de lá chegar mostrou-se uma arma letal na aceleração face ao espaço vazio – o “um contra zero” é sempre melhor do que o “um contra um”... – e a sua presença na linha lateral permitiu as diagonais de Nuno Mendes, o lateral, rumo ao espaço interior, onde apareceu muitas vezes próximo do ponta-de-lança. Portugal partiu do 4x3x3 para atacar no seu habitual 3x2x5, com o médio-defensivo a meter-se no meio dos centrais para construir, os outros dois médios a converterem-se em primeiras alternativas de passe próximo e, depois, regra geral, Cancelo a abrir na direita, com Conceição mais dentro, e Leão a abrir na esquerda, com Nuno Mendes mais dentro. Por vezes trocavam, mas esta era a base.
Vai ser assim no Europeu, trocando-se Conceição por Bernardo? Creio que sim, com dúvidas no que respeita a dois detalhes, dois pormenores que podem ser pormaiores. Palhinha, ontem o médio mais recuado, é imprescindível na dimensão física do meio-campo. É o rei dos cortes, das interceções, importante quando é preciso encostar o cabedal sem bola, e até se sai bem na distribuição longa, mas será uma fragilidade a construir a três quando Portugal enfrentar um adversário que pressione alto. A solução para o manter no onze – porque ele faz sentido – passará então por, com bola, metê-lo na dupla de médios, baixando o lateral-esquerdo para iniciar a construção a três com os dois centrais – o que até facilita se Martínez optar por Pepe ou António Silva para jogar ao lado de Rúben Dias em vez de escolher o pé esquerdo de Inácio – e subindo um dos médios para o cinco da frente, ali entre Leão e o ponta-de-lança. E isso já não convém tanto a Vitinha ou a Bruno Fernandes. O primeiro porque dá à equipa a hipótese das tais posses mais prolongadas se for colocado na cabine de comando que é a zona de meio-campo, o segundo porque é o dono da melhor grande angular desta equipa e a solução mais evidente para meter passes de rotura desde trás (sendo que isso não o inibe de surgir à mesma em zonas de finalização). Não há uma solução evidente, porque a seleção precisa de todas essas caraterísticas: do futebol mais físico de Palhinha para aqueles momentos sem bola, do jogo mais rendilhado de Vitinha para chegar mais consolidadamente à frente e do jogo mais direto de Bruno Fernandes para surpreender com mais frequência em ataques rápidos, que cada vez mais fazem parte do jogo. Ontem, Martínez jogou os segundos 45 minutos com João Neves em vez de Palhinha atrás e se é verdade que o médio do Benfica ganha em agilidade na construção e que contra equipas menos ofensivas – como a Finlândia – pode até achar-se que Palhinha faz menos falta nas fases sem bola, não o deixa de ser que é precisamente contra essas equipas, que não pressionam, que se nota menos o ponto fraco do jogo do possante médio do Fulham.
A dois jogos da fase final, há coisas que me parecem determinadas. Que Diogo Costa – ontem de fora – será o guarda-redes titular. Que os laterais serão Cancelo, mais clássico, num lado, e Nuno Mendes, mais versátil, seja a construir atrás ou a aparecer à frente, pelo outro – ainda que na segunda parte de ontem Martínez tenha experimentado o lateral do FC Barcelona neste segundo papel, introduzindo Diogo Dalot em campo. Que Bruno Fernandes, a meio-campo, e Bernardo Silva, a partir da direita, começarão a prova, contra a Chéquia, mas que numa lógica de gestão e em caso de apuramento assegurado, a equipa poderá funcionar sem eles no terceiro jogo da fase de grupos, contra a Geórgia, mantendo as aspirações intactas. E o resto são as dúvidas. Não estará seguro na cabeça de Martínez quem começará ao lado de Rúben Dias, ao meio da defesa, na cada vez mais certa eventualidade de Pepe não estar em condições: é que nem António Silva nem Gonçalo Inácio ou até Danilo, ali testado, assinaram noites isentas de erros. Que João Palhinha e Vitinha deverão jogar como primeiro e segundo médios, com as questões que isso levanta – e às quais já aludi atrás. Que Leão parte à frente de João Félix pela vaga na esquerda, mas que será muito por aí que Martínez mais admitirá mexer nas dinâmicas da equipa, dando-lhe mais potencial de esticão (com Leão), de chegada à área (com Jota, que ontem jogou a nove, mas mais depressa entrará ali) ou de ligação (com Félix). E que só mesmo o campo nos dirá quem vai ser o ponta-de-lança. A Arábia Saudita não é a medida certa para decretar a titularidade de Cristiano Ronaldo, mas o seu exílio fora da Europa também não chega para garantir que seja Gonçalo Ramos o eleito. Contra a Croácia, no sábado, teremos mais pistas.