Porque quero Mourinho na seleção
A escolha do próximo selecionador nacional não deve depender de coisas tão conjunturais como acharmos que ele é defensivo ou ofensivo. Tem de ser alguém com uma ideia e com a capacidade de a impor.
A queda da seleção nacional nos quartos-de-final do Mundial de 2022, ainda assim o terceiro melhor Mundial da história de Portugal, apenas atrás das meias-finais de 1966 e 2006, levou à saída de Fernando Santos do comando da equipa. Parece-me a melhor sequência a dar ao trabalho do treinador campeão da Europa de 2016. O ciclo de Santos até já se esgotara no Europeu de 2020 e se não fui favorável à sua saída depois dessa competição foi apenas porque ela tinha sido atrasada para 2021, devido à pandemia, apanhando, assim, a equipa a meio do apuramento para este Mundial – e numa altura em que liderava o grupo. Sem Santos, que mesmo quando ganhava era quase sempre apresentado nos principais fóruns como o maior problema da seleção – quando ganhávamos, devíamos ganhar com mais estilo... – restam vários problemas por resolver. E o mais óbvio, mas nem por isso mais importante, é: e agora quem vamos culpar da próxima vez que não ganharmos?
Enquanto a generalidade dos observadores vos diz que é preciso encontrar um treinador que seja capaz de compatibilizar o muito talento criativo de que Portugal dispõe neste momento, confesso que tenho mais dúvidas de que essa deva ser a principal prioridade. Há outros ainda, os que não se centram nessa necessidade urgente, querem voltar atrás e preferem contratar um treinador que seja capaz de devolver a Cristiano Ronaldo a aura que ele já teve na seleção e que perdeu nestes últimos tempos, fruto de uma catadupa de más decisões e da evidente decadência com que a idade nos presenteia a todos – mais ainda àqueles que fazem depender a sua performance de uma capacidade física ímpar. Também não acho que deva ser essa a prioridade. Aquilo que é preciso é encontrar um treinador com uma ideia, um treinador que consiga imaginar uma forma de fazer da seleção de Portugal um todo complementar em que não se desperdice talento – e neste Mundial houve talento desperdiçado, por exemplo o de Rafael Leão, o melhor jogador da Série A italiana, ainda assim autor de dois golos, mas sempre segunda ou terceira escolha quando era altura de fazer o onze luso, porque não encaixava tão bem como outros no esquema geral das coisas, no que a imprevisibilidade posicional dizia respeito.
Leão, que já em Maio eu vos dizia que era o grande upgrade que esta seleção podia fazer – mas que ainda não fez... – é, sobretudo, um atacante de faixa, perdido numa equipa em que ninguém é assim tão específico, em que todos gostam de andar por ali a espalhar talento e magia sem ter ponto de partida ou de chegada. Esta especialização levou a que vos dissessem repetidamente que ele não é assim tão forte, que não tem assim tanto talento. A questão é que talento não é só charme. O futebol não é só tocar curto. O futebol também é físico e não podemos passar de repente de um limite do espectro para o outro, da fixação pelo ataque rápido e pelo contra-ataque a que nos levava a tentação de construir uma equipa em torno das caraterísticas de Ronaldo à obsessão pelo jogo apoiado e pela nossa própria versão do “tiki-taka”, que depois desperdiça quem seja capaz de meter mais velocidade e vertigem no jogo. O valiosíssimo contributo da escola cruijfista para a mudança do futebol desde a década de 70 – “o futebol joga-se com o cérebro”... – não pode levar-nos a desprezar outras capacidades mais físicas e menos intelectuais. Continua a dar jeito ter quem corra rápido, quem vá direito à baliza, quem chute bem... Porque nem a capacidade para fazer mil passes num jogo chega para o ganhar se o adversário fechar bem os espaços. O Mundial trouxe-nos uma polémica tão interessante quanto estéril, lançada por Walid Regragui a Luís Enrique – e à qual este, bem, nem respondeu. Afinal, o que é melhor? Multiplicar passes até à insanidade como fazia a Espanha ou defender-se atrás e chegar rápido ao objetivo? Nem uma coisa nem outra. Concordaremos todos que a versão de Luís Enrique é mais valente e corajosa. Mas melhor? Não sou capaz de garantir sequer que seja mais atrativa, porque isso já depende do gosto de cada um. Quanto a ser melhor, então, depende de tantos fatores que nem sequer há conversa.
Este Mundial pode acabar com o mito de que era Ronaldo quem causava problemas táticos à seleção portuguesa ou de que esta fosse uma geração sacrificada à vontade do capitão e oprimida pela presença dele. O que não quer dizer que os últimos anos não tenham sido marcados por uma questão ainda por resolver em torno da sua inclusão na equipa, uma questão que ele resolvia no plano individual enquanto foi conseguindo fazê-lo e que se tornou gritante quando ele se foi tornando menos decisivo. O futuro próximo e a retirada do CR7, quando acontecer, provar-nos-ão que a equação tática a decifrar por esta equipa não se esgotava nesse tema. O que é preciso é encontrar uma forma de fazer desta equipa um todo complementar, mesmo que isso exija a tomada de decisões que não são, nunca serão, fáceis, porque podem passar pelo sacrifício de talentos redundantes. É por isso que o treinador da seleção tem de ser alguém com peso para impor essas decisões – e não há melhor forma de impor uma decisão do que suportá-la numa ideia. A esta hora já leu várias vezes que José Mourinho não serve à seleção porque é um treinador defensivo. E, lá está, essa para mim é uma questão estéril. Da mesma forma que não acredito que seja, como também já li, um treinador ultrapassado. Mourinho foi defensivo no Inter, porque essa era a forma de ser – como foi – campeão da Europa. Mas foi ofensivo no FC Porto ou no Real Madrid. Aí, poderia ter um problema adicional. Atacava, mas não o fazia como gostam os puristas. É por isso que, com ele na seleção, se resolveria a outra equação, aquela de que vos falei no início. De quem será a culpa quando não ganharmos? De Mourinho, pois então. É também por isso, por ele ter as costas largas, que acho que Mourinho é a melhor escolha possível para a seleção.
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