Plataforma para o sucesso
As diferenças entre o Benfica da primeira parte, sem ponta-de-lança e com Rafa na frente, e a equipa do segundo tempo, com Musa, são de compêndio. Mas é preciso ter cuidado com as generalizações.
Roger Schmidt inventou e saiu-se mal. Depois voltou ao bife com batatas fritas e ovo estrelado e venceu. De uma forma simplista, é assim que se explica o que aconteceu ontem em Aveiro, na Supertaça, que o Benfica ganhou ao FC Porto por 2-0, com uma segunda parte dominadora depois de um arranque a ver jogar. Há, naturalmente, muitas outras variáveis a ter em conta, todas elas interligadas. A que se deveu a progressiva incapacidade do FC Porto para manter a eficácia da primeira linha de pressão ao longo do desafio? Foi uma questão física, depois de um início abafador? Foi a capacidade de adaptação do Benfica, consumada na descoberta de vias de saída atrás dessa primeira linha? Ou foi uma questão tática, criada pelas alterações feitas pelo alemão ao intervalo, quando resolveu voltar ao plano habitual? Acredito que todos estes aspetos tenham tido influência no virar do jogo, os dois primeiros contribuindo para o maior equilíbrio que se verificou dos 20 minutos até ao intervalo e o terceiro justificando a flagrante superioridade do Benfica numa segunda parte em que o FC Porto quase não jogou. Já comentei o jogo na edição de ontem à noite do Futebol de Verdade Flash – que pode ver aqui ou, em alternativa, esperar pela reposição, na emissão regular do programa, às 12h30 de hoje – mas vale a pena refletir sobre o contributo dado pela introdução de Musa, a plataforma de que o Benfica necessitava para reencontrar o seu futebol. Durante toda a época passada fui dizendo que o Benfica era mais forte em reação à perda do que em pressão defensiva mais organizada e o jogo de ontem mostrou que isso continua a ser verdade. No início da partida, o FC Porto navegou sem dificuldade para lá da primeira linha de pressão do Benfica, encontrou sempre vias de saída para iniciar o seu jogo, enquanto que do outro lado os encarnados não só não ligavam com a sua segunda linha como depois, forçados a bater longo, entregavam a bola ao adversário. Com a entrada do ponta-de-lança croata, o jogo virou por duas razões – e a fundamental não foi ele estar lá para servir de alvo para as bolas longas. O que mais influiu na alteração foi que a existência dessa possibilidade mudou a forma de o FC Porto encarar a saída de bola do Benfica e transportou o fulcro do jogo uns bons 20 metros em direção à baliza portista. E isto não só facilitou o início de organização ofensiva da equipa de Schmidt como a deixou na sua zona de conforto em termos defensivos: a jogar bem mais à frente e com mais iniciativa, o Benfica não só tinha mais gente bem posicionada para impedir a saída do FC Porto como podia fazer mais uso da sua maior arma, que são as contra-transições. Isto é básico, mas não tem de ser válido em termos abstratos. O Manchester City anterior à chegada de Haaland, por exemplo, foi sempre capaz de se implantar no meio-campo dos adversários sem utilizar um nove – porque tinha muita qualidade na saída atrás e jogadores capazes de ligar o jogo na frente. O Benfica da primeira parte de ontem foi um ato falhado, porque jogar com Rafa ali implica duas coisas: uma equipa de contra-ataque, a depender das suas acelerações com bola no pé – que até para a ir buscar no espaço ele precisou da referência frontal que lhe foi dada por Musa – e uma equipa posicionada atrás, que dessa forma perde a sua principal qualidade, que é a resposta à perda em zonas altas. Foi quando Schmidt percebeu isso e corrigiu que o Benfica deu o passo decisivo para levar a Supertaça.
Neves, Di María, Kokçu. A importância da entrada de Musa foi sobretudo tática, mas no plano técnico há três jogadores do Benfica a destacar no jogo de ontem. Primeiro, a dupla de meio-campo. Engolidos nos primeiros 20 minutos, João Neves e Kokçu destacaram-se em ações bem diferentes. O português foi o primeiro a encontrar o posicionamento correto em saída de bola, dando alternativas de passe aos homens de trás, e pode vir a tornar-se fundamental pela capacidade que tem de potenciar o jogo associativo. O turco começou por parecer uma espécie de empecilho, mas depois trouxe ao jogo aquilo que ele está lá para dar: boa leitura e transição ofensiva. Os dois remates do Benfica na primeira parte nasceram de recuperações em antecipação que ele fez no início da organização ofensiva adversária. O golo de Di María também. E depois há Di María: enquanto foi o FC Porto a mandar no jogo, o argentino foi uma evidente fragilidade, porque deixava muitas vezes Bah em um para dois, fruto da sua falta de agonismo defensivo. Mas quando o Benfica passou a ter mais bola, evidenciou-se a qualidade que ele tem na definição. Não foi só o golo, num remate muito bem colocado. Não foram só os dribles, que por vezes o levavam de um lado ao outro do campo. Não foi só a capacidade de decisão, lapidada por muitos anos de experiência. Foi tudo somado. Di María pode ser um ativo preponderante para o Benfica, mas precisa que o Benfica lhe crie as condições para tal.
Galeno, Taremi, Otávio. Galeno esteve a pouca distância de ser o homem do jogo. Durante 20 minutos, parecia que só estava ele em campo, por todas as razões e mais uma. Porque à sua frente, na esquerda portista, se abria sempre uma autoestrada que ele foi aproveitando para desequilibrar. E porque não a usou para decidir, levando sempre até ao fim as iniciativas que por vezes poderiam ter sido mais bem concluídas se ele visse os colegas. A história desta derrota do FC Porto começa em grande parte na incapacidade para transformar em golo pelo menos um dos lances que o destro colocado à esquerda teve para finalizar – enquanto que o canhoto colocado à direita pelo Benfica fez golo à segunda tentativa, um minuto depois de ter feito a primeira. Mas há mais na noite portista. Há um Taremi estranhamente ausente: sem bola, sem chama, sem criatividade. E há um Otávio que grita por companhia. Ontem, parecia assoberbado, dava a ideia de que tinha de ser tudo – ala, organizador, criativo, definidor... – e acabou por não ser nada.
Outra vez Conceição. Vai ser o assunto dos debates, sobretudo para quem não sabe nem quer ver futebol. O árbitro, o critério disciplinar apertado, que depois, como é evidente, acaba por alargar para evitar expulsões, e o vermelho a Sérgio Conceição, já nas compensações. A recusa do treinador do FC Porto deixar o banco até que o árbitro lhe explicasse a razão da exclusão é inaceitável, mas é apenas o último ato de uma tragédia em que o futebol português se deixou enredar nestes últimos anos. Sim, Schmidt até já fez a mesma coisa, na Alemanha, há sete anos (pode ver o incidente com Félix Zwayer aqui), mas por mais que esse vá agora ser o tom dos que pretendam desculpabilizar o comportamento do treinador do FC Porto, há que ter a coragem de pôr já um ponto final nesta novela que são os recursos ao TAD e as providências cautelares que se lhes seguem, a que se deu início com a abertura da caixa de Pandora que foi o caso-Palhinha. Não é uma questão fácil de resolver, porque os recursos são um direito básico dos cidadãos e as providências cautelares servem precisamente para evitar prejuízos enquanto aqueles estão em fase de apreciação, mas aquilo que temos visto no futebol são os clubes a gozar com a justiça. E isto, este sentimento de impunidade, este “quero lá saber, depois sou despenalizado”, leva a uma ainda maior degradação dos comportamentos.
Acho q a saída do João Mário tb foi muito importante, o futebol dele não é para este tipo de jogos
Acho engraçado, ou de engraçado não há nada, quando se diz " não pode ser" ou "inaceitável" contudo vem sempre a palavra mágica a seguir " inaceitável" MAS.
Quem gosta de falar de futebol não gosta de ver UMA VEZ MAIS o que foi MAIS UMA VEZ promovido pelos mesmos, e não tentem colocar o árbitro na equação, a colocar seria por défice.
E como tenho dito há muito muito tempo isto infelizmente vai continuar e vai ser pior e pior até alguém verificar que o crime NÃO compensa.