Pep, Pepe e as florzinhas
Pep, o Guardiola, queixou-se de que o City está a transformar-se numa equipa de “florzinhas felizes”. Pepe, o Ferreira, diz que fica “desconfiado” quando ganha. “Bipolaridades”, diria Amorim.
O antigo internacional espanhol Andoni Zubizarreta contou no El País a história de um amigo que creio imaginário, a que chamou Patxi, para quem o melhor de um jogo de futebol era a sandes que comia ao intervalo. Que, mesmo quando a equipa está a perder, essa sandes é capaz de “desencadear energias positivas” e que “a concentração de todas essas energias no estádio gera um estado de felicidade coletiva que contagia a equipa”. Menos crente no poder curativo do pão com queijo e presunto, Pep Guardiola há-de ter arrasado os jogadores do Manchester City no intervalo do jogo de ontem com o Tottenham, numa altura em que a equipa perdia por 2-0 e os adeptos abriam os seus embrulhos com tarte ou “fish and chips”. Guardiola voltou com o mesmo onze para a segunda parte, a equipa deu a volta, ganhou por 4-2, e no final o treinador disse o que lhe ia na alma – e que há-de ter sido apenas uma parte daquilo que disse aos jogadores. “Estamos uma equipa de florzinhas felizes”, lamentou-se. “A jogar assim, o Arsenal destrói-nos”, explicou ainda. Guardiola e Pepe podem até estar em polos opostos na visão que têm do futebol, o treinador espanhol feito musa dos poetas líricos e o central luso-brasileiro estátua inspiradora dos guerreiros, mas o que pensam não é assim tão diferente. “Quando a equipa ganha, eu desconfio, porque vai exigir mais de mim no dia seguinte. Não posso relaxar”, explicou o defesa do FC Porto em palestra dada aos capitães da formação. Todos, até o pensamento místico de Patxi, nos remetem para uma verdade que é a mais absoluta do futebol: nem sempre ganham os mais fortes. E não, não é porque isto está tudo comprado. É porque há muito trabalho a fazer. E não é só esforço, capacidade para dar tudo, para sofrer em campo e ter, como passou a ser habitual dizer nos anos 90, “atitude”. Não é só trabalho de repetição nos treinos. Há trabalho que dá muito trabalho e que passa por fazer cara feia, primeiro que tudo a nós próprios, quando nos olhamos ao espelho a fazer a barba.
A bipolaridade, segundo Amorim. É muito por isso que a palavra da moda no Sporting é hoje “bipolaridade”. Ainda ontem um de vós me perguntava por Mail como explicava eu que o Sporting perdesse com o Marítimo, que não ganhava a ninguém e logo a seguir apanhou três do FC Vizela, mas depois conseguisse um bom jogo contra o Benfica. Não há outra explicação a não ser a mais simples de todas: as equipas são feitas de homens e, por mais que a função do treinador seja transformá-los em autómatos, que perante uma determinada situação dão sempre a mesma resposta, os homens são diferentes uns dos outros. E às vezes até mesmo de si próprios, de um dia para o outro. As vitórias que deixam Pepe desconfiado, fazem de muitos as tais “florzinhas felizes” que Guardiola identificou na equipa que tem dominado a Premier League nos últimos anos mas segue esta época bastante atrás do Arsenal. A este fenómeno, Rúben Amorim chamou “bipolaridade”. E, sim, é função do líder chamar os seus homens à realidade, à exigência permanente, evitar que eles olhem para uma sequência de vitórias e achem que está tudo garantido dali para a frente. Mas há jogadores que, por mais que lho digam, não têm isso dentro deles. Nunca serão mais do que projetos, promessas de craque. Sucede que os últimos a poderem acusá-los disso são precisamente os adeptos, que em si são ainda mais bipolares e passam de uma semana para a outra da glorificação à crítica arrasadora. É por isso também que outro tema das conferências de imprensa de Amorim tenha sempre sido a sua saída do clube. Há uns meses era porque não se sabia se ia para o Paris Saint-Germain ou para o Manchester United, agora é porque se entende que pode ser despedido ou demitir-se. E isto é muito mais do que bipolar. É uma loucura. E não é por uma questão de “gratidão”. É mesmo por preferir esquecer tudo aquilo que se passou no Sporting nos 20 anos antes de ele lá chegar.
O efeito Guedes. Gonçalo Guedes foi uma das primeiras “pérolas do Seixal”, vendido pelo Benfica nos tempos da “parceria” com Jorge Mendes por 30 milhões de euros após 68 jogos e 11 golos na equipa principal. Podem querer desvalorizar-lhe a carreira, agora que ele tem 26 anos, não só por causa dessa venda inflacionada, como também por ele ter fracassado em Paris e por só ter encontrado refúgio nos clubes do circuito da Gestifute, primeiro o Valência CF e depois o Wolverhampton WFC, de onde agora Lopetegui lhe deu guia de marcha, mas o que ele fez na última Liga Espanhola leva-me a crer que pode bem ser uma adição importante ao esforço que vai ser a segunda metade da época do Benfica. Gonçalo Guedes pode jogar em qualquer das quatro posições da frente no esquema habitual de Roger Schmidt mas é um jogador diferente de Neres, mais criativo e desequilibrador, e de João Mário, mais influente na gestão da bola. Aproxima-se de Rafa, porque é forte no ataque ao espaço, compensando o facto de não ter a mesma mudança de velocidade ou aquele centro de gravidade baixo que torna tão difícil prever-lhe as trajetórias na corrida com bola com mais poder de choque na área, o que de certa forma faz dele mais um ponta-de-lança a partir da posição de segundo avançado do que o contrário. Para quem não se lembra, o Benfica tem feito vários jogos com Aursnes ali. E o norueguês, como todos os polivalentes, é daqueles que faz tudo bem, mas não faz nada extraordinariamente bem. Na frente, vai desenrascando, mas é sempre demasiado certinho no seu futebol de régua e esquadro para ser surpreendente. A chegada à Luz, por empréstimo, de Gonçalo Guedes é uma boa notícia para Schmidt.