Para que serve este jogo
Portugal defronta hoje a Suécia, no primeiro dos dois particulares que nos separam da divulgação da lista de convocados para o Europeu. Qual é a ideia? Testar? Aprimorar? Experimentar? Aliviar?
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Afinal de contas, para que servem estes jogos que as seleções fazem em Março? São só para chatear os clubes, para obrigar o Morita a ir ao Japão e à Coreia do Norte e o Otamendi e o Di María a darem um salto a Los Angeles? O Cristiano Ronaldo, até ver, nem veio. O Otávio e o Rúben Neves também não: se calhar chegam os três juntos da Arábia Saudita no sábado, para se poupar na pegada de carbono. Danilo e Vitinha foram dispensados do jogo com a Suécia, tal como Félix, Cancelo e Dalot. Estarão todos na viagem à Eslovénia, mas oito dos que jogam hoje (19h45, RTP1) serão por sua vez dispensados dessa partida. Os particulares de seleções, nomeadamente em fases assim tão complicadas da época, em que os jogadores já começam a sentir nos músculos e na mente o peso de uma época evidentemente sobrecarregada e em que estão centrados, sobretudo, na conquista dos títulos que ainda podem conquistar pelos clubes, servem sobretudo para manter viva uma ideia de equipa nacional, mesmo que seja lá numa gaveta recôndita do cérebro, mas também para alargar um pouco o pipo da pressão competitiva – são duas semanas em que não se perdem pontos... – e para se avaliarem novas soluções, que o aperto da competição nunca deixou que fossem vistas.
É então possível que os jogos contra a Suécia e a Eslovénia sirvam para dar muito tempo de jogo a Francisco Conceição, Danny Mota e Jota Silva – isto já para não falar em Nuno Mendes, que faz parte do núcleo duro desta equipa mas que esteve fora na fase competitiva devido a lesões? Também não creio. A avaliação que Roberto Martínez vai fazer passa pelo campo, por aquilo que os aspirantes a internacionais possam eventualmente vir a fazer aí, mas sobretudo pelo que se passar à margem do que todos vamos ver: como reagem à convivência na equipa, como treinam, como interagem com aqueles que de certeza vão estar na fase final. O próprio selecionador elogiou recentemente a forma como João Neves, por exemplo, se integrou na equipa principal, como se fez imediatamente respeitar pelos mais cotados. Em contrapartida, mesmo não o tendo dito, até por defesa do jogador, percebe-se que a coisa não correu assim tão bem a Diogo Leite, outro aspirante que agora voltou à lista depois de já lá ter estado numa convocatória anterior, em que não chegou sequer a “calçar”. Conceição, Danny Mota e Jota vão naturalmente ter tempo de jogo, porque o contexto é agora menos exigente do ponto de vista competitivo, mas a eventualidade de regressarem depende mais de fatores que nenhum de nós poderá apreciar do que do que venham a fazer em campo.
Até porque outra coisa está desde já estabelecida. Estes jogos não vão servir para aprimorar o onze-base com que a equipa vai atacar o Europeu – e isto se partirmos do princípio de que a equipa terá um onze-base. O conceito por trás desta convocatória, que levou Martínez a dispensar agora oito jogadores que têm sido mais ou menos fixos nas suas listas e, na semana que vem, o levará a deixar em terra outros tantos antes da partida para a Eslovénia, vem desfazer ideias a esse respeito. O selecionador quer agora experimentar e em Junho, sim, nos particulares contra a Finlândia (dia 4), a Croácia (dia 8) e a República da Irlanda (dia 11) poderá testar. Os dois verbos são sinónimos, mas não são exatamente a mesma coisa. Agora, Roberto Martínez quer experimentar coisas e caras novas. Em Junho, nos jogos que já abordará com os jogadores que levará à fase final, quererá testar procedimentos, nomeadamente no que a variações táticas e estratégicas diz respeito.
Aparentemente, porque a Suécia joga com dois pontas-de-lança, Portugal poderá hoje voltar ao sistema com três defesas-centrais – e isso ajuda a explicar o facto de na lista não estarem os dois laterais que Martínez tem feito evoluir para a posição de médio-centro em construção, Cancelo e Dalot (expliquei o processo aqui). Parta de que sistema partir, Portugal ataca sempre em 3x2x5. E se isso hoje será facilitado pela presença de um três de trás claramente definido e de dois médios – provavelmente com Bruno Fernandes mais baixo no campo, próximo do seis –, com libertação dos dois alas para a linha da frente, quando a equipa partir do 4x3x3 já exige a tal multi-estrutura que ainda poderá ser muito aperfeiçoada. Por exemplo, uma das formas de tornar a equipa de Portugal estrategicamente mais imprevisível é conseguir que ela balance para um lado ou para o outro através da manipulação das caraterísticas dos laterais e dos alas. Se a ideia é jogar com um lateral aberto e outro a evoluir para o espaço interior, com um extremo a partir da linha para assegurar a largura no lado do lateral que se torna médio e outro a procurar mais as entrelinhas por dentro no flanco do lateral que joga aberto, é possível estimular a dúvida dos adversários a propósito dos corredores em que isso vai suceder. Porque Cancelo e Dalot podem fazer de médio partindo da direita ou da esquerda e à frente deles haverá sempre gente capaz de jogar mais fora ou mais dentro.
O que, de certa forma, vem contrariar a ideia do estabelecimento de um onze-base, um dos grandes mitos que se colocam a propósito das seleções nestas alturas, quando faltam meses para as grandes competições. Outro é o do teste à real capacidade de uma equipa. Devíamos estar a defrontar equipas mais fortes, para se perceber se afinal de contas valemos mesmo os 30 pontos, feitos com pleno de vitórias numa qualificação pouco exigente? Não é seguro que assim seja. A Espanha e a Inglaterra vão defrontar o Brasil, os ingleses juntam-lhe outro teste contra a Bélgica, a França jogará com a Alemanha e os alemães ainda medirão forças contra os Países Baixos. Das seleções que fazem parte do lote alargado de candidatos ao título neste Europeu, só Portugal e a Itália não terão pela frente nestes jogos de Março um adversário de calibre semelhante – os italianos jogarão dois aquecimentos, contra a Venezuela e o Equador. Mas nem a Suécia é assim tão fraca como de repente se pinta – apesar de ter ficado fora deste Europeu, é a 26ª equipa do ranking da FIFA, a 14ª europeia – nem há uma teoria validada a este propósito. É importante testar o valor da equipa contra adversários da mesma igualha? Pode ser. É valioso chegar a uma fase final em cima de uma série impactante de vitórias? Pode ser. Uma derrota nesta fase ajuda a equipa a melhorar o que está a fazer mal? Pode ajudar. Mas ao mesmo tempo destrói a moral? Também pode destruir. E vitórias contra candidatos vêm moralizar ainda mais? Seguramente que sim. Mas isso depois pode contribuir para que a equipa perca um pouco a noção, porque estes jogos são abordados com a leveza de quem na verdade está mais preocupado com o regresso aos clubes? Também.
Portugal vai defrontar a Suécia e a Eslovénia com três ideias. Ver caras novas, manter viva essa ideia de seleção e aliviar um pouco a pressão. O resto acontece em Junho.