Os títulos, esse detalhe
Sporting e SC Braga abrem hoje a Final Four da Taça da Liga pressionados pela mesma coisa: os títulos. Em Braga fazem falta para validar o investimento, em Alvalade para esquecer um ano a zeros.
Palavras: 1486. Tempo de leitura: 8 minutos
A Final Four da Taça da Liga começa hoje (19h45, SIC e Sport TV1) com um jogo entre dois dos que à partida se perfilavam como maiores candidatos a vencer a prova, um Sporting-SC Braga que os últimos anos já transformaram em clássico. Face a face estarão o líder da Liga, a equipa que na primeira metade do campeonato mostrou as dinâmicas mais bem trabalhadas entre os 18 participantes e que teve em Gyökeres o jogador mais decisivo da competição, e o maior desafiante ao monopólio dos grandes, um clube que investiu como nunca para construir um plantel com a profundidade suficiente para chegar ao título. A Taça da Liga pode ser o menos importante dos quatro títulos nacionais, atrás da Liga, da Taça de Portugal e até da Supertaça, mas para ambos aparece neste momento como fundamental. Para o Sporting porque a época passada foi de frustração, sem medalhas ou taças para o museu, e o próprio Rúben Amorim já deixou entender que não admite continuar se esta seguir o mesmo caminho – depois se da parte do clube também pensam assim é outra conversa. E se a Taça da Liga é o primeiro de quatro troféus a que os leões podem aspirar esta época a ser decidido, no caso do SC Braga é mesmo o mais acessível dos dois que a equipa ainda pode conquistar, eliminada que está na Taça de Portugal e perdida a possibilidade realista de vencer o campeonato, face à distância a que já está dos três primeiros. Ganhar a Taça da Liga dependerá de dois jogos, é certo que um contra um Sporting que os bracarenses não vencem há dois anos – feitos ontem – e outro possivelmente contra um Benfica com o qual já perderam duas vezes esta época, mas parece ainda assim mais possível do que ganhar a Liga Europa, para cujo sucesso ainda faltariam sete partidas. É verdade que para o SC Braga a altura não é a melhor. Não tem Banza (na CAN) e Ruiz não tem sido capaz de dar à equipa a contundência ofensiva que ela chegou a mostrar com o franco-congolês. Precisa de recuperar o melhor Horta, que tem andado desaparecido, bem como a profundidade objetiva de Bruma e Djaló, ambos a voltar de lesão. Não encontrou ainda uma dupla de centrais capaz de garantir segurança atrás, alternando entre a experiência de Fonte e Oliveira e o impacto às vezes pueril de Serdar. E para compensar esta falta de rigor atrás passou a utilizar um meio-campo redundante, com Vítor Carvalho ao lado de Moutinho – que baixar Zalazar torna a equipa mais poderosa a atacar mas menos segura e Musrati não tem estado disponível. Este SC Braga defende hoje melhor do que há três meses, mas ataca pior – e por isso mesmo cedeu recentemente ao Sporting a posição de ataque mais realizador do campeonato. Ao Sporting não têm faltado soluções ofensivas, a começar pelo impacto de Gyökeres, a receber longo, no pé ou no espaço, a carregar a equipa para a frente e a inventar soluções de finalização em situações onde elas estão longe de parecer plausíveis. Mas há ainda Edwards e o seu um para um em espaços curtos, há um Trincão renascido e, na falta de Geny Catamo para ajudar a bater a pressão adversária desde trás, há a articulação aprimorada entre Nuno Santos e Pedro Gonçalves saído do meio-campo, na esquerda. O que até aqui não tem havido é capacidade defensiva, bem à mostra na incapacidade da equipa para fechar as redes de Adán – que hoje serão do suplente Israel. A meia-final de Leiria colocará face a face duas equipas que mudaram muito nos últimos meses, mas ambas com um problema comum: a necessidade de validação através da conquista de títulos. Mesmo que não passem de meros detalhes e tanto um projeto como o outro valham muito para além deles.
O Jamor reconquistado. A FPF revelou ontem que o particular contra a Croácia, a 8 de Junho, em vésperas da fase final do Europeu, será jogado no Estádio Nacional. Jogo em Junho, final de tarde, o Jamor é o palco perfeito, porque sendo um particular de seleções à partida não se colocarão os desafios de segurança que se veem, por exemplo, numa final da Taça de Portugal, com claques rivais a ocuparem os dois topos. Lembro com nostalgia o primeiro jogo da seleção que vi ao vivo, um Portugal-Itália, em Fevereiro de 1987, ali mesmo, no Jamor, sabendo que o tempo não volta atrás e que os desafios da modernidade tornam aquele espaço muito difícil de usar e de requalificar, por mais que a FPF queira e possa investir no tema. Mas enquanto não se reabre esse debate, vale a pena reconquistar o Estádio Nacional para um final de tarde de Junho.
A CAN da Lusofonia. O Egito de Rui Vitória podia parecer a forma mais segura da haver alguém a falar português no quadro de honra desta CAN mas não só passou pela primeira fase sem vencer um só jogo como entretanto perdeu Salah. Não está fora de hipótese, mas já aparece atrás da Nigéria que José Peseiro construiu mais sólida do que é habitual nas suas equipas e do que se esperaria olhando para um plantel cheio de avançados de qualidade e sem a mesma imponência atrás. E até de Angola e de Cabo Verde, duas agradabilíssimas surpresas no plano ofensivo. A Angola de Pedro Gonçalves, que chegou à Costa do Marfim com dois empates a zero nos dois últimos jogos competitivos que tinha disputado – na qualificação para o Mundial de 2026 – tem-se revelado uma máquina de atacar, com Gilberto e Gelson Dala (ex-Sporting e Rio Ave) em grande nível. E Cabo Verde tem até aqui partilhado com o Senegal – Marrocos parece ainda nem ter aquecido os motores – a honra de ser escolhida como melhor seleção da competição. Depois de ganharem a Gana e Moçambique muito à conta do critério de Kevin Pina (ex-GD Chaves) a meio-campo e da articulação dos três atacantes – os extremos Mendes e Jovane (ex-Sporting) e o avançado-centro Bebé (o tal que passou pelo Manchester United e que por cá passou por Estrela, Vitória SC, Rio Ave, Paços e Benfica) – os Tubarões Azuis deram-se ao luxo de apresentar uma equipa quase toda mudada e de, mesmo assim, empatarem com um Egito que esteve à beira da eliminação. Além de confirmar as dificuldades das equipas do Magrebe nas competições disputadas em território subsaariano, esta pode muito bem ser a CAN da Lusofonia.
Ribombou o Trovão. A história de Gigi Riva é única, porque de certa forma marca a transição entre o futebol de outrora e o de hoje. O atacante a quem Giani Brera colou o apodo “Rombo di Tuono”, o Ribombar do Trovão, já nasceu num futebol que, em Itália, mesmo no final dos anos 60 do século passado, tinha o seu quê de indústria, mas assim que pôde escolheu sempre com o coração, o mesmo coração que o traiu ontem, quando morreu, vítima de enfarte, aos 79 anos. Riva, o melhor marcador da história da seleção italiana, com 35 golos em 42 jogos, era em si um poço de contradições. Lombardo de nascimento, tinha o olhar carregado e sério dos teutónicos, uma face que parecia esculpida em granito e embrutecida pelas suas origens camponesas. Contratado pelo Cagliari ao Legnano em Roma, em 1963, em pleno intervalo de um Itália-Espanha em juniores que ele estava a jogar – lá está, a indústria em estado puro... –, adotou e foi adotado nesse dia pela Sardenha, que por aqueles tempos mais parecia um exílio, tão atrasada estava a ilha antes da explosão do turismo a ter tornado atração. E fê-lo a ponto de ter jogado ali toda a carreira, até se retirar, em 1976, recusando sucessivos convites de Inter e Juventus, que se conta mandavam um emissário a cada quinze dias ao estádio do continente onde o Cagliari ia jogar, para o convencer a mudar de ares. Incisivo como poucos, potente na corrida e no disparo de pé esquerdo, Riva foi campeão da Europa com a Itália em 1968 e a figura da equipa nacional que perdeu com o Brasil na final do Mundial de 1970, no qual passou ao lado da polémica alternância Mazzola-Rivera, que era coisa que só interessava ao futebol polarizado de Milão. A vida dele era o Cagliari, longe dessas confusões. Foi com a camisola sarda que ganhou o scudetto de 1970, hoje visto retrospetivamente como o mais romântico campeonato de Itália de sempre. Riva fez 21 dos 42 golos marcados pelo Cagliari nessa edição da Serie A e a seguir podia ter ido para onde quisesse. E foi isso que fez. Ficou ali. Até nos deixar, ontem.