O bombeiro e os alarmes de fumo
Jorge Mendes olha para si próprio como “bombeiro de serviço” num futebol que, muito por sua ação, limpou as matas e instalou alarmes de fumo. Sem crise, que ele continua a ganhar.
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Há uns anos, antes de começar cada temporada, costumava fazer a mim próprio uma simples questão: quem é que Jorge Mendes quererá ver ganhar o campeonato? Não o fazia por ver na ação do patrão da Gestifute uma qualquer capacidade para influenciar resultados, que não o via sequer a perder tempo com isso, no seu quotidiano de não sei quantos telemóveis a sair-lhe de cada bolso. Fazia-o porque naquele tempo ele tinha a capacidade para dar uma enorme vantagem competitiva ao clube que escolhesse, pela colocação no mercado internacional de jogadores acima do preço plausível. Quereria ele ajudar o Benfica, onde até o próprio Luís Filipe Vieira reconhecia a existência de uma parceria, sabendo que um título valorizaria os jogadores que se seguiam? Optaria ele por dar um empurrãozinho ao FC Porto, onde chegou a ter como treinador um dos melhores amigos que o futebol lhe deu, Nuno Espírito Santo? Estaria ele interessado em mostrar aos sportinguistas que não tinham nada a ganhar com essa guerra aberta que lhe foi instaurada por Bruno de Carvalho e os influencers que o presidente leonino atraía? Hoje, a ler a entrevista que Mendes concedeu ao Record, lembrei-me que já há algum tempo deixei de fazer esse exercício. E, agora que penso nisso, não foi porque ele tenha perdido influência no mercado internacional. Foi, isso sim, porque o futebol português entrou num patamar em que esses mini-empurrões deixaram de ser tão significativos, porque passou a ser possível fazer outro tipo de negócios – e aí há mérito do agente que nessa mesma entrevista fala em “dois mil milhões de euros” que trouxe para Portugal. Se houve uma altura em que as vendas de Ivan Cavaleiro ou Hélder Costa – mas também João Cancelo e Bernardo Silva – por 15 milhões de euros representaram um balão de oxigénio e um modelo de negócio para o Benfica, que via sair a valores bastante significativos jogadores do Seixal sem sequer os testar no palco mais credível da Luz, hoje os principais clubes portugueses aspiram, isso sim, a negociações do género das de João Félix ou de Enzo Fernández, que Mendes também fez, continuando a ganhar, mas já acima dos 100 milhões de euros. As negociações de há uma década, que tresandavam a esquemas de pirâmide, envolvendo sempre os mesmos clubes e parceiros num circuito muito duvidoso – iam do Dynamo Moscovo de Alexey Fedorychev ou do AS Mónaco de Dmitriy Rybolovlev, ao Valencia CF de Peter Lim e ao Wolverhampton WFC da Fosun, tudo clubes que entretanto rebentaram e perderam capacidade de investimento –, foram o motor de arranque para um futebol que hoje é campeão de mercado. E não deixa de ser curioso que, apesar de tudo, os clubes portugueses e o próprio Jorge Mendes tenham saído daí para construir uma reputação de altíssima credibilidade no mercado global e que as maiores negociações da atualidade se façam quase sempre com base no capital de confiança que, juntos, souberam granjear. Mendes diz, nessa entrevista ao Record, que os clubes olham para ele como “o bombeiro”. “Resolvo problemas”, acrescenta. A questão, por um lado, é que os problemas mudaram – o dinheiro que o agente ia ajudando a trazer serviu para limpar matas, impedindo os fogos florestais, e para instalar alarmes de fumo nos diversos gabinetes. Hoje, os problemas já não estão na capacidade para meter jogadores a rodar nesse carrossel dos pequeninos, porque os nossos clubes já fizeram o upgrade para a montanha-russa onde só se entra acima de uma determinada altura. Os problemas de hoje são diferentes e nem sequer é líquido que não haja mão do próprio Mendes na sua criação, seja nas compras também mais caras que vai impelindo os nossos clubes a fazer – e que são a outra face da moeda que entra... –, seja no convencimento dos jogadores de que já estão prontos para dar o salto, possivelmente antes da altura certa. Seja como for, o bombeiro continua a ter trabalho.
Maignan e os grunhos. O Mundo está a ficar cada vez mais perigoso. Recomecei nos últimos dias uma atividade que já tinha abandonado, que é a de bloquear grunhos nas redes sociais. No fim-de-semana foram mais de 50. Aceito a discordância, não aceito o insulto ou a ameaça. E faço-o sem contemplações, consciente de que aqueles projetos inacabados de pessoas não me servem sequer do ponto de vista da divulgação da minha atividade, porque nunca vão sequer abrir um link e ler um texto, quanto mais subscrever uma newsletter. Eles só andam ali para insultar, seja com base no fanatismo clubista ou numa radicalização política e social que cresce cada vez mais, montada nos algoritmos das redes sociais. Durante uns meses, olhei para o lado, fingi que não via. Dizia que não lia sequer os comentários. Fazia, em suma, aquilo que a FIFA anda a fazer com os insultos racistas a jogadores, porque os grunhos, quando se trata de insultar, até aceitam os imigrantes das suas cores mas perdem qualquer vestígio de tolerância e humanidade quando eles usam um emblema diferente ao peito. Maignan, o guarda-redes do Milan, foi abusado em Udine, ouviu imitar o urro do macaco quando se preparava para bater a bola, uma e outra vez, e chegou a sair de campo. No final, voltou e ajudou o Milan a ganhar o jogo. No rescaldo do caso, Gianni Infantino, presidente da FIFA, já veio defender a pena de derrota imediata para as equipas cujos adeptos se comportem de forma racista e um afastamento desses mesmos adeptos de todos os estádios do Mundo. É bloqueá-los, portanto. Porque eles não nos servem para nada.
O defesa-esquerdo. Havia, há uns anos, no futebol social, o estigma do defesa-esquerdo. O tipo que tivesse menos jeito para a coisa ia sempre parar a essa posição. Mas este sábado deu-nos mais uma revolta dos defesas-esquerdos. À tarde, Grimaldo voltou a ser instrumental no Leverkusen em Leipzig, com a segunda assistência para a segunda vitória consecutiva em período de compensação, mantendo a equipa de Xabi Alonso no topo da Bundesliga – aliás, até alargando a vantagem, que depois o Bayern perdeu. À noite, foi Wendell a mostrar que afinal há qualidade nessa posição no plantel do FC Porto. A capacidade que o brasileiro tem para espalhar a presença pelo espaço interior, deixando a ala a um Galeno mais aberto, é fundamental para a equipa de Sérgio Conceição na criação de superioridade dentro do bloco adversário. Wendell já o tinha mostrado na forma como iniciou e foi, depois, importante, com uma simulação em que nem chegou a tocar na bola, no mais belo dos golos de Evanilson no Estoril, o jogo do início do renascimento portista. Contra o Moreirense, foi o mais influente da equipa – e não foi só por ter feito dois golos.
O Benfica e o espaço. Foi estranha a forma como o Boavista se colocou na Luz: sempre atrás, mesmo quando tinha bola. A ideia era simples: roubar ao Benfica a capacidade para acelerar, metendo sempre uma barreira a essas mudanças de velocidade. As linhas do Boavista tinham no futebol do Benfica o mesmo efeito das chicanes na Fórmula 1. O risco da estratégia era alto, que de acordo com o GoalPoint o Boavista até bateu o recorde negativo de bolas perdidas no primeiro terço, mas podia ter tido resultados, se na primeira vez que os axadrezados foram à frente, em contra-ataque, só pela certa, Bozenik não tivesse visto Trubin negar-lhe o golo do que seria o 0-1. E o que o jogo nos mostrou foi um Benfica ainda com muitas dificuldades em ataque posicional. Roubem-lhe o espaço de aceleração por dentro e fica mais fácil enfrentar os campeões nacionais.