Os rejeitados da Arábia
O mercado saudita vai ficar aberto três semanas depois do encerramento na Europa. E se isso é temido por cá, lá significa que ainda muita coisa vai mexer: a entrar e a sair. Tudo a ver com o dinheiro.
Quando tentava convencer o general Allenby (Jack Hawkins) a apoiar a sua campanha em direção a Damasco, Lawrence da Arábia (Peter O’Toole) desvalorizou o dinheiro como fator de persuasão, colocando-o bem abaixo da honra, do compromisso ou do desejo de obter uma terra-mãe na mente dos integrantes das diversas tribos árabes que unira para combater os turcos. “Os melhores de entre eles não virão por dinheiro. Virão por mim!”, exclamou. Estávamos em 1917, o cenário era a Primeira Guerra Mundial e o petróleo que havia no subsolo da península arábica ainda não tinha subvertido completamente o equilíbrio de poderes na área. Passaram mais de cem anos e as coisas mudaram bastante. Não é que a honra tenha deixado de ser importante, mas o dinheiro passou a ser tanto que inverteu por completo as prioridades. A conversa entre Lawrence e Allenby podia agora acontecer do outro lado, entre um xeque e um treinador ou um diretor desportivo. Com duas grandes diferenças. Uma é que caso o primeiro se oferecesse para pagar “todo o dinheiro que houver” para o segundo ir comprar passes de grandes jogadores internacionais, como o general prometeu dar ao recém-graduado major Lawrence para garantir a fidelidade das tribos árabes, estaria a falar a sério. E a outra é que o segundo não teria condições de lhe dar a resposta que entrou para a história, porque na verdade ninguém iria para a Liga Saudita por ele. A entrada na Liga Saudita obedece a motivações que têm pouco que ver com honra, compromisso ou conquista do que quer que seja. Os que vão, não vão por ninguém a não ser por si mesmos, pelo dinheiro. Pelo que não espanta que do outro lado, sendo tanto o dinheiro, quem paga se sinta no direito de mascar e deitar fora se não lhe agrada o sabor. A Liga saudita vai na segunda jornada, falta um mês para fechar o seu mercado – que ficará aberto por mais três semanas do que na Europa –, e se já começam a circular notícias acerca de rejeições e recambiamentos, como os de Jota ou até Benzema, não será tanto ou somente por causa do limite de oito estrangeiros por equipa e da necessidade de encontrar vagas para mais e mais incorporações. É sobretudo porque quem paga sabe bem o que está a pagar. E nunca foi por compromisso.
O cerco a Rubiales. Está cada vez mais difícil a vida de Jose Luis Rubiales, o presidente da Federação Espanhola que, além de ter segurado os genitais na tribuna de honra como forma – primitiva mas estranhamente usual, de resto – de celebrar a vitória da sua seleção na final do Mundial feminino, roubou um beijo na boca a uma das suas jogadoras, Jenifer Hermoso, durante a entrega de troféus. Provavelmente encorajada por quem sublinhou que o gesto do presidente é absolutamente inaceitável, uma guarda de honra que incluiu até o primeiro-ministro Pedro Sánchez, Jenifer veio por fim subscrever o comunicado de condenação emitido pelo sindicato que representa a maior parte das jogadoras espanholas, esvaziando de sentido as palavras exculpatórias que lhe tinham sido abusivamente atribuídas pela própria federação, em texto entregue à agência EFE. Como estão as coisas, Rubiales é culpado de tudo e mais alguma coisa. É culpado de abuso de posição dominante, de assédio sexual e moral, de manipulação e de um machismo tóxico que ninguém quer ver associado a um ambiente saudável como pode e deve ser o do futebol. Resta-lhe uma oportunidade de não se tornar culpado de ainda mais uma coisa, que é a desvalorização dos direitos individuais que cada um de nós tem de ser ou não beijado na boca por quem quer que seja. E isso pode fazê-lo apresentando desde já a demissão em vez de aproveitar a boleia do futebol, único setor que se tem prontificado na sociedade espanhola a tirar peso ao incidente. Já nos lembraram que Caniggia e Maradona se beijaram na boca, que Kiko e Esnaider o faziam com frequência depois de cada golo ou que Jenifer só não teria gostado porque é homossexual – como se gostar ou não de um beijo não fosse o seu direito. Nos próximos dias, o futebol espanhol vai apresentar-nos Rubiales como um executivo que tem feito um excelente trabalho – e tem –, como se o facto de o marido levar a mulher a sair ao sábado à noite lhe desse o direito de a espancar nos outros seis dias da semana. “Ele até era bonzinho para ela, até lhe puxava a cadeira para ela se sentar...” Entre os seus, na Assembleia Geral Extraordinária de amanhã, Rubiales poderá provavelmente resistir. Cabe-lhe a ele poupar-se, e poupar-nos a nós, a esse espetáculo tão degradante.
Djaló, o revolucionário. Álvaro Djaló chegou à Liga Portuguesa no início da época passada, após cinco temporadas entre os sub19, os sub23 e a equipa B do SC Braga. Como cartão de visita, logo na estreia, apresentou uma aceleração em cima de Esgaio, imediatamente antes de correr para a linha de fundo e de dar o golo do empate (3-3) a Alan Ruiz, ante o Sporting, na primeira jornada do campeonato. Mais duas assistências nas duas jornadas seguintes iam fazendo o possível para o colocar no topo da atualidade, mas a época acabou por não ser tão boa como ele chegou a prometer. Este ano, voltou forte. Não são só os três golos em outros tantos jogos de qualificação para a Liga dos Campeões, metendo sempre o nome na ficha. É, acima de tudo, a capacidade que o hispano-guineense tem mostrado para revolucionar todo o futebol da equipa, quando Artur Jorge procura substituir a filigrana pela velocidade, a arte contemplativa em que podem por vezes cair os seus homens da frente – exceção a Bruma – pela aceleração de processos. Ontem, a entrada do SC Braga no jogo com o Panathinaikos, depois de uma meia-hora de equívocos com o duplo-pivot e os quatro homens da frente por dentro, em dois-mais-dois, deveu-se primeiro à troca forçada de Al Musrati por André Horta, que foi para o relvado com a indicação de procurar a largura. E, depois, à revolução causada pela troca de Pizzi por Djaló, um dos homens de Agosto no futebol em Portugal.
Excelente analogia entre o Major Lawrence e o General Allenby, com o a actualidade.👌👌👌
“…imediatamente antes de correr para a linha de fundo e de dar o golo do empate (3-3) a Alan Ruiz…”
Abel Ruiz e não Alan Ruiz.