Os jogadores certos e os jogadores caros
A intervenção de Bruno Lage no WebSummit destapou a dialética entre os jogadores certos e os jogadores caros. Faltou dar o passo em frente e explicar porque se opta por estes em vez daqueles.
Bruno Lage esteve ontem no WebSummit e aquilo que disse, somado à goleada que o Benfica de Roger Schmidt conseguiu em Haifa (6-1), mais ao fim do dia, garantindo o primeiro lugar do grupo do Paris Saint Germain, pode até virar-se contra ele, sobretudo se olharmos para as palavras do antigo treinador dos encarnados e do Wolves numa lógica de antagonismo com Roger Schmidt. “Então o Lage diz que falhou porque lhe faltaram os jogadores certos e lhe faltou tempo? Então e Schmidt? Já teve tempo?”, dirão os mais desatentos, confrontacionais e ao mesmo tempo radiantes com a máquina em que o alemão transformou este Benfica. E desatentos porquê? Porque estão a esquecer uma das incógnitas da equação, que são “os jogadores certos”. “Não são jogadores caros, são os jogadores certos”, aprofundou Lage. E ao juntar o que ele disse a este Benfica de Schmidt é inevitável que se pense num dos jogadores certos, que é Florentino, e num desses jogadores caros, que é Weigl, e naquilo que o mesmo Lage concluiu: “a lição que aprendi foi em relação à necessidade de convencer as pessoas daquilo que preciso”.
Vamos começar por rejeitar a lógica dualista que impera no futebol e que nos mandaria agora dizer que Florentino é “o maior” e Weigl “o pior”. Depende. Depende sempre de muita coisa, sobretudo do contexto. Florentino, por exemplo, de nada serviu ao AS Mónaco, onde pouco jogou, ou ao Getafe, onde mais de metade das suas partidas se resumiram a poucos minutos saído do banco. Confesso que isso me fez duvidar e admitir que o sucesso dele na Luz podia ter sido um epifenómeno. Que sucesso? Nas 21 ocasiões em que jogou na Liga Portuguesa desde que Lage o chamou pela primeira vez, para participar na ponta final dos 10-0 ao Nacional, em Fevereiro de 2019, até ser emprestado ao AS Mónaco, em Setembro de 2020, Florentino ganhou 19, empatou uma e perdeu outra – com o FC Porto na Luz. Foi campeão de 2019, uma das novidades que ajudou a dar a volta àquela equipa que seguia sete pontos atrás do líder, em Janeiro desse ano, e seguia na frente da tabela, em Novembro do mesmo ano, quando se magoou e perdeu a vaga para Gabriel e Samaris. Nunca mais a recuperou, sobretudo depois de, em Janeiro de 2020, ter chegado Weigl – e o Benfica acabou por perder essa Liga para o FC Porto, como perderia as duas seguintes, uma para o Sporting e a outra de novo para os dragões.
O alemão é um excelente médio, mas o contexto não o ajudava nem fazia dele o “jogador certo”: o meio-campo a dois de Jesus exigia um médio com outra intensidade, sobretudo defensiva, e nenhum dos pares que lhe foram encontrando – João Mário, Taarabt, Pizzi, Meité... – lhe garantia a complementaridade necessária a uma equipa ganhadora. Schmidt teve a perspicácia de entender isso e cortou a direito: quis o jogador certo em vez do jogador caro. Florentino tem sido o ponto de equilíbrio defensivo a partir do qual o Benfica de Schmidt lança todo o seu potencial atacante. Não há neste momento grandes dúvidas de que o técnico alemão tomou a decisão correta, sendo que a favor dele terá funcionado ainda o fator tempo, no caso a capacidade de fazer os decisores olharem para trás e verificarem que nada se ganhou com a troca ou o facto de uma boa parte dos 20 milhões investidos na contratação de Weigl ter sido já amortizada em dois anos e meio de utilização. Ora, se isto é puramente contabilístico, permite-nos alargar o campo de análise, não só à realidade global da gestão de um clube como à perspetiva de gestão de carreira dos próprios treinadores e abordar a questão à qual Lage já não respondeu: mas se tinha lá o jogador certo, por que razão passou a jogar com o jogador caro?
Em certa medida, Rúben Amorim está a passar pelo mesmo atualmente no Sporting, por exemplo com Trincão – como já o terá passado com Vinagre. Ambos vieram para Alvalade como jogadores caros e, seja porque foi ele a pedi-los ou por uma questão de solidariedade com a estrutura, torna-se difícil ao treinador desistir deles sem antes, mesmo contra o racional técnico ou tático, dar-lhes todas as oportunidades possíveis e imaginárias de virem a justificar o investimento. Porque é que Lage desistiu de Florentino? Só ele pode responder a essa questão, mas talvez seja porque não lhe fazia sentido sentar no banco um jogador pelo qual o clube acabara de pagar 20 milhões de euros. Porque é que Amorim continua a insistir com Trincão? Mais uma vez, só ele pode responder, mas talvez seja porque desistir agora de um jogador ao qual é reconhecido potencial pode implicar deitar ao lixo os 20 milhões que o Sporting vai pagar por ele ao FC Barcelona. Porque é que estes jogadores aparecem? Essa já é a questão mais complicada de responder. Uns porque os treinadores se enganam. Outros por vaidade ou fuga para a frente das administrações dos clubes. Outros ainda por pressão de agentes de mercado dos quais depende em grande medida toda a gestão de uma SAD – é que se não houver vendas não há contas no positivo... É tudo isso somado que faz com que, ao contrário do que se diz por aí, um bom treinador não seja aquele que pega em qualquer grupo e o torna competitivo. Mal comparado, isso é um “endireita”. Um ortopedista é outra coisa: é um treinador que consegue convencer os dirigentes dos clubes formar um grupo que seja coerente, complementar e certo. Foi essa a lição que Lage aprendeu.