Os efeitos de uma vitória
A vitória sobre o Bayern Munique e o primeiro lugar do Grupo C permitem ao Benfica encarar o que aí vem de Mundial com mais tranquilidade, mas não chegam para transformar esta numa grande época.
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A histórica – porque primeira de sempre – vitória do Benfica sobre o Bayern Munique, a valer o primeiro lugar do Grupo C do Mundial de clubes, foi fundada numa série de fatores que não são aleatórios, como a escolha da estratégia feita por Bruno Lage, a poupança de titulares por Vincent Kompany ou a exibição de Trubin, que parou tudo numa segunda parte em que os dois elementos anteriores deixaram de se verificar. O resultado já garante que os encarnados sairão sempre deste Mundial pelo menos com a satisfação do dever cumprido, mas não chega ainda para alimentar um clima de euforia que apague tudo o que correu mal nesta época ou que garanta a reeleição de Rui Costa em Outubro, como pareceu pedir o treinador na “flash interview”. Nem 2024/25 foi assim tão mau, nem uma vitória sobre o Bayern transforma esta temporada numa boa temporada – ainda que, garantindo que a fuga a Flamengo e Paris Saint-Germain na fase a eliminar, possa vir a valer um Mundial aí sim já para lá do que se exigiria no caderno de encargos.
O Benfica ganhou o jogo muito graças ao que fez na primeira parte, em que foi melhor. Se no lado alemão se achou que os factos de a qualificação estar garantida e de a equipa portuguesa só precisar de um empate chegariam para uma espécie de pacto de não agressão, permitindo a poupança de sete dos titulares da vitória contra o Boca Juniors, no Benfica viu-se um pouco mais de ambição. Bruno Lage montou a equipa a partir da solidez da organização defensiva e da capacidade para reciclar cada bola recuperada e de a transformar em transição ofensiva interessante. A linha de quatro homens colocada à frente de Trubin era sempre reforçada pelo acompanhamento feito pelos extremos às diagonais interiores dos laterais dos alemães – Di María atrás de Guerreiro e Schjelderup atrás de Boey – e o par de médios-centro, formado por Leandro Barreiro e Renato Sanches, funcionava como uma espécie de placa giratória que levava o jogo a mudar de lado e o Benfica a explorar o lado contrário ao da pressão alemã. O Bayern tinha mais posse de bola, mais ocupação do meio-campo adversário, mas menos lances de baliza, até porque em ataque organizado lhe faltavam argumentos pela justa razão de que lhe faltavam Kane, Coman, Olise e até Kimmich ou Goretzka, já para não mencionar Musiala.
O Benfica marcou num lance que respeitou esta intenção estratégica do seu treinador, com bola recuperada por Dahl à esquerda, reciclada por Renato Sanches ao meio e virada para o corredor direito, onde Aursnes e Di María criaram um dois-para-um com Stanisic – Guerreiro encolheu-se sem necessidade, que Pavlovic estava dentro... –, o suficiente para que o primeiro oferecesse o golo a Schjelderup com um cruzamento rasteiro. Mas, tirando um contra-ataque que ainda deixou Aktürcoglu em boa posição para rematar, a segunda parte dos encarnados foi penosa. O Bayern chamou vários titulares e a equipa portuguesa foi encostando atrás, a ponto de após determinado momento ter até deixado de querer atacar: já arrumada em 5x4x1, com Bajrami ao lado de António Silva e Otamendi, limitava-se a chutar bolas para a frente, sem ter sequer a perspetiva de alguém as poder captar, simplesmente para se meter de novo em posição de aguentar o embate. Trubin fez então por merecer o prémio de Homem do Jogo com uma série de defesas importantes e o Benfica fez durar o 1-0 até final, garantindo a primeira posição do grupo, ante o espanto global. Ficaram danados os brasileiros, que não esperavam apanhar o Bayern no caminho do Flamengo. E ficam a rir-se os portugueses, não só porque, neste final de Junho, o Chelsea parece menos complicado de enfrentar do que o Flamengo – até por não estar tão empenhado na prova –, mas sobretudo porque quem sair dessa eliminatória terá de enfrentar o vencedor do Palmeiras-Botafogo e não o Paris Saint-Germain, favoritíssimo contra o Inter Miami.
Mas a euforia para aqui. O primeiro lugar do grupo foi um acréscimo interessante, mas já se esperava que o Benfica se qualificasse – como se esperava que o FC Porto fizesse o mesmo no Grupo A. A presença nos oitavos-de-final correspondia aos serviços mínimos neste Mundial e só o que se conseguir daqui para a frente pode ser encarado como ganho às probabilidades. E se é verdade que 2024/25 não foi assim tão mau como o pintam – o Benfica esteve a duas bolas de Pavlidis ao poste, nos jogos com o Sporting, de conseguir o que podia ser um triplete histórico... – também não é justo que, como fez Lage, se parta desta vitória de ontem para a glorificação do trabalho que se foi fazendo em campo e nos gabinetes. “É tempo de as pessoas acreditarem mais no trabalho que aqui fazemos. No trabalho do nosso presidente, do diretor desportivo, no meu, como treinador, e no dos meus jogadores”, disse o técnico no rescaldo da partida. Mas – e aqui há que ver as coisas para lá dos resultados –, sendo certo que com um pouco mais de fortuna o Benfica podia até ter sido campeão e ganho a Taça de Portugal, a verdade é que a conjuntura que teve de enfrentar até tornava esse desfecho mais provável do que improvável.
Não sou nunca defensor dessa irracionalidade que é a “obrigatoriedade de ganhar”, isto é, nunca olho para um jogo partindo do princípio de que uma determinada equipa tem a obrigação de o vencer. Mas, tendo sido quem mais investiu, até em Janeiro, quando foi buscar jogadores que lhe credibilizassem ainda mais a candidatura ao título, tendo antes disso sabido corrigir o erro que terá sido a manutenção de Roger Schmidt antes de o Sporting perder Ruben Amorim e se embrenhar na crise identitária com João Pereira e antes de o FC Porto demitir Vítor Bruno e ir buscar Martín Anselmi, o Benfica partia com um avanço que não aproveitou. E o que está em causa no veredicto não é se a época foi má porque só permitiu juntar uma Taça da Liga ao palmarés do clube – ou se de repente se torna boa porque a equipa ganhou ao Bayern Munique na fase de grupos do Mundial. A avaliação faz-se de uma forma bastante mais profunda, à gestão do mercado e dos ativos do plantel e da formação, à evolução (ou falta dela) da equipa no plano tático, à capacidade que estes jogadores exibem a cada dia (e não só quando são postos em causa) para demonstrar comprometimento. Aí, o Benfica terá muito a melhorar. Até pode ainda fazê-lo neste Mundial de clubes, mas até agora ainda não o fez. E o mais certo é que só o próximo mercado e as pré-eliminatórias da Champions nos deixem mais pistas a esse respeito.
Nota: O Último Passe vai estar aqui de segunda a sexta-feira (excetuando feriados) enquanto houver equipas portuguesas no Mundial de clubes. No dia após o derradeiro Último Passe de 2024/25 sairá a primeira edição dos Reis da Europa, que depois seguirão a correnteza normal, com todos os campeões nacionais desta época, da Albânia à Ucrânia. A 4 de Agosto, com o início de 2025/26, voltará o Último Passe, mas em versão vespertina (às 19h) e apenas para subscritores Premium. A partir daí, mas logo pela manhã, terei para vós (para todos, que será conteúdo gratuito) a Entrelinhas diária, uma leitura de cinco minutos com tudo aquilo que precisam de saber para manter as conversas sobre futebol nas pausas para café no trabalho.