Os árbitros portugueses e o Mundial
Portugal não terá, pelo segundo Mundial consecutivo, árbitros na fase final. E é fácil vir agora dizer que isso sucede porque o nosso clube não ganhou a Liga ou as Ligas todas. Mas também é errado.
Já me disseram que ando a usar cada vez mais a expressão “eu sou do tempo em que...”, e isso desagrada-me, mas a verdade é que “eu sou do tempo em que” António Garrido ficou na história do Mundial de 1978 pelas piores razões: expulsou dois húngaros, os credenciados Torocsik e Nyilasi, no difícil jogo em que a Argentina bateu, de virada (2-1), uma Hungria que prometia muito mas praticamente acabou ali a competição, na primeira vez que entrou em campo. As expulsões aconteceram nos últimos minutos, fruto da frustração dos húngaros com o golo de Bertoni, a sete minutos do fim, mas mesmo assim foram internacionalmente apresentadas como parte de uma narrativa destinada a estabelecer a existência de uma conspiração que carregasse a equipa da casa até à final – uma conspiração na qual também entrava, por exemplo, a goleada (0-6) sofrida pelo Peru, com o guarda-redes Quiroga a facilitar até ao instante em que os golos chegassem para o general Videla poder apaziguar os protestos do povo contra a ditadura com papelitos lançados das bancadas a vitoriar a equipa de Menotti. E isso não me encheu de orgulho, numa meninice em que os árbitros eram a única forma de ver um português na fase final de um Mundial.
Este ano, no Qatar, não teremos árbitros portugueses, e o facto é-nos apresentado como a prova final de que a arbitragem nacional anda pelas ruas da amargura. Sou tentado a concordar com a conclusão – e já escrevi sobre o tema do faltismo, por exemplo, aqui – mas acho que a razão mais profunda para esta crise não está nos árbitros. Tal como em 1978 fomos todos vítimas da perceção que nos quiseram vender por razões não futebolísticas – havia que combater a ditadura militar da Argentina –, desta vez a ausência de árbitros na fase final de um Mundial está a ser cavalgada por razões propagandísticas, para dar razão aos que defendem que os campeonatos, por cá, se compram como quem vai ao pão ou à fruta. Ou então por alguns “velhos do Restelo”, que sustentam que antigamente é que era bom e que estes novos árbitros e dirigentes fazem tudo mal. E eu acho que não têm razão, nem uns nem outros.
Primeiro, porque nunca tivemos assim tantos árbitros portugueses em fases finais de Mundiais. Antes de Garrido, que esteve em 1978 e voltou em 1982, tinha havido Vieira Costa, em 1954, Joaquim Campos (1958 e 1966) e Saldanha Ribeiro (1970). E depois dele tivemos Carlos Valente (1986 e 1990), Vítor Pereira (1998 e 2002), Olegário Benquerença (2010) e Pedro Proença (2014). Em 21 Mundiais, houve 12 com presença portuguesa. E nove nos quais não estivemos.
Depois, porque desde que vejo futebol assisto em Portugal a este tipo de discussões em torno da compra de campeonatos: tinha eu dez anos quando FC Porto e Sporting se envolveram em conversações delicadíssimas para decidir quem ia apitar o jogo do título de 1980, acabando a escolha por cair precisamente em Garrido. Fiquei logo na altura a achar que isso dos árbitros era muito importante. Desse tempo, como de outros para trás ou para a frente, contaram-me histórias que são de rir e chorar ao mesmo tempo, que naturalmente não repito, porque me foram relatadas sob reserva e não as posso provar se a tal for forçado. Mais para trás há o caso de Calabote, da mesma forma que as histórias de campeonatos que tenho escrito por aqui – e já cheguei a 1935/36, que pode ler neste link – estão cheias de acusações de favorecimento a uns e a outros. E depois disso tivemos o Apito Dourado, a polémica dos mails com padres e missas...
Está-nos no sangue, desde sempre: em 1928, como também podem ler na história dessa temporada – neste link – a eliminação da seleção nacional no torneio de futebol dos Jogos Olímpicos foi atribuída pela generalidade dos jornalistas portugueses ao receio que a FIFA teria de nos ver eliminar a Argentina, nas meias-finais. Como a Argentina tinha de estar na final, o melhor era afastar logo ali a equipa de Portugal, promovendo o apuramento de um Egito que dificilmente faria sombra aos sul-americanos.
Não acho que a arbitragem portuguesa esteja a viver um momento feliz. Aliás, é preciso recuar a 1938 e 1950 para vermos dois Mundiais seguidos sem árbitros nacionais, como sucede agora com 2018 e 2022 - e isso tem de ser motivo de reflexão. Acho que se apita demais, que há demasiados penaltis, demasiados cartões, demasiado medo de errar para se poder apitar em boas condições. Um árbitro em Portugal defende-se muito mais do que um árbitro no estrangeiro, porque sabe que se tem o azar de deixar passar um lance sem punição vai estar uma semana inteira debaixo do foco intensivo de inúmeros espaços televisivos que são autênticos assassinos de caráter. O problema é dos árbitros, sim, que têm de ser mais corajosos e seguir critérios mais uniformes, independentemente da atenção mediática que os jogos venham a merecer. Mas não é só deles.
É também dos jogadores que aproveitam esta efervescência para transformar afagos em agressões. É dos clubes que promovem a suspeição nas suas newsletters e nas indicações dadas a comentadores engajados para cavalgarem esta onda que está a transformar-se num tsunami destruidor. É dos dirigentes do setor, nacionais e sobretudo internacionais, que não entendem que quanto mais claras ficarem as decisões, com justificações públicas, abertura ao diálogo e divulgação dos áudios do VAR, mais fácil será às pessoas entenderem o que se passou. É dos jornalistas e moderadores de programas de TV, que continuam a preferir debater o erro do árbitro a falar da imprecisão do jogador ou da má decisão do treinador. E é do público, que cauciona as decisões dos programadores de TV, premiando com a audiência massiva os debates menos civilizados e mais destinados a causar confusão. Por exemplo, a entrevista que fiz a Fernando Santos, na estreia do programa Tempo Útil, onde se falou de futebol mesmo, de escolhas táticas, de opções técnicas, de caraterísticas de jogadores e da possibilidade de compatibilizar uns com outros - e pode vê-la aqui - ainda não chegou às três mil visualizações em quatro dias e meio. Mas se tivesse feito uma conversa sobre erros de árbitros com adeptos a defender apaixonadamente as dores dos seus clubes teria certamente dez vezes mais gente a assistir.
A arbitragem nacional não vai estar no Mundial de 2022 e isso é mau. Mas não, não é porque o nosso clube não ganhou este campeonato ou os campeonatos todos. É sobretudo porque continuamos a achar que se o nosso clube não ganhou este campeonato ou os campeonatos todos a culpa foi dos árbitros. E enquanto formos achando isso, estaremos mais longe de estar no Mundial de 2026.
Os árbitros portugueses e o Mundial
Calabote, o Apito Dourado e as prendas, não foram conspiração, falar disso com essa leveza, como se nada tivesse acontecido, estraga o tom do texto. Entendo que se queria ver a arbitragem como algo sempre sério e imparcial, mas não podemos nos fazer de sonsos.
Os árbitros são os principais culpados do clima de desconfiança, pois protegem-se em demasia e têm formas diferentes de reação conforme o clube. Não é conspiração, é facto.
Quando alguém prova que um clube oferece jantares, a primeira reação não deve ser de defesa mas de investigação seria. A preocupação não deve ser que prendas podem ser oferecidas e até que valor mas sim a recusa de toda e qualquer oferta. E não me digam que água é oferta...
Quando há críticas a arbitragem, os árbitros em Portugal reagem conforme que se queixam, entre o colocar na jarra, a indignação e a ameaça de greve.
A falta de árbitros no Mundial, deve-se mesmo a falta de qualidade dos mesmos. Não digo que o meu clube não ganhou por culpa da arbitragem, mas temos árbitros que mais do que apitar demais, apitam mal e cometem erros graves que o VAR impede.
Sr. Tadeia, além de apreciador de futebol, tenho um background na arbitragem. E sei, obviamente, como as promoções funcionam. Menciono isto porque acredito que o problema da Arbitragem portuguesa é muito mais estrutural do que se tende a admitir.
Não vou esmiuçar como os diversos Quadros de Árbitros, nas diversas categorias, são formados, não vou colocar a legalidade, a legitimidade ou a seriedade em causa, mas, dou-lhe um exemplo concreto: a ascensão meteórica de Duarte Gomes (já retirado, para não ferir susceptibilidades). Quem se estreia como Árbitro em 92/93 e em 97/98 qualifica-se para a 1ª Divisão é, para a arbitragem, um predestinado, um prodígio, um Mozart!
Então, será que, também hoje, chegam ao Quadro alguns «predestinados», antes de provarem competência, mas, sobretudo, que não são garantes de estanquicidade à pressão mediática e dos Clubes (não infiro corrupção)?
E os Internacionais “proveta”?- Árbitros em estreia na Primeira Categoria promovidos a Internacional só porque dominam a Língua Inglesa e há que assegurar as quotas?
Com Árbitros mal preparados, com crónico favorecimento aos grandes, arrogantes e incompetentes, suscetíveis a pressões, com jogadores batoteiros, e um status quo instalado temos, então, reunidas as condições para o baixo nível das arbitragens no campeonato e o que se reflete no exterior. Ninguém quer o jogo constantemente parado por nano-faltas, absurdas interpretações das Leis, escandalosos critérios diferentes em análise de lances análogos, ou parcialidades disciplinares!
Para melhorar a Arbitragem e para que se vejam Árbitros a alto nível internacional é necessária uma reestruturação total do sector, começando pela formação, favorecendo a competência ao clientelismo e amiguismo. – A maioria dos que lá estão agora não servem!