Orgulho e ambição no clássico
A ortodoxia manda olhar para o clássico de forma enviesada. Uns não querem que os outros festejem ali, estes quererão fazê-lo contra um rival direto. Mas o que está em jogo é muito mais do que isso.
O Benfica-FC Porto de amanhã não terá a animá-lo uma luta desportiva de igual para igual como é bom de ver em clássicos. De um lado está uma equipa desenganada, que nem sequer precisava de mais um diagnóstico corrosivo como o feito esta semana por Jorge Jesus, para todos os efeitos o seu criador. Do outro apresenta-se uma formação animada pela noção de que está a um só ponto de ser campeã, que certamente dispensará todos os incitamentos à revolta, como as constantes alusões à “festa às escuras” que ali teve o prazer de fazer em 2011, mas cujos componentes não deixarão de retirar o devido prazer de poderem ganhar a Liga na cara dos adversários que mais investiram no passado recente. O clássico de amanhã é um encontro entre a defesa do orgulho benfiquista a a ambição portista, por mais que quem define a agenda mediática queira forçar-nos a encará-lo na perspetiva mais ortodoxa – que até pode valer para os adeptos, mas é irrelevante para os jogadores – da grandiosidade contra a revolta.
Diz o Record que Rui Costa terá incitado os jogadores no sentido de adiarem a festa do rival. Para o Benfica, no entanto, o campeonato está feito. Já se sabe há pelo menos um par de semanas que de terceiro não passa nem cai. Nada disso mudará com o jogo de amanhã – nem a ideia que de cada jogador tem Roger Schmidt, o treinador que aí vem, será seguramente alterada por causa de uma noite. Portanto, os efeitos práticos deste jogo estarão próximos do zero para os jogadores dos encarnados, que entram em campo movidos pelo combustível muito especial que é a defesa do orgulho. E não, ao contrário do que podem pensar os seus adeptos, os dirigentes ou os programadores da Benfica TV – que terá o exclusivo da festa caso ela ali se desenrole – não é o orgulho ferido pela hipótese de verem o adversário festejar o campeonato em sua casa. No fim do jogo, cada um recolhe ao balneário e ponto final. É o orgulho de serem confrontados com algo que já não podem evitar mas que tentarão atenuar: a ideia de que para o ano é que é mas é sem eles.
Os jogadores encarnados nem precisariam de mais um diagnóstico fornecido por Jorge Jesus, que esta semana se desdobrou em declarações no Brasil. “Quando saí, o Benfica estava a três pontos dos líderes [nota: na verdade eram quatro]. Hoje está a 15 pontos [nota: na realidade são 14]. E o problema era só eu?”, atirou o treinador. Mesmo com tantos erros nas contas, é evidente que Jesus tem alguma razão. O treinador saiu imediatamente antes do clássico da primeira volta, mas depois de ter apanhado três golos do Sporting em casa e outros tantos do FC Porto no Dragão, na Taça de Portugal. Aliás, três golos foram também os que o primeiro Benfica de Nélson Veríssimo levou dos azuis e brancos há exatamente meio campeonato. O problema não era “só” Jesus, donde se depreende que era “também” Jesus, quanto mais não seja por ter sido ele a construir a peso de ouro esta equipa que, sem o dizer, acaba de decretar que afinal de contas é uma equipa de mancos. E é contra isso que os jogadores quererão lutar, contra a noção de que não estão à altura, contra a ideia que entre o espaço que de repente é preciso encontrar para os miúdos da geração Youth League e o sempre voraz apetite de mercado que o Benfica revela antes de cada revolução serão eles o elo mais fraco que haverá que sacrificar.
No lado do FC Porto, é claro que haverá sempre um sabor especial se se puder celebrar mais um campeonato em casa de um rival, sobretudo porque depois ainda haverá um jogo em casa, contra o Estoril, na última jornada, para festejar com os próprios adeptos. Há aspetos pitorescos da última festa portista feita na Luz – as luzes apagadas antes de tempo, a rega ligada com os jogadores ainda no relvado... – a apimentar a coisa, mas façamos um ponto de ordem à mesa: amanhã só estará em campo um dos 26 que jogaram nessa noite de Abril de 2011 e ele é Otamendi, então campeão pelo FC Porto e agora jogador do Benfica. Os atuais jogadores do FC Porto ouviram contar a história, alguns deles – os portugueses – até podem ter visto a coisa na TV, mas não é isso que os move. Essa ideia de querer ganhar sempre contra alguém – de preferência “contra tudo e contra todos”, os rivais, os árbitros, Liga, Federação, jornalistas, as TVs, o Governo e não tarda a ONU – funciona melhor quando se ganha pouco. E o FC Porto não só tem ganho muito como completou esta época uma transformação que deixa pouco à vontade os seus detratores, os que acusavam esta equipa de só ganhar no grito, graças à entrega, ao poder físico, a um futebol de transição e aos ataques à profundidade. E que devia deixar ainda mais encabulados aqueles que para tirarem gozo das vitórias precisam sempre do elemento da revolta, que no fundo até estão intimamente a torcer para que se apague a luz, que se ligue a rega ou que a Benfica TV corte a transmissão do relvado no final do jogo em caso de festa do título.
Este é um FC Porto mais fino, que está a edificar as bases para poder ser a força dominante dentro do campo no futebol português. Não é o único a trabalhar para isso, tem de partir do princípio de que outros podem também estar a mover-se nesse sentido, mas se ganhar este ano conquistará a terceira Liga em cinco temporadas. Se não asneirar no mercado que aí vem, se conseguir manter o rumo, reforçar pontos chave a valores realistas em vez de se preocupar com a satisfação de clientelismos e não perder mais de dois homens importantes na estrutura atual – Uribe, além de Mbemba? – dará passos importantes nesse sentido. E mais até do que a possibilidade de festejarem na cara do rival, de ganharem “contra o Benfica”, deveria ser a ambição de poderem fazer parte desse futuro a mover os jogadores que Conceição fizer subir ao relvado da Luz. Quem ainda não entendeu isso, na verdade, só atrasa esse futuro.
Até num jogo em que potencialmente o Porto será campeão se consegue fazer uma crítica velada ao clube e aos seus adeptos.
A velha questão da visão centralista que não vê diferença de tratamento, não vê que vivemos num país centralista, porque fala sempre da perspetiva de privilégio e não conhece, de todo, o outro lado e o que sentem, ao longo de décadas, quem está do outro lado e vê o seu mérito ser menosprezado. E claro, fica fácil quando depois quando se apontam dados concretos, nomeadamente na imprensa, e aí diz-se que não se quer comentar.
Outra coisa, é assim tão anormal ter o prazer de se celebrar um título na casa do seu maior rival? Isto só pode vir de alguém que nunca sentiu esse prazer extremo ( e, no caso, o Benfica e o Sporting que eu sabia, nunca foram campeões a jogar na casa do F. C. Porto).
Só pode vir de quem não sentiu o estádio do Dragão a estremecer no golo de Kelvin e o prazer supremo de conquistar um título frente ao maior rival ( ou encaminha-lo).
Não entende o que significa ir a casa do seu maior rival e não deixar margem para dúvidas da sua superioridade, levando ao ponto do rival ter o mau perder de ligar a rega e apagar a luz, algo que se fosse o F.C. Porto a fazer merecia investigações e repúdio nacional pelos comentadores e jornalistas em geral mas que, à época levou até que o próprio Jorge Jesus brincasse com o tema dizendo que não era eletricista. Muitos lestos a lançar suspeições e meter processos contra o Portimonense, o Benfica teve algum processo? Tem noção do perigo que constituiu para as pessoas que ainda estavam no estádio, ficarem completamente às escuras e com adeptos do Benfica ainda a saírem do estádio?
Quem não percebe a dimensão de uma rivalidade no desporto e o que ela significa, enquanto fenómeno social, também não percebe do jogo.
E gostando de história, poderá estudar os primórdios do futebol e o seu surgimento no Reino Unido e como as grandes rivalidades, inclusive as regionais, catalizaram a paixão pelo jogo, o interesse e a conexão entre uma determinada região e o seu clube.
Ver nisso algo mau, menor ou que revele algum tipo de complexo, é não conseguir entender o jogo na sua dimensão histórico-social. É esperar que o futebol viva num ambiente estéril quando o futebol veio das ruas, de sujar a roupa e não de polos aprumados do golf ou de desportos praticados essencialmente por elites como F1 ou Ténis.
Ontem o Josias dizia que era por isto que o nosso futebol não evoluía. E eu contrapus, mas alguém acha que um adepto do United quer ver o City a ganhar uma champions ou vice versa?
Para um adepto do Barcelona é-lhe indiferente ser campeão em pleno Santiago Bernabeu?
A rivalidade faz parte do jogo e também é o que potencializa que cada competidor esteja sempre alerta e a querer superar-se.
Em realação aos jogadores, em relação aos do Benfica, até poderei aceitar...mas em relação aos do Porto, achar que eles não entendem a dimensão deste jogo, da rivalidade e do que significa para todos ganhar o campeonato na Luz, é não conhecer de todo a realidade do contexto do Porto.
E pode ler os vários testemunhos ( durante esta semana no Jogo tem vários por onde escolher) de jogadores que não nasceram no Porto mas que beberam da sua cultura e essa não acontece apenas dentro do Olival. Os jogadores não são mentecaptos e têm até cada vez mais acesso à informação. Mas para além disso, faz parte da cultura da própria cidade. Eles saem. Eles vão às compras, vão almoçar e jantar fora, passear etc. E são abordados pelas pessoas na rua que lhes incutem sempre a cultura de exigência do clube...Dou-lhe o exemplo de uma história que o Paulo Futre gosta de contar e que espelha bem a diferença de como se vive um clássico em Lisboa ou no Porto e a cultura diferente dos clubes.
O Paulo contava que quando jogava no Benfica ou no Sporting as pessoas na rua paravam-no para lhe para elogiar a sua prestação no jogo. No Porto, já lhe estavam a dizer, Paulo, o próximo jogo é para ganhar, até os comemos. Tinham ganho um jogo mas já estavam era a pensar no outro e que era para ganhar.
Estes jogadores do Porto que o AT dá entender que lhes dá mais ou menos igual o ser campeão na Luz tem: Diogo Costa, João Mário, Vitinha, F. Vieira e Francisco Conceição, todos da formação e portistas desde o berço, tem o capitão Pepe, tem Taremi que tem sentido na pele o que é jogar no Porto e ser alvo de campanhas da imprensa de Lisboa, o AT acha mesmo que eles não vivem a rivalidade? Ou que Hulk não percebeu na época a dimensão da rivalidade e o gozo que lhe deu ser campeão na Luz, mais ainda com a vergonha que foi o processo do túnel?
Haverá maior privilégio que fazer a festa no estádio do maior rival, com transmissão da televisão desse clube que, incrivelmente, tem o direito de transmitir jogos e pode até lembrar-se de cortar a transmissão da festa... Mas claro que isso não é importante falar, é tudo coisas que a malta do Porto imagina e que nunca aconteceram...
Tenho a esperança que o Benfica entre apenas para discutir os três pontos , essa é a mentalidade correta . Se entrar a Pensar apenas na vitória como um meio de impedir a festa do rival estará mais próximo da derrota . O impedimento da festa será uma consequência dos 3 pontos e consequente vitória , não o ponto principal do jogo .