O valor da sedução
A um mês do fecho, ainda haverá uns 400 milhões de euros por circular no mercado. E tendo em conta o valor-sedução do estrangeiro, com a Premier League à cabeça, ninguém por cá pode descansar.
O hat-trick de Gonçalo Ramos ao Midtjylland, em jogo da terceira pré-eliminatória da Liga dos Campeões, levou a que fosse perguntado a Roger Schmidt se está preparado para perder o avançado que mais tem usado no seu 4x2x3x1. Ora, se de um ponto de vista de estratégia pura fará pouco sentido ao Benfica alienar já um jogador que parece lançado para uma boa época e não só pode ajudar a ganhar jogos no campo como pode render bastante mais no futuro, a questão serve para recordar que os campeonatos estão aí mas ainda falta quase um mês de mercado. E muita coisa pode ainda acontecer, sobretudo em Ligas periféricas como a nossa, que quase sempre dependem de vontades alheias e dificilmente conseguem contrariar o valor-sedução das Ligas principais.
A nossa ideia, centrada em Portugal, poderia levar-nos a dizer que a coisa está fechada. E era bom que assim fosse. Afinal de contas, os nossos clubes já venderam muito mais neste Verão do que tinham feito há um ano por esta altura. Se há um ano, os três grandes exportaram talento no mercado de Verão num valor global de 47 milhões de euros – aos quais acrescerão os valores das saídas de Nuno Mendes e Rosier, na altura emprestados com opção de compra –, esta época já vão em 216 milhões. São quatro vezes mais – e atenção que não estou aqui a contar com as tais transferências anteriormente acertadas mas completadas apenas nesta janela de mercado por razões contabilísticas. A questão é que a Premier League, que é cada vez mais o barómetro para estas coisas do mercado, ainda não atingiu sequer o volume global de gastos do Verão de 2021. O que quererá dizer que há ainda muito milhão a fazer força para sair dos cofres.
Mas vamos a dados concretos. No Verão passado, o Benfica recebeu 18 milhões de euros por Pedrinho, 12 milhões por Waldschmidt, oito milhões por Nuno Tavares e quatro milhões por Cervi. Não fez nenhuma grande operação. O FC Porto limitou-se a receber o valor acertado um ano antes por Danilo – 16 milhões de euros. E o Sporting, mesmo com o título de campeão nacional fresquinho, só transferiu Maximiano por 5,5 milhões, aos quais acresceria o valor já anteriormente acertado por Misic – dois milhões. Bem feitas as contas, e sendo justo que se some a estes valores os 38 milhões de euros da opção por Nuno Mendes e os 4,8 milhões de Rosier, o mercado de Verão de 2021 rendeu aos três grandes clubes portugueses um total de 90 milhões de euros. São os tais 47, mais os 42,8 de Nuno Mendes e Rosier. Ora este valor já foi pulverizado esta temporada.
Neste verão, a um mês do fim do mercado, só o Benfica já exportou mais de 100 milhões de euros: 75 milhões por Darwin, 13,5 por Everton, 7,3 por Jota – este empréstimo não tinha opção de compra obrigatória, pelo que o contabilizo agora, na data da decisão – seis por Gedson e 2,5 por Pedro Pereira. Como o FC Porto fez 41 milhões em Vitinha, 35 em Fábio Vieira, cinco em Francisco Conceição, três em Sérgio Oliveira e um em Marchesín, e o Sporting recebe 20 milhões por Palhinha, 3,5 por Sporar e outro tanto por Plata, o valor global deste mercado já vai nos 216 milhões de euros. Mesmo com alguns investimentos avultados que se fizeram, não deverá haver grandes razões para ser necessário vender mais. Só que é aí que entra o nosso caráter periférico. Muitas vezes não se vende porque tem de ser, vende-se por incapacidade de resistir ao apelo do mercado.
E aqui quem marca a tendência é inevitavelmente a Premier League, o único mercado vivo que ainda subsiste no futebol europeu – em Espanha o mercado são três ou quatro clubes, em Itália são quatro ou cinco, na Alemanha são dois ou três e em França só o PSG consegue tirar jogadores aos grandes de Portugal. Só para que vejam a diferença, na Liga Espanhola vista de uma forma global, gastou-se cerca de um terço dos valores despendidos pelos 20 clubes da Premier League, sendo que mais de metade desse valor total saiu dos cofres de Real Madrid e FC Barcelona e que só quatro dos 20 clubes participantes gastaram pelo menos 20 milhões de euros em aquisições – além dos dois gigantes fizeram-no o Atlético Madrid e a Real Sociedad. Mas centremo-nos na Premier League. O volume total de transferências no mercado da Liga inglesa neste Verão está atualmente nos 1.248 milhões de euros, menos 62 milhões do que o valor despendido no Verão passado. A diferença não é grande, mas a tendência normal do mercado neste período de pós-pandemia é de expansão. Se aplicarmos ao valor de 2021 um crescimento de dez por cento, verificamos que ainda haverá uns 200 milhões de euros para gastar. E se há 200 milhões de euros na Premier League, podemos adivinhar que haverá outro tanto no resto do mercado. Ora isso pode ser um problema para quem está deste lado.
A análise detalhada destes números diz-nos várias coisas. Uma é que a grande diferença entre os nossos grandes clubes e os clubes de média dimensão nas grandes Ligas não está no valor que se gasta em transferências. É verdade que 12 dos 20 clubes da Premier League gastaram mais este ano em transferências do que os 46 milhões investidos pelo Benfica, os 43 do FC Porto ou os 37 do Sporting. Mas em Espanha só o Real Madrid e o FC Barcelona os suplantam. E se a bitola forem os 100 milhões gastos pelo Benfica no ano do regresso de Jesus, esse valor só tem paralelo nos atuais 132 milhões do Arsenal, nos 108 do Manchester City ou do Leeds United ou nos 101 milhões do Tottenham. A diferença que nos deixa vulneráveis é o valor das grandes competições, seja em capital-sedução ou nos montantes pagos aos jogadores sob a forma de salário. É por isso que até 31 de Agosto nenhum treinador em Portugal pode estar tranquilo.
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