O sueco diferenciador
O impacto de Gyökeres no futebol português é fácil de explicar: explora aquilo que de mais frágil temos neste momento, metendo físico e capacidade de gerir o contacto na técnica.
Quem se lembra do estilo de narração televisiva do meu amigo Gabriel Alves não faz a ideia do trabalho que aquilo dava. Dizer “Littbarski, um metro e 68, 64 quilos” acrescentava a quem via as transmissões, porque esses eram dados de consulta bastante difícil naquela altura. Não havia formas fáceis de saber que Jordão era o mais alto dos avançados portugueses de elite, com o seu metro e 79 a ganhar por três centímetros ao metro e 76 de Fernando Gomes e por sete ao metro e 72 de Manuel Fernandes ou Nené, uma espécie de “sempre em pé” que, tal como o João Neves de agora, parecia mais pequeno do que era na realidade. Os portugueses eram globalmente mais baixos do que são hoje, naquele início de década de 80, o que levou a que um jogador relativamente banal no panorama internacional, o dinamarquês Manniche, que na terra dele era semi-profissional e ocupava os dias como decorador de interiores, tenha tido o efeito que teve por cá. “Sou mais alto do que os outros”, respondeu Manniche, quando assinou pelo Benfica, em 1983, e lhe perguntaram o que o recomendava. “É mesmo a minha única qualidade... Não encontro outra”, prosseguiu o dinamarquês, que media 1,96m e nem precisou de fazer assim tantos golos para marcar uma era, a dos “altos e louros”, e para fazer entrar no futebol nacional uma expressão que hoje parece tão datada que já ninguém a usa: a que catalogava alguns jogadores como “toscos”, isto é, dotados de pouca técnica individual. Mesmo descontando as diferenças nas épocas, Gyökeres é hoje muito melhor futebolista do que alguma vez aspirou a ser Manniche, mas aquilo que está a torná-lo tão impactante neste início de Liga é que, tal como acontecia com o dinamarquês, explora o que de mais frágil o nosso futebol tem neste momento. Se hoje já não faz sentido diferenciar um jogador pela altura, que gente acima do metro e 90 é o que mais se vê por aí, passou a ser elemento distintivo ter um avançado que não cai ao mais pequeno contacto, um jogador que recebe passes progressivos debaixo de pressão e aguenta a bola com a naturalidade de quem toma um café ou que arranca por ali a fora indiferente aos obstáculos que possam aparecer-lhe pela frente, porque ele sabe qual é o caminho e não tenciona parar para cumprimentar quem encontra. Gyökeres não é apenas uma montanha de músculos com um objetivo, porque se assim fosse seria mais facilmente contrariável – o compromisso que ele revela entre potência e habilidade evidencia um drible eficaz e uma boa finalização com os dois pés. Falta-lhe ainda afinar o jogo aéreo, coisa que provavelmente, aos 25 anos, já não vai a tempo de fazer e que o separa dos palcos mais bem iluminados do futebol europeu, mas não deixa na mesma de ser extraordinário que nunca tivesse sequer podido mostrar-se numa I Divisão antes de chegar a Lisboa. Ainda ontem, contra o Gil Vicente, voltou a ser o jogador mais decisivo da partida, com dois golos válidos e outros dois anulados por foras-de-jogo de meio palmo. O futebol explosivo e potente do sueco é, a par das conduções de Edwards e Catamo, a maior arma de uma equipa que vê anulada na baliza a vantagem que podia dar-lhe o seu comportamento defensivo exemplar – o Sporting é quem menos ocasiões de golo permite aos adversários, mas tem em Adán o guarda-redes da Liga que mais golos fica a dever ao coletivo. O que vai ver-se nas próximas duas jornadas, contra o Vitória SC e o FC Porto, é se isso chega para fazer a diferença face ao quarto lugar da época passada.
E agora, Brasil? O Real Madrid segue na frente da Liga Espanhola, ainda que acompanhado pelo surpreendente Girona FC, indiferente à onda de lesões que tem afetado o plantel. É, além disso, com o Manchester City, uma das duas únicas equipas com pleno de vitórias na fase de grupos da Liga dos Campeões. Tudo isso somado ao facto de ter transformado Bellingham num dos jogadores mais decisivos do futebol mundial leva a que comecem a circular rumores cada vez mais insistentes de que, afinal, Carlo Ancelotti vai renovar contrato. Aquilo que, após os 4-0 do Ettihad, em Maio, parecia impossível, afinal está para acontecer e seguramente será definido já em Janeiro. Em sérios riscos de ficar apeada está a seleção brasileira, que anda há um ano a saltitar de interino em interino à espera da chegada do velho italiano. Tite caiu nos quartos-de-final do Mundial do Qatar, Ramon Menezes perdeu dois dos três particulares que fez até Junho, contra equipas africanas, e depois de um início promissor também a estrela de Fernando Diniz está a apagar-se, em virtude dos quatro jogos seguidos sem ganhar, já nas eliminatórias do Mundial, três deles perdidos, contra Uruguai, Colômbia e Argentina. Até aqui, os adeptos iam aceitando tudo, porque aquilo que lhes era vendido era que estava aí a chegar Ancelotti. Mas o Mundial está a ano e meio e, mesmo que o apuramento deva na mesma ser conseguido sem problemas, convém começar a trabalhar para ele. E agora que já engoliram o orgulho de ver um estrageiro à frente do escrete, os brasileiros podem estar à beira de até aceitar que seja um português. Mais do que provável bicampeão com o Palmeiras, amanhã, Abel Ferreira tem capacidade para transformar esta seleção numa máquina de ganhar, ainda que seja a aborrecer. Afinal, Ferreira rima com Parreira. E 24 rima com 94.
O regresso de Carvalhal. Ver Carlos Carvalhal voltar ao ativo é sempre boa notícia. Vê-lo voltar a trabalhar numa equipa que tem a obrigação de propor jogo, como o Olympiakos – e isto por oposição a uma equipa que tenha de jogar mais atrás e lute sobretudo para não descer, como era o Celta – é ainda melhor notícia. A Grécia não é Espanha, mas o investimento que é sempre possível no clube do Pireu pode bem ser uma porta de entrada na próxima Liga dos Campeões e isso não é de se deitar fora. Há uns quinze anos, quando trabalhou no Asteras Tripolis, Carlos Carvalhal apontava a tendência dos gregos para partirem demasiado o jogo, que ele entendia mais contínuo, ligado e proativo. Ora se há clube em que pode marcar uma tendência é este. A proverbial impaciência de Marinakis, o milionário que está para comprar o Rio Ave – e aí está a ligação – pode ser um entrave, mas caberá ao mais adiado dos melhores treinadores portugueses impor as suas ideias com resultados. Aos 58 anos (feitos ontem), é altura de ele somar títulos nacionais às Taças (de Portugal e da Liga) que já ganhou no Vitória FC e no SC Braga.