O Sporting, os VMOC e a cidadania
O BCP fez um desconto monumental no resgate dos VMOC do Sporting. É mais um episódio de favorecimento a clubes, só possível porque não cumprimos os deveres de cidadania e apontamos na direção errada.
Tem sido muito contestado o monumental desconto feito pelo Millennium BCP ao Sporting no resgate dos Valores Mobiliários Obrigatoriamente Convertíveis (VMOC), em período pré-eleitoral nos leões. Depois de reeleito, Frederico Varandas apontou a recuperação dos VMOC e a certeza de que os leões não perderiam a maioria do capital da SAD como a melhor medida de gestão do seu primeiro mandato e a verdade é que desta vez nem um pio se ouviu vindo da oposição interna acerca do negócio – ouviu-se acerca do timing, mas também não se pode ter tudo. Ora quer isto dizer que o negócio, visto do ponto de vista dos leões, terá mesmo sido muito bom. E que, já se sabe, se foi muito bom para um lado, o mais certo é ter sido mau para o outro, o que ganha alguma relevância quando se trata de um banco que já recebeu apoios do estado. Até aqui, acompanho o raciocínio. Onde me recuso a seguir é no assacar de responsabilidades aos leões. A permeabilidade entre o futebol e a banca – ou entre o futebol e a política – tem sido quase sempre em benefício dos clubes, mas as ilações que temos de retirar daí são políticas e não clubísticas. Por mais que seja o futebol a mover as paixões e as irracionalidades de cada um.
Faz sentido andarmos todos a pagar, através dos nossos impostos, a viabilidade de bancos que depois fazem descontos desta dimensão a clubes, quando ainda por cima as condições de mercado dificilmente os justificariam? Eu digo que não. A operação de conversão da dívida bancária do Sporting em VMOC foi a forma encontrada, há anos, pela banca, para eventualmente vir a recuperar os créditos concedidos durante a euforia em torno da associação entre os clubes e as construtoras e da entrada das SAD em bolsa. O desconto feito agora – o Sporting pagou 0,168€ por cada VMOC emitida a um euro – já é de mais difícil compreensão. Explicam do lado do banco que tudo se deveu à vontade de sair do futebol, mas até isso poderia vir a ser conseguido em muito melhores condições. Porque, como tenho vindo a expor na série de artigos dedicados aos Donos da Bola, a realidade atual do mercado futebolístico global é de altíssima concorrência e a possibilidade de vir a dar a um investidor uma posição dominante numa SAD competitiva e com presença regular nas competições da UEFA vale muito mais do que os 14 milhões de euros pagos pelo executivo de Varandas para se ver livre dessa ameaça. Em suma, o Sporting fez um grande negócio, o BCP saiu depressa demais, impedindo-o de vir a capitalizar em cima da posição que os seus créditos lhe garantiam.
E a questão que se coloca aqui é: porquê? Já nem vou ao ponto de questionar as razões que levaram os bancos a entrar tão a fundo no futebol, aproveitando a ligação de Roquette e Ricciardi ao Sporting e de Ricardo Salgado ao Benfica e ao grupo que tomou conta do clube após as eleições de 1999 – a ponto de o próprio Luís Filipe Vieira já ter reconhecido que foi o Banco Espírito Santo que o pressionou para ir para presidente. Essas estarão provavelmente relacionadas com a ideia – que veio a revelar-se errada – de que o futebol seria a galinha dos ovos de ouro dos anos vindouros e que, impulsionado pelas ligações ao setor da construção civil e pelo Euro’2004, daria muito dinheiro a ganhar. Agora a razão pela qual quiseram sair tão depressa, não sendo por questões de liquidez – os 14 milhões de euros encaixados com esta operação são uma gota no oceano de problemas de um banco… – só pode ser por questões políticas.
Não estando eu minimamente capacitado para ser analista de risco na concessão de créditos ou no perdão de dívidas, estou convencido de que o BCP poderia, mais ano menos ano, converter os VMOC em muito mais capital, eventualmente à custa da perda da maioria do Sporting na sua SAD ou, em contrapartida, da perda de capacidade competitiva da equipa de futebol do clube, caso Varandas optasse por pagar à banca em vez de contratar jogadores. Do ponto de vista do banco, a vontade de sair do futebol é curta como explicação, porque essa saída concretizar-se-ia sempre. O que o banco quis evitar foi o odioso de poder vir a ser responsabilizado pelos adeptos sportinguistas se a fizesse numa posição mais vantajosa – por isso mesmo mais desvantajosa para o clube.
A questão de fundo é sempre a mesma: a paixão dos portugueses pelos seus clubes – e o ódio aos rivais – levam-nos à indignação sempre que um negócio destes se faz, mas ao mesmo tempo a apontar o dedo na direção errada. O Sporting não esteve mal ao aproveitar as facilidades concedidas pelo BCP, como o Benfica não fez mal em tirar vantagem das condições que lhe foram dadas pelo BES antes da construção do estádio, como o FC Porto não esteve mal ao aproveitar a cedência praticamente gratuita, por 50 anos, de um Centro de Estágio por parte da Câmara de Gaia, em resposta política de Luís Filipe Menezes à atitude confrontacional de Rui Rio face ao futebol, enquanto este foi autarca. Os clubes, aqui, jogam com a sua implantação popular e com a paixão que geram. Quem está mal, há muitos anos, são os responsáveis políticos que deixam que estas coisas se vão repetindo. E a esses ninguém pede responsabilidades, porque anda toda a gente entretida a tentar provar que o seu clube é que é impoluto e que os outros é que são todos beneficiados pelo sistema. O problema não é dos clubes. É nosso, enquanto cidadãos.
A culpa não são dos clubes, mas sim de quem permite fazer esses negócios arruinosos para a banca e sobretudo para quem paga os seus impostos. O problema são 2, quem permite não é responsabilizado e o adepto está mais entretido com a propaganda clubite que não quer saber que está a pagar para esses incompetentes.
Ainda assim acho este negócio muito estranho, custa-me acreditar que uma banca deixa-se perder dinheiro numa grande oportunidade de negócio como este. Espero estar enganado, mas no futuro ainda vamos ouvir falar deste negócio.
Realmente tem toda a razão, quem anda mal somos nós enquanto cidadãos, que não exercemos os nossos direitos e depois vamos aceitar como boa toda a informação que nos é veículada pelos nossos clubes. E neste caso sem dúvida que foi um negócio muito bom para o Sporting e mau para um banco privado(???), mas só se torna pior aos olhos do "mundo futebolistico" porque houve um dirigente com muito boa imprensa que decidiu justificar o insucesso do seu clube com o facto de outros realizarem este tipo de negócios!