O maior espetáculo do Mundo
A fuga para a frente de Joan Laporta mostra que em Barcelona, mais importante do que aprender com os erros do passado recente, é manter o público iludido. Bem-vindos ao maior espetáculo do Mundo.
Estou muito curioso com o momento, já prometido para 31 de Julho, em que Javier Tebas, o presidente da Liga Espanhola de Futebol, vai revelar os níveis de cumprimento das regras de fair-play financeiro das equipas que vão participar nas competições profissionais e se algumas delas ficarão impedidas de registar os novos contratos. Ainda estará na memória de todos o incidente do ano passado, quando o FC Barcelona percebeu que não podia ficar com Messi – e depois teve de se livrar de inúmeros jogadores antes de poder inscrever quem quer que fosse de novo. Pois bem: os catalães estão outra vez imparáveis e juntaram Lewandowski a Christensen, Kessié e Raphinha, como se o escorraçado Bartomeu tivesse incarnado em Joan Laporta e o vírus da insconsciência andasse outra vez à solta em Camp Nou. Apesar das críticas que fez a uma dívida superior a mil milhões de euros, dos problemas que a sua existência já lhe causou, o presidente do FC Barcelona tem a noção de uma coisa muito simples: o futebol é como o circo, é o maior espetáculo do Mundo, e o importante é manter o público sempre animado, mesmo que o acrobata tenha caído do trapézio.
Há dois pedaços da edição do Mundo Deportivo de hoje que são particularmente elucidativos. Na edição que reporta a chegada de Robert Lewandowski a Miami, onde foi recebido pelos futuros colgas de equipa e irradiou alegria – da mesma forma que vinha irradiando enfado nos últimos dias de treinos com o Bayern – o cartoon de Kap exibe um adepto culé ligado a um “ilusionómetro” e a exclamar, com ar alucinado: “Outra vez no máximo!”. Já a coluna do diretor do jornal, Santi Nolla, começa com uma picardia própria daquilo em que se tornou o jornalismo desportivo em Espanha – e de certa forma em Portugal também. “Não estará Mbappé, mas é possível que esteja Lewandowski, no clássico que se disputará na madrugada de sábado, em Las Vegas”. É a aplicação à realidade espanhola do cântico “Pouco importa, pouco importa, se jogamos bem ou mal”, que era entoado pelos adeptos da seleção nacional no Europeu de 2016. Na verdade, pouco importa, pouco importa se vai haver dinheiro para pagar, o importante é que o Real Madrid não conseguiu Mbappé e o FC Barcelona já tem por lá Lewandowski. “Toma, toma!”, como se dizia nos recreios quando eu ainda andava na escola primária.
Olhando para a parte futebolística, parece que o Barça está a montar uma super-equipa – e isso é bom. Só para o ataque, além de Lewandowski e Raphinha, contratados por um total de 103 milhões de euros, há Aubameyang, Depay, Dembelé, Ferrán Torres e Ansu Fati. São sete “titulares” para três posições, isto já para não falar de Braithwaite, que ainda por lá anda. Para o meio-campo, poderíamos achar que a ideia era construir em torno de Pedri, Gavi, Nico ou até Puig, aproveitando a experiência de Busquets, mas voltou Pjanic, foi contratado (a custo zero, mas com salário elevado) Kessié ao Milan e ainda por lá estão Sergi Roberto e Frenkie de Jong. “Ah, mas De Jong vai para o Manchester United e ajudará a pagar boa parte das aquisições”, dir-me-ão. Irá, certamente, se ele aceitar – e não está fácil – e se lhe pagarem uns 20 milhões de euros que ele reclama de valores em atraso. A defesa continua a ser a mana mais feia desta equipa: só chegou Christensen, do Chelsea, mais um a custo zero mas com um salário capaz de o convencer a trocar a Premier League inglesa pela Liga Espanhola. E isto só vem confirmar que o importante na cabeça de quem decide não é assegurar que não vai ser preciso andar a pedir aos jogadores para baixarem salários daqui a uns seis meses ou garantir ao treinador um coletivo equilibrado e vencedor. O importante é levar o ilusionómetro de Kap a rebentar a escala.
Jonathan Liew escrevia, com muita graça, no The Guardian de hoje que “Robert Lewandowski assinou um contrato de quatro anos com o FC Barcelona, o que significa que provavelmente ainda terá um ano e meio antes de lhe pedirem para aceitar um corte salarial”. Pode ser que não. Pode ser que a fuga para a frente agora ensaiada por Laporta acabe por resultar e que daqui por nove meses, com o Barça campeão e bem sucedido na Europa, o ilusionómetro de Kap acabe por ter repercussão na realidade. Mas para já tudo o que vejo ali é um senhor de fato garrido a gritar ao microfone com aquela voz da rádio dos anos 60: “Respeitável público, bem-vindos ao maior espetáculo do Mundo”.
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