O improviso de Schmidt
O Benfica apareceu em Arouca com três centrais e o sistema funcionou – apesar de pouco ter sido trabalhado. O improviso tem um grande mérito: deixa os adversários na dúvida. E resolve um problema.
Roger Schmidt foi a Arouca debaixo de pressão e provou que não é um paralelepípedo, que as pedras da calçada não mudam de forma. Apresentou a equipa com três centrais, em 3x4x3, melhorou a saída de bola, que ter ali o pé esquerdo de Morato dá um jeitão, teoricamente – porque eles não jogaram – achou a maneira de se notarem menos as debilidades de Bah ou Jurasek a desequilibrar desde trás, permitindo-lhes que se projetem mais no corredor, ganhou por 2-0 e praticamente nem deixou o adversário chegar perto da baliza de Trubin. Resolvida a questão, então? Ainda não. E creio que não terá sido só por vontade de deixar os próximos opositores na dúvida que o treinador do Benfica não garantiu a continuidade neste caminho tático nos próximos jogos. “Vamos ver no futuro como será. Claro que os dois sistemas são possíveis”, afirmou Schmidt. A dúvida é legítima porque, mesmo tendo resultado num jogo em que surpreendeu o adversário, a mudança de sistema exige trabalho que a equipa ainda não teve tempo para fazer e que, mesmo que o tenha feito antes, não foi certamente com João Neves e Aursnes a partir das alas. E é-o ainda porque se aquilo que levava à constante deambulação do norueguês pelo campo, mudando de posição semana após semana – ainda não tinha sido ala esquerdo no 3x4x3, porque a equipa não o usara... –, era o excesso de opções para os seis lugares à frente da linha de quatro defesas, pois agora esse excesso de opções agravou-se, uma vez que, voltando Bah e Jurasek para uma equipa num sistema que lhes faz bastante mais sentido a eles, as vagas à frente da primeira linha passarão a ser apenas cinco. Para distribuir entre Florentino, Kokçu, Neves, Aursnes, Chiquinho, Neres, João Mário, Di Maria, Rafa, Tiago Gouveia, Arthur Cabral, Gonçalo Guedes, Musa e Tengstedt – mesmo sem Kokçu e Neres, magoados, continua a ser muita gente. Sim, os dois laterais nem têm de ser aqueles, como se viu em Arouca, com as adaptações de Neves e Aursnes, mas no fundo o Benfica está neste momento a vacilar entre um sistema que até funcionou bem em Arouca mas que não trabalhou e outro, ao qual os adversários já se adaptaram e por isso têm sabido contrariar, mas que consolidou em ano e meio de treino e em função do qual terá construído o plantel. Schmidt até pode continuar neste caminho, Janeiro até pode trazer novidades no mercado, e as coisas podem perfeitamente compor-se – aliás, ganhando os próximos dois jogos o Benfica será líder, pelo que parecem profundamente exageradas tantas conclusões catastrofistas, mesmo que originadas pela fraquíssima produção na Liga dos Campeões. Mas enquanto espero pelos próximos desafios, fico com a sensação de que mais do que de uma revolução baseada no improviso, do que o Benfica precisava era de retoques, de acertar detalhes. E, sobretudo, de deixar os adversários na dúvida acerca da melhor maneira de se oporem a um campeão que jogava sempre igual e que por isso era cada vez mais facilmente contrariável. Essa foi a grande vitória do improviso de Roger Schmidt em Arouca.
O fim de Ten Hag. Não sou, já o sabem, regra geral, a favor de chicotadas psicológicas. E acho, também já o sabem, que Erik Ten Hag é um excelente treinador e que deu provas disso no Ajax com mais do que uma fornada de talentos. Mas há momentos em que é preciso pôr tudo em causa. E, sendo impossível parar a competição por uns três meses para recomeçar tudo do zero, a eliminação da Taça da Liga, o 0-3 contra o Newcastle United, em casa, marca o ponto sem retorno na carreira do neerlandês em Old Trafford. Pode nem ser despedido esta semana, este mês. Mas dali não há recuperação. Nada funcionou naquele show de horrores. No primeiro golo, o de Almirón, podemos ver a arrancada de Livramento, que correu mais de meio-campo com a bola antes de descobrir o sprint do paraguaio, mas é impossível não ver a forma como Garnacho é desarmado, o modo como Mount aborda o adversário em aceleração completamente parado ou como Dalot reage tarde na antecipação da trajetória do marcador, abrindo porta à assistência. O segundo nasce de uma abordagem apática de Dalot e Casimiro ao passe de Almirón para Willock – não houve quem achasse que ele ia lançar o companheiro em direção à linha de fundo? E o terceiro é mais um exemplo de passividade, porque após o desarme de Joelinton a Amrabat, Willock correu para a área em um para quatro, mas mesmo assim foi-lhe dado o espaço e o tempo para definir como quis, com um remate junto ao poste esquerdo da baliza de Onana. O Manchester United tem bons jogadores e tem um treinador de qualidade, mas nem sempre isso chega, porque há alturas em que uns não jogam com os outros. Poderiam vir a jogar no futuro, como aconteceu com Ferguson há 40 anos? É verdade que sim. Mas o Mundo anda hoje muito mais depressa. E o tempo esgota-se com rapidez.
Xhaka ou Rice. Radiante com a contratação do médio internacional inglês Declan Rice, por quem o Arsenal pagou, em Julho, 116 milhões de euros ao West Ham, Mikel Arteta não hesitou em deixar sair Granit Xhaka, por quem recebeu 15 milhões do Leverkusen. Três meses depois, quem está à frente da sua Liga e a praticar um jogo de manual é a equipa alemã (e dediquei-lhe o Futebol de Verdade Report desta semana, que pode ver aqui). Ontem, nas Taças, a noite era especial para Rice, porque o Arsenal ia visitar o West Ham. O médio começou no banco, entrou com os seus a perder por 2-0 e não foi capaz de dar a volta ao jogo, que três minutos depois de ele estar em campo a equipa de Moyes fez o terceiro – e o jogo acabou em 3-1. Xhaka foi pela primeira vez suplente ao 14º desafio do Leverkusen, uma visita ao SV Sandhausen, da 3. Bundesliga, mas entrou aos 2-2, com risco de prolongamento bem evidente, acabando por contribuir para a vitória (5-2) construída com três golos nos últimos cinco minutos. Quer isto dizer que afinal o Arsenal fez mal e que mais lhe valia ter ficado com o dinheiro e com Xhaka? Não. Quer dizer que ontem, que nestes três meses, está a correr assim. Mas ao contrário do que sucede em Old Trafford há tempo para inverter a história.
Israel e a Palestina no futebol. Não vejo mal nenhum na exibição massiva da bandeira da Palestina, feita pela Green Brigade, uma das claques organizadas do Celtic Glasgow, no jogo da Liga dos Campeões contra o Atlético Madrid. Mas a administração do clube escocês viu e suspendeu os bilhetes de época de cerca de 200 membros do grupo, proibindo-os de ocupar as respetivas cadeiras na curva norte do Celtic Park. Também não vejo mal nenhum na tarja do Chelsea Israeli Supporters Club que há anos se vê em Stamford Bridge, reforçando a ligação do clube londrino à comunidade judaica, apesar de esta ser mais comummente associada ao Tottenham. Mas a administração do Chelsea viu, porque essa tarja tinha uma estrela de David, um dos símbolos que a Premier League desaconselhou na sua recomendação de afastamento entre a política e o futebol – e a tarja foi retirada, decorrendo agora o processo de negociações para se perceber o que pode incluir a nova versão. É fácil vir agora apontar a cobardia ou a tirania de quem decide estas coisas no futebol. “Estão a proibir as pessoas de exprimir o que pensam”, acusam. A questão é que a generalidade das pessoas não pensa como eu e consegue ver insultos na mera expressão do pensamento individual. Até aos comentadores políticos em estúdio, tantos deles defensores apaixonados de um dos lados, já consegui ouvir argumentos que só julgava possíveis na baderna que são as cartilhas do futebol. “Ai agora é penalti? Olha que quando o teu defesa tocou no avançado dos outros já não viste falta”, dizem, tratando crimes de guerra como toques na área aos quais é importante avaliar a célebre intensidade. O futebol é um campo fértil para gerar conflitos. Num estádio, rapidamente alguém com uma bandeira da Palestina se cruzaria com alguém com uma estrela de David, a coisa fazia faísca e a bancada corria riscos de se transformar numa mini faixa de Gaza. É isso que se pretende evitar com esta medida, que não só parece uma supressão das liberdades como é, de facto, uma supressão das liberdades. E embora me emocione a coragem de quem defende causas e vai fazê-lo para os estádios de forma ordeira, embora seja pela liberdade de expressão, pela auto-determinação da Palestina e pelo direito a existir do estado de Israel, embora reconheça que a prevenção é o primeiro passo em direção à odiosa ditadura, ainda consigo concordar com estas proibições. Porque as pessoas são sempre um problema.