O regresso do grande futebol
Além da portuguesa, começam hoje três das cinco grandes Ligas europeias. É o regresso das grandes assimetrias num futebol rico e gerador de receita. Aproveitem, que não dura muito.
Está de volta o grande futebol. Não é só a Liga Portuguesa que abre hoje – e desse arranque falarei com mais detalhe no Futebol de Verdade, no meu canal de YouTube (que podem seguir aqui), às 12h30. Hoje começam igualmente a Premier League inglesa, a Bundesliga alemã e a Ligue 1 francesa, além de entrarem em campo as primeiras equipas da Série A na Taça de Itália. Há cada vez menos espaço para surpresas, tamanha é a capacidade de investimento das maiores equipas, que se tornarão maiores se vistas dentro das suas realidades nacionais, gritando cada vez mais alto pela necessidade de uma SuperLiga que tenha capacidade de responder aos desafios globais da economia. Enquanto isso não acontece, no entanto, mais vale desfrutar do que temos.
É próprio do sistema em que vivemos que os grandes se tornem cada vez maiores – e não, isso não é uma questão exclusivamente nacional nem própria do futebol. Acontece em todas as áreas nas quais a economia joga um papel vital e em que os milhões são conversa banal. No futebol, vê-se em todos os grandes campeonatos. Aborrece-nos que em Portugal ganhem sempre os mesmos? Na verdade não, porque 95 por cento dos adeptos de futebol no nosso país torcem por um desses três e ficam naturalmente felizes quando ganham. De qualquer modo, se olharmos para a coisa a dez anos, Portugal não é exceção. Tivemos três clubes campeões, nenhum dos quais conseguiu vencer mais de cinco campeonatos – cinco do Benfica, quatro do FC Porto, um do Sporting. Neste período, só a Premier League inglesa teve mais campeões – cinco, com o Manchester City a levar metade dos troféus, mas arranjando ainda espaço para dois campeonatos do Chelsea, um do Liverpool FC, um do Leicester City e um do Manchester United.
Espanha está como nós, entre FC Barcelona (cinco Ligas), Real Madrid (três) e Atlético Madrid (duas). Os Países Baixos também, com cinco campeonatos do Ajax, três do PSV Eindhoven e um do Feyenoord – o de 2020, em que o AZ Alkmaar estava na discussão, não foi atribuído por causa da pandemia. E se chegamos a França, Itália ou Alemanha quase nem vale a pena fazer contas. Em França, o Paris Saint-Germain ganhou oito dos últimos dez campeonatos, só deixando um para o Lille OSC e outro para o AS Mónaco. Em Itália, ainda que a Juventus tenha ganho igualmente oito das derradeiras dez edições da Série A, perdeu as duas últimas, uma para o Inter e outra para o Milan o que gerou uma realidade invulgarmente competitiva no topo. E na Alemanha o Bayern já leva dez campeonatos conquistados de enfiada desde a Bundesliga ganha pelo Borussia Dortmund em 2012.
Esta espécie de oligarquia de campeões, gerada sempre que o desporto de alta competição se mistura com dinheiro e a capacidade de investimento gera mais e mais rendimento, é mais ou menos inevitável. Podem sempre alegar que o desporto americano tem mecanismos para a impedir – e é verdade. A NBA, por exemplo, teve sete campeões diferentes nos dez últimos anos. A NFL foi ainda mais variada: teve oito campeões nas dez últimas edições do Superbowl, tantos quantos os que teve a MLS, a Liga norte-americana de “soccer”. Mas tanto a NBA como a NFL, a MLS ou a generalidade das Ligas norte-americanas se rege por um sistema bastante diferente: são Ligas fechadas, onde é possível estipular regras salariais ou de recrutamento incompatíveis com o mercado livre e global que vigora no futebol mundial. São, se quiserem, aquilo que a tão odiada Superliga representava para o futebol ao nível da regulação por parte dos clubes convidados a participar ou da seleção dentro de um paradigma alargado que tem muito mais que ver com a realidade do século XXI. É que, convém não esquecer, em termos de dimensão, os Estados Unidos são mais um continente do que um país e uma das questões que as Ligas europeias de futebol precisam de atacar rapidamente é a da dimensão: é normal do sistema capitalista global que, na micro-realidade de cada país, surjam uma, duas ou três empresas dominadoras, que na verdade só encontram competição a partir do momento em que se expandem internacionalmente.
É daí que nascem as grandes diferenças entre os candidatos ao título de cada uma das nossas Ligas e os outros. O FC Porto foi, nas sete principais Ligas, o campeão com maior percentagem de pontos ganhos em 2021/22: 87,5 por cento. E isto até podia ser visto apenas como prova de mérito dos dragões não tivesse o Sporting, segundo classificado da Liga Portuguesa, obtido uma percentagem de pontos superior à de qualquer campeão nacional nas outras seis: 81,7 por cento, face aos 81,5% do Manchester City, os 79,8% do Ajax e os 75,4% que foram comuns a Bayern, Real Madrid, Milan e Paris Saint-Germain. Ora é aqui que, por ser um mercado mais pequeno, Portugal encontra o maior desafio. Se tomarmos como boa a avaliação feita pelo Transfermarkt relativamente ao valor de cada um dos plantéis que arrancam para as Ligas de 2022/23, Sporting (258,7 milhões de euros), FC Porto (252,7 milhões de euros) e Benfica (248 milhões de euros) valem 67,2 por cento da totalidade da Liga Portuguesa. No resto da Liga, só o SC Braga apresenta um valor superior a 100 milhões de euros (112,7). E 13 das 18 equipas valem, ainda de acordo com aquele portal especializado em transferências, menos do que o jogador mais valioso da Liga, que é Matheus Nunes (35 milhões de euros).
Ora é esta assimetria que urge combater para termos uma Liga mais interessante. Os três plantéis mais valiosos da Premier League, por exemplo, valem apenas 29,6 por cento do total da Liga. São o do Manchester City (1.010 milhões de euros), o do Liverpool FC (870 milhões) e o do Chelsea (840 milhões). Na Serie A italiana, o Inter (633 milhões), o Milan (521 milhões) e a Juventus (501 milhões) estão avaliados em 36,4 por cento da soma de todo o campeonato. A Alemanha tem mais assimetrias, mas apesar da enorme superioridade do Bayern Munique (870 milhões) sobre o Borussia Dortmund (509 milhões) e o RB Leipzig (476 milhões), a soma dos três responde por apenas 44,6 por cento do valor global da Bundesliga. As diferenças são ainda maiores em França, onde o Paris Saint Germain está avaliado em 961 milhões de euros, o AS Mónaco em 337 e o Olympique Lyon em 311, mas a soma dos três equivale a 46,5 por cento da totalidade da Ligue 1. Em Espanha, o Real Madrid está creditado em 834 milhões de euros, o reforçado FC Barcelona em 808 milhões e o Atlético Madrid em 671, mas apesar de concentrarem grande parte dos investimentos estes três valem apenas 46,7 por cento da Liga. Só os Países Baixos têm uma realidade aproximada à portuguesa, pois ali o Ajax (253 milhões de euros), o PSV Eindhoven (200 milhões) e o Feyenoord (141 milhões) representam 66,7 por cento da totalidade da Eredivisie.
Só as Ligas maiores, a viver em países maiores, conseguem margens que as tornem realmente competitivas. É por isso que, não sendo possível no sistema vigente estipular regras como as do desporto americano, a resposta do futebol europeu tem de ser só uma: expandir, alargar fronteiras. Vai começar hoje a época de 2022/23 e esta é mais uma das razões para que dela desfrutem: aproveitem, que isto não vai durar muito tempo.
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