O regresso do FC Porto
A superioridade do FC Porto sobre o Shakhtar pode explicar-se com a noite de Galeno, com as fragilidades do adversário, mas também com o regresso da equipa ao plano que melhor domina.
Um, dois, três! O FC Porto não necessitou de mais do que meia-hora para anular a oposição do Shakhtar Donetsk na primeira jornada da fase de grupos da Liga dos Campeões. Foram três golos em 29 minutos, suficientes para garantir uma hora de gestão ativa dessa vantagem e um arranque com personalidade da equipa de Sérgio Conceição na prova. No final, o treinador veio lembrar uma verdade absoluta e afirmar que “nem tudo estava mal” na sexta-feira, na Amadora, “nem agora está tudo bem”. Mas é legítimo que se diga que se há dias se viu muita coisa mal, a começar pelo desconforto de vários jogadores face às missões que lhes tinham sido entregues, ontem já se viu muita coisa bem – e a esse facto não é alheio o regresso a um plano que a equipa domina como nenhum outro. Sim, Galeno viveu uma noite excelente, com dois golos e uma assistência, em boa parte edificados em cima da sagacidade estratégica de um onze que saía invariavelmente pela direita, por João Mário, atraía o adversário para ali e depois aproveitava as suas deficiências de pressão para variar o lado do jogo e surpreender num flanco desguarnecido. Sim, este Shakhtar pareceu de um nível abaixo do que se exige na Liga dos Campeões, comprovando em campo aquilo que já se sabia, que com a perda das suas estrelas estrangeiras dificilmente pode fazer o que quer que seja – mas ainda assim foi esta a equipa que na época passada arrancou com uma surpreendente vitória em Leipzig. A grande diferença entre as noites da Amadora e de Hamburgo, porém, parece-me ter sido o regresso do FC Porto ao seu híbrido entre o 4x4x2 e o 4x3x3, mesmo sem os contributos das peças móveis do sistema, que eram Uribe e Otávio. Alan Varela dividiu com Eustáquio – como Uribe já fazia, às vezes até com o próprio Otávio – o encaixe entre os defesas-centrais na saída de bola e fê-lo com qualidade. E se é certo que, com a bola, o FC Porto saiu sempre a três, tanto na Amadora como em Hamburgo, não foi nesse momento que se notou desconforto na sexta-feira: foi quando lhe tocou condicionar o adversário, algo que ontem fez mais à frente, porque, conforme o próprio Conceição admitiu, “queria mais um homem na linha média”, e não atrás, como fizera na Amadora, ainda por cima com uma linha de cinco em que Gonçalo Borges, Wendell e até Galeno evidenciaram fragilidades defensivas. Depois, André Franco mostrou-se ontem ofensivamente mais perto do que dava Otávio pelo terreno que foi pisando, entre o meio e a direita, ainda que preferindo explorar o espaço ele mesmo a lançar para lá os colegas. E Ivan Jaime foi peça-chave no bloqueio defensivo ao jogo da equipa ucraniana, tapando as vias de abastecimento a Stepanenko, o médio onde tudo começava. Na véspera, confrontado com as declarações depois retiradas pelo capitão ucraniano, a mostrar algum desprezo pelas capacidades do FC Porto, Conceição disse – bem – que não estava preocupado com o que ele dizia mas sim com o que ele podia fazer em campo. Quem via Ivan Jaime no FC Famalicão dificilmente poderia achar que ele seria a resposta defensiva para esse problema – e o facto de a ter sido foi a maior vitória do FC Porto em Hamburgo.
Noite de portugueses. Só vi highlights, mas é impossível não notar que João Félix – mais dois golos e uma assistência em nova goleada do FC Barcelona –, Rafael Leão – apesar do 0-0 do Milan, em parte explicado pela sua tentativa falhada de golo de calcanhar depois de superar a solo toda a defesa do Newcastle United – e Vitinha – instrumental nos 2-0 do Paris Saint-Germain sobre o Borussia Dortmund – foram escolhidos como melhores em campo nos jogos de ontem da Liga dos Campeões. Há margem para sonhar.
O Marão do GD Chaves. É preciso recuar até ao século passado, para encontrar uma equipa que se tenha salvo da descida de divisão depois de somar zero pontos nas primeiras cinco jornadas de um campeonato em Portugal. Aconteceu com o Campomaiorense, que em 1999 perdeu cinco vezes de enfiada, manteve a confiança em Carlos Manuel, o treinador que vinha de dois falhanços no Sporting e no SC Braga, e acabou por ver a perseverança recompensada com o 13º lugar, três pontos acima da linha de água. Mas para que se entenda a montanha, o autêntico Marão que está à frente dos transmontanos, na altura em que acabam de prescindir dos serviços de José Gomes – um treinador que na época passada desceu na II Liga espanhola com a Ponferradina e na Liga Portuguesa com o Marítimo – nem é necessário consultar as previsões que fiz para este campeonato, nas quais já apontava o GD Chaves como candidato sério à despromoção (pode lê-las aqui). Basta ver que desde que o Campomaiorense operou esse milagre da salvação, ele não foi repetido nem pelo Trofense em 2008/09, pela Académica em 2015/16 nem pelo FC Paços de Ferreira e pelo Marítimo na época passada. Vi o GD Chaves jogar duas vezes esta época: não estiveram mal contra o SC Braga, foram um desastre ante o Boavista. E é certo que quem entrar sabe que dificilmente poderão exigir-lhe seja o que for, mas esta está muito longe de ser uma situação win-win.
Espanha na era do “chito”. Está o fim do mundo na seleção espanhola de futebol feminino, campeã do Mundo na Austrália. Já foi afastado Jose Luis Rubiales, o presidente beijoqueiro e desrespeitador, que se comportava como se fosse o dono das jogadoras. Já saiu Angel Vilda, o treinador que elas não queriam, substituído por uma mulher, Montse Tome, como se tudo se resolvesse com a mudança de género de quem escolhe. As mundialistas pediram escusa da convocatória para a estreia na Liga das Nações, chamada à qual só responderam porque foram ameaçadas por responsáveis políticos com sanções pecuniárias elevadíssimas. As que foram chamadas compareceram de rostos fechados e responderam invariavelmente “não” a quem lhes perguntou se estavam felizes por estar ali. Jenni Hermoso, a do beijo roubado, não foi chamada, diz a nova selecionadora que para a proteger, mas aparentemente era a única que queria ir, ou não tivesse ela imediatamente contestado esta omissão. Quem está de fora tem muitas dificuldades em entender o que se passa. E é normal, porque as jogadoras ainda não o explicaram. Ao mesmo tempo que diz que elas “têm receio” de se expressar abertamente por temerem vir a enfrentar ações por difamação, Victor Francos, presidente do Conselho Superior do Desporto, recentemente instalado como mediador do conflito, não nega que o que está em causa é a vontade de reformar de base uma federação dominada pelos caciques das associações regionais. De repente, com esta evocação, vi-me transportado para as tardes intermináveis no Hotel Altis, na década de 90, quando as assembleias-gerais da Federação Portuguesa de Futebol dominavam a atualidade do futebol nacional, quando os “chitos” e as tecnicalidades alegadamente jurídicas que interessavam apenas aos que as esgrimiam vinham eternizar o imobilismo e fazer perder o tempo de todos. Fiquei feliz por ver que, nisto, estamos uns 20 anos à frente dos espanhóis, que por cá a reforma já foi feita, mas ao mesmo tempo inquietou-me a ideia do que poderia ter acontecido se naquela altura o futebol feminino já tivesse alguma expressão.
A nossa Fantasy. Decidi ontem, em cima da hora, pressionado pelos amigos que já vou tendo no meu servidor de Discord, lançar uma Fantasy League da Champions do Futebol de Verdade e do meu Substack. A coisa foi feita muito à pressão, tão à pressão que não a anunciei – e não há ação de marketing mais falível do que a que não é anunciada... Ainda assim, já somos 77 na Liga FDV. Se já tem uma equipa feita no site ou na App da UEFA, pode juntar-se a nós e ter o prazer de me ganhar, o que não deve ser difícil. Mais complicado é ganhar a alguns craques que lá estão. O código de acesso é 30G7AN8X08. Se ainda não fez equipa, ainda vai a tempo: mesmo que não possa somar pontos com os futebolistas que já jogaram ontem, pode escolher só malta que sobe ao campo hoje. No final, haverá prémios para os três melhores entre os que se fizerem subscritores Premium do meu Substack até 15 de Outubro – o primeiro ganha a camisola oficial de uma equipa da Champions à escolha, os dois que se seguirem receberão livros. Venha daí jogar connosco.