A pantera esfomeada
O Boavista entra em campo com fome de vitórias: mais que defender a liderança, ataca-a com um futebol largo e ligado. Mas convém perceber a dimensão total do fenómeno e o papel da entidade reguladora.
Está uma máquina, o Boavista de Petit. Sentei-me ontem no sofá para ver a equipa axadrezada defender a liderança na Liga, contra o GD Chaves, e o que vi foi o exato oposto: onze panteras a atacarem o primeiro lugar, indiferentes aos resultados dos grandes condicionalmente à sua frente. Foram quatro golos em 20 minutos, a arrumar desde logo a questão e a transportar o drama para a sexta jornada, em que, das duas uma, ou cede o Boavista ou se afunda ainda mais o SC Braga. Há dois caminhos por onde podemos levar a análise ao líder-surpresa da Liga – e é importante que os não misturemos, porque ambos são relevantes e nenhum deles deve tirar palco ao outro. Um, o primeiro, manda falar do futebol de uma equipa que já joga de cor num 4x3x3 assente na saída dos laterais Malheiro e Bruno, na estabilidade garantida pelo médio posicional Pérez, no espaço ocupado pelo omnipresente Makouta, na coabitação de extremos tão diferentes como o rotativo Agra e o imaginativo Morais e na veia goleadora de Bozenik, o melhor marcador da competição, ontem autor de um bis que incluiu um primeiro golo de grande beleza estética e dificuldade de execução. Nove membros do onze-base deste Boavista foram titulares nas cinco jornadas da Liga, enquanto que os dois únicos que para já falharam nalgum momento foram substituídos pelo mesmo suplente, Filipe Ferreira, o 12º jogador. É tão evidente que este Boavista assenta nas rotinas que o seu onze criou como que lhe será difícil, por exiguidade de recursos, começar a introduzir-lhe alterações no dia em que o campeonato a isso o obrigar, por lesões, castigos ou pelo risco de desagregação que a atual situação financeira acarreta. E é esse o único momento em que os dois caminhos se misturam: a existência de salários em atraso, reconhecida pelo próprio treinador nas vésperas do jogo com o GD Chaves, vem enfatizar ainda mais a dignidade e a união de um lote de profissionais que se agarra ao espírito de equipa, à possibilidade de estarem lá uns para os outros de modo quase fraternal, como forma de compensar aquilo com que o clube está a faltar-lhes, mas é uma realidade inaceitável numa Liga de topo como quer ser a nossa. E é mais ainda quando se percebe que a situação não é fruto de um azar momentâneo mas sim de uma estratégia delineada antes de começar a época. Quando o Boavista assume que optou por não vender passes de jogadores no mercado de Verão, aceitando a impossibilidade de vir inscrever novos elementos, porque acreditava que aqueles de que dispunha podiam valorizar-se esta época e que, dessa forma, teria condições de os transacionar com ganho mais tarde, está a estabelecer uma estratégia inteligente para a qual pode até ter obtido o assentimento dos jogadores do plantel, dispostos a fazer o sacrifício. A questão é que não teve seguramente o acordo dos credores externos e dificilmente o terá também dos adversários, confrontados com a situação em que quem está a falhar, acima de tudo, é a entidade fiscalizadora. E é uma pena que isso aconteça, porque todos gostamos de um “underdog” e sabemos o bem que a sua existência pode fazer a campeonatos em risco de cristalização de elite como é o nosso.
O último bonacheirão. Marinho Peres foi um dos últimos representantes de uma escola de treinadores que, sem desprezar a ciência que entretanto se impôs à profissão, fazia da arte de levar os outros com boa disposição a base do sucesso. Marinho não era um empirista puro, não tivesse ele trabalhado debaixo das ordens de Rinus Michels em Barcelona ou encontrado no cerebral Paulo Autuori a muleta para o início da aventura portuguesa, mas é inevitável que quem com ele privou recorde mais do que os resultados e, com a notícia da sua morte, evoque o jeito bonacheirão de que ele nunca abdicou nas épocas sucessivas em que levou o Vitória SC e o Belenenses a intrometer-se entre os grandes e, depois de voltar ao Brasil, os azuis a ganhar a Taça de Portugal e o Sporting às meias-finais da Taça UEFA. Estou a vê-lo, nos seus seguramente mais de 100 quilos, a rir às gargalhadas no túnel de acesso aos balneários do velhinho Achter de Kazerne, em Malines, enquanto se abraçava a um técnico de manutenção do relvado que era ainda mais pesado do que ele e nos dizia, aos jornalistas presentes: “Tive de vir à Bélgica para encontrar o meu irmão”. O belga, que não entendia nada do que estava a passar-se, sorria contrafeito com a atenção que lhe era dedicada. A cena fará no mês que vem 33 anos e aconteceu na minha primeira deslocação a acompanhar uma equipa nas provas europeias. Foi também a última vez – e depois fiz dezenas de viagens com equipas nacionais... – em que fiquei no mesmo hotel dos jogadores. Era assim Marinho Peres, descomplicado.
The Chaaaaaampions. É altura de afinar as gargantas, que está aí a Liga dos Campeões e o hino das estrelas já vai fazer-se ouvir logo, ao fim da tarde. FC Porto, Benfica e SC Braga serão os participantes nacionais na edição deste ano e os azuis e brancos terão mesmo a honra de abrir a representação lusa já hoje, contra um Shakhtar ele sim em reconstrução profunda desde que a guerra na Ucrânia lhe levou boa parte das suas estrelas internacionais. A ocasião pareceria perfeita para Sérgio Conceição conseguir, à sexta participação, a primeira vitória na jornada de abertura, não estivesse o FC Porto a atravessar igualmente um período conturbado de aprendizagem do que é a vida sem elementos preponderantes como Uribe e Otávio, ainda por cima sem contar com o enquadramento tranquilo que podia dar-lhe Marcano. A verdade é que, mesmo sem mostrar bom futebol – foi o próprio Conceição que o reconheceu – e tendo conseguido cinco dos 13 pontos nos descontos dos jogos, o FC Porto tem obtido resultados que lhe garantem a presença no trio de líderes do campeonato. Ao contrário do que se viu no arranque do ano passado, porém, quando a crença na consolidação do processo lhe permitiu aparecer contra o Atlético, em Madrid, com Taremi, Evanilson e Galeno em simultâneo desde o início, muito me espantará que Conceição abdique hoje de entrar no relvado de Hamburgo com quatro médios, mesmo que dois deles sejam os criativos Franco e Jaime e a inclinação geral se faça depois pela escolha do homem que acompanhará Varela: Nico, Eustáquio ou Grujic? Seja como for, é para ganhar.
No início das épocas, aparece sempre uma equipa a destacarse.
Na época passada foi o Casa Pia.
O problema é aguentar a época a fazer estes resultados e exibições e normalmente na segunda caiem a pique