O regresso de Mourinho
A AS Roma dá sinais de estar a criar um ambiente favorável ao regresso do Mourinho dos bons tempos. Não é favorita na Serie A, mas vai pelo menos morder os calcanhares aos grandes do Norte.
Dizem-me tantas vezes que José Mourinho está ultrapassado e respondo que não é possível, que um treinador que andou sempre na vanguarda não pode, nem em doze anos, que foi o tempo que passou desde a sua última Champions, tornar-se obsoleto. Hoje, a ler o trabalho de Andrea Pugliese na Gazzetta dello Sport sobre os telefonemas feitos por Mourinho para convencer os craques que queria a juntarem-se ao grupo – o último foi Dybala e o próximo pode ser Wijnaldum –, vi outra vez o treinador cativante com quem falava com regularidade no início de carreira. Além das questões metodológicas, que dependem sempre mais de uma equipa técnica que está em permanente renovação, e das opções estéticas, que nem sequer são para aqui chamadas, Mourinho foi sempre, quando teve sucesso, uma espécie de irmão mais velho dos jogadores. E esta relação fraterna só se consegue em plantéis curtos, onde há menos gente insatisfeita por não jogar, e por outro lado em plantéis mais sedentos, onde há menos jogadores com a barriga cheia de títulos. A Serie A deste ano promete, com Milan, Inter e Juventus fortíssimos, mas não sou capaz de colocar fora deste lote de candidatos uma AS Roma que me parece à medida do Mourinho do início do século.
A carreira de Mourinho tem esta constante, que as brincadeiras com os alvos de mercado reveladas no texto de Pugliese me trouxeram à memória. “Queres vir aproveitar o sol ou ficas aí a levar com a chuva?”, perguntou ele a Abraham no ano passado, para o convencer a trocar o Chelsea pela equipa da capital italiana. “Que camisola queres? Pode ser a 9?”, disse a Eto’o em 2009, assim mesmo, de rompante, quando o convenceu a deixar o FC Barcelona e a assinar pelo Inter, onde foi fundamental na conquista da Champions de 2010. E se nestes casos se mostra o Mourinho sedutor, outros revelaram o treinador que passa moral. “Eu não jogava há cinco ou seis meses e só o facto de ele me querer era um sonho”, contou Pandev, outro dos jogadores que cresceu no Inter, a quem Mourinho ligou meia-hora depois de ele ter sido dispensado da Lazio. “Falámos só um minuto, mas foi o suficiente para ele me dar confiança e para me dizer como eu seria importante”, lembrou o espanhol Pedro, que Mourinho contratou para o Chelsea em 2015, em antecipação ao Manchester United. Desta vez foi Dybala quem trouxe o tema para a ribalta. “Os telefonemas com o ‘mister’ foram importantes”, revelou o astro argentino que deixou a Juventus. E já se especula sobre o que poderá Mourinho dizer a Wijnaldum para o levar a sair do PSG e a aceitar um empréstimo à AS Roma.
A questão do milhão de euros, aqui, é a de se perceber porque é que esta relação nem sempre funciona. Porque é que Mourinho é tão frequentemente acusado de empurrar os jogadores para debaixo do autocarro – a expressão é inglesa e não encontro nenhuma melhor no nosso léxico – quando as coisas correm mal. Essa, no entanto, acaba por ser uma falsa questão, se olharmos para ela com atenção. Porque Mourinho sempre liderou pelo exemplo negativo como forma de unir o resto do grupo nas boas práticas. Sempre sacrificou a ovelha negra para puxar pelas que acha que pode aproveitar. A sua primeira experiência como treinador, no Benfica, foi curta, mas teve casos reveladores com Sabry e Maniche. O egípcio foi derretido numa conferência de imprensa em que o treinador o acusou até de demorar demasiado tempo a preparar as chuteiras antes de entrar em jogo. Ao português foi-lhe dito, em privado, antes de o mandar treinar para a equipa B, que ou tinha “um problema físico ou então um problema mental”, dada a forma molengona como cumprira os exercícios de um treino. O primeiro não entendeu a mensagem e nunca mais foi ninguém no futebol, o segundo arrepiou caminho e ainda foi campeão europeu com Mourinho, no FC Porto, quatro anos depois. Portanto, quando o treinador criticou gente como Pogba, Shaw, N’Dombelé ou Ricardo Carvalho, não estava a fazê-lo como reação ao insucesso, como forma de salvar a face entregando os jogadores à ira popular. Estava a ser o que sempre foi, ganhando ou perdendo.
O sucesso de Mourinho depende sempre da escolha dos jogadores, que precisam de encaixar no seu grande esquema das coisas. E já se vê que quanto menos forem os jogadores, menos probabilidades há de errar, seja por falta de ambição de quem ele escolhe ou incapacidade de lhes dar serventia, por ter um grupo muito vasto, que gera acomodação ou indignação. Ora isso não foi um problema na UD Leiria, não foi um problema no FC Porto – que quando ele lá chegou atravessava o maior período sem títulos nos então 20 anos de Pinto da Costa – e não foi sequer um problema na primeira passagem pelo Chelsea, que apesar do dinheiro de Abramovich estar disponível, não ganhava o campeonato há 50 anos. Não foi um problema no Inter, onde o objetivo de voltar a ser campeão europeu ainda se sobrepunha a qualquer outro, e não será nunca um problema no Real Madrid. A questão do insucesso de Mourinho começou aí, em Espanha, quando o confronto com o Super-FC Barcelona de Guardiola o levou à tentação de sobrepor os caminhos da abastança de mercado à relação mais minimal de balneário. Vieram os negócios duvidosos e a porta aberta à possibilidade de ser apenas mais um dos treinadores de Jorge Mendes. Na AS Roma – e possivelmente com influência do trabalho de Tiago Pinto, também – isso mudou. O negócio que os italianos não fizeram com o FC Porto por Sérgio Oliveira, quando o normal até seria ajudar o agente a ajudar os portistas, como quis fazer Gattuso um ano antes, em Florença, mostra que as prioridades de Mourinho voltaram a virar-se para dentro. E isso, somado ao facto de a AS Roma estar a montar uma equipa sólida, curta, onde todos podem contar, mas com alternativas para todas as posições, deixa-me muito curioso com o que pode sair dali e com a possível ressurreição de Mourinho para os grandes palcos.
A AS Roma não é favorita a ganhar a Serie A e muito me espantaria que o fizesse, vendo a qualidade acumulada, sobretudo, por Juventus e Inter. Mas contem com uma equipa a subir de rendimento e a morder os calcanhares dos grandes. É isso que sugerem a qualidade das opções e o vislumbre do regresso do Mourinho dos grandes tempos.
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