O racional de Gomes
O presidente da FPF socorre-se do exemplo neerlandês e aponta ao profissionalismo da II Liga, à centralização dos direitos e à Taça da Liga. O racional é correto, mas não é aí que está a questão.
Fernando Gomes, presidente da Federação Portuguesa de Futebol, deu ao jornal O Jogo de dia de Natal uma entrevista onde fica clara a maior de todas as razões para a estagnação do futebol nacional quando se avalia o contexto internacional dos clubes – e o próximo Europeu nos dirá se o fenómeno se alarga às seleções, que a extraordinária campanha de qualificação e a permanente simpatia e disponibilidade de Roberto Martínez não o transformarão numa escolha ideal se a equipa fracassar quando se deparar com as barreiras mais exigentes, como aconteceu nos últimos anos com Santos. Gomes, que foi o maior responsável pela que ele próprio chama, e com propriedade, “a medida mais estrutural dos últimos anos no futebol nacional”, que foi a inclusão das equipas B na II Liga, está pronto a recomendar o abandono do profissionalismo nesse escalão, bem como a desistência da Taça da Liga, que viu a luz do dia pela primeira vez quando ele presidia aos clubes, mas que no contexto atual só atrofia o calendário. São dois aspetos onde a frieza dos números lhe dá razão, ainda que essas soluções prefigurem uma regressão que é difícil de explicar como um passo em frente. Não há espaço para a Taça da Liga no calendário? Há, pois se até em Inglaterra ele existe... Pode é ser outro espaço e gerido de outra forma pelos clubes e pelos seus treinadores. Não há capacidade no nosso setor do futebol para uma II Liga profissional? Há. Pode é ter de ser gerida de outra forma pelos clubes e pelos seus presidentes e, sobretudo, com medidas de regulação e licenciamento diferentes das que têm (têm?) sido adotadas. Que a nossa II Liga vive acima das suas possibilidades é uma evidência, que ela tenha de dar tantos passos atrás a ponto de se tornar uma prova amadora já carece de fundamentação e sobretudo de prova antecipada de eficácia, até porque a existência de uma II Liga forte e competitiva é fundamental para que continuemos a beneficiar dos efeitos positivos da passagem por ela dos jovens que surgem nas equipas B e que, não, a Liga Revelação não substitui. Além disso, Gomes começa já a preparar caminho para desenganar os crentes no dogma da centralização, afirmando que ela por si só não resolverá o problema da competitividade – e nisso também é evidente que tem razão. Para suportar a tese, o presidente da FPF aponta ao exemplo neerlandês e ao pouco que recebem de direitos televisivos os maiores clubes da Liga que nos superou no ranking da UEFA. O segredo não está, nunca esteve, na centralização, porque ela por si só não fará crescer um bolo que já foi incrementado nos atuais contratos pelo fermento que foi a concorrência desenfreada entre operadores. O segredo está, sempre esteve, na diminuição das assimetrias potenciadas pela negociação individualizada – e para isso vale a pena falar, isso sim, de quanto recebem os clubes menos poderosos dos Países Baixos e de quanto do dinheiro que vem da Champions segue depois através de vasos comunicantes dos grandes para os mais pequenos. A centralização só ajudará na medida em que permitirá uma distribuição de receita menos desigual, numa atura em que essa desigualdade já é, por exemplo, a razão que leva os nossos clubes a abdicarem de investir meios na Liga Europa ou na Liga Conferência, quando lá vão parar, porque são provas que não dão para o gasto – importante é centrar esses meios na luta para entrar na competição que paga a sério, que é a Liga dos Campeões, onde se entra via campeonato. Sou pela negociação centralizada porque ela permitirá equilibrar a distribuição da receita, da mesma forma que sou contra medidas praticadas pelos holandeses, como a proteção no calendário às equipas europeias, porque acentuam as assimetrias entre grandes e pequenos – protegemos o grande que vai jogar na Europa e privamos o pequeno, que não tem receitas internacionais, da possibilidade de enfrentar o grande numa data em que este pouparia alguns meios? De qualquer modo, tenho a noção de que a questão das assimetrias começa por ser internacional, nas diferenças absurdas entre o que a UEFA paga na Champions e na Liga Europa. E no meio disto tudo não deixei claro aquilo que prometi acima, que era “a maior de todas as razões para a estagnação do futebol nacional quando se avalia o contexto internacional dos clubes”. Pois bem, no meu entendimento, ela está na incapacidade de Liga e FPF caminharem de mãos dadas num mesmo sentido, seja porque Fernando Gomes acha que Pedro Proença quer ser o futuro presidente da FPF, seja porque Pedro Proença entende que Fernando Gomes lhe torpedeia as ações para o deixar mal visto na comparação com o que ele tinha feito na Liga e faz na Federação. Comecem lá por resolver isso, de preferência sem “spin doctors” e agências de comunicação, que o resto virá por arrastamento.
Estes clubes da Superliga são uns malandros. Foram interrompidas as negociações para que se assine um acordo entre a Premier League e a English Football League, a organização que gere todos os campeonatos de Inglaterra daí para baixo, no sentido de se instalar um pacote de solidariedade de 150 milhões de euros anuais, a serem transferidos do campeonato maior para as bases da pirâmide. As assimetrias de receitas são, também ali, gigantescas e não só um clube que desça de divisão corre sempre seríssimos riscos de entrar em insolvência ou de se ver incapaz de pagar salários acertados para se jogar no patamar superior, como há vários clubes do Championship para baixo em sarilhos financeiros. O governo decretou a medida, mas os 20 da Premier League não se põem de acordo acerca do mecanismo capaz de gerar os tais 150 milhões. Os seis grandes não se importam de ver a coisa feita por lugar na tabela, mas os outros recusam, alegando que mesmo o valor a atribuir ao primeiro lugar seria totalmente insignificante no orçamento de um Manchester City, mas que para qualquer um que não estes seis se tornaria injusto ver o mérito penalizado com o aumento da contribuição. E sugeriram uma taxa extra em cima das transferências, que os grandes não aceitam, porque são sempre os mais gastadores e entendem que os mercados são precisamente a forma mais racional de fazer mover o dinheiro até às categorias inferiores. O que o caso nos diz não é bonito. É que quem quer que esteja sentado no trono tem sempre muitas dificuldades para ver o problema na perspetiva de quem está do outro lado da sala. Realmente, isto da Superliga é péssimo e os clubes que a jogam são uns malandros gananciosos que querem tudo para eles.
O renascimento do Manchester United. A grande notícia do Boxing Day foi o renascimento do Manchester United, que não só viu finalmente ratificada a entrada da Ineos de Jim Ratcliffe no capital do clube, com uma parcela minoritária mas controlo de gestão, como ganhou por 3-2 ao Aston Villa, depois de ter estado a perder por 2-0, com um bis de Garnacho e um golo vitorioso de Hojlund. O United é sexto, a onze pontos do Liverpool FC – eventualmente 12 do Arsenal – e imediatamente se falou de renascimento, que ressurreição não é coisa natalícia. Mas depois olha-se para a equipa e vê-se Wan Bissaka, Jonny Evans, miúdos como Mainoo, Gore, Kambwala ou Hannibal e percebe-se que há muita precipitação esperançosa na análise. O Manchester United gastou 900 milhões de euros nos últimos cinco anos de mercado e não tem um plantel que lhe permita entrar em campo com jogadores que não deixem margem para dúvidas.