O que vale o Estoril
Cheio de juventude, o Estoril de Seabra é tão brilhante como inconsistente. O FC Porto já o percebeu na derrota do Dragão e volta a testar-se na Amoreira, em jogo que vale a continuidade numa prova.
Quando o FC Porto perdeu no Dragão com o mesmo Estoril que hoje vai ter pela frente (18h) para discutir uma vaga na Final Four da Taça da Liga, Sérgio Conceição vaticinou que a equipa de Vasco Seabra ia acabar na metade superior da tabela. Os canarinhos seguiam no último lugar, mas ganharam dois dos três desafios feitos desde então – contando o do Dragão – e, apesar da derrota de Braga, no domingo, têm mostrado argumentos que levam a crer que valem muito mais do que os dez pontos que têm na tabela. Marqués e Cassiano são dois bons pontas-de-lança, dos que não tremem no momento da finalização, mas os argumentos mais impactantes da equipa até estão na continuidade e na criação, fornecidos pela arte de Rafik Guitane, um dos criativos com mais influência no campeonato, pela abrangência de Rodrigo Gomes para fazer todo o corredor direito, e pela compatibilidade do par de médios, formado por Mateus Fernandes e Holsgrove. O segundo já tinha mostrado ao que vinha em Paços de Ferreira, onde exibira um futebol simples, sempre capaz de escolher os melhores caminhos em um ou dois toques, o primeiro foi uma surpresa na afirmação súbita, depois de um ano a ganhar balanço no Sporting, e é ao mesmo tempo forte em condução, a desmontar linhas de pressão e até na recuperação defensiva. A forma como, privado de Rodrigo, que está no Estoril emprestado pelo SC Braga e por isso não podia jogar, a equipa ligou os outros três elementos no lance do golo na Pedreira devia ser ensinada nas escolas: o primeiro passe em transição, de Mateus para Holsgrove, mostrou a melhor maneira de superar uma pressão alta com uma conexão interior; o segundo, de Holsgrove para Guitane, foi um modelo de ataque rápido e de exploração do espaço nas costas do adversário; a condução e a finalização de Guitane ante a saída do guarda-redes são exemplos de uma tranquilidade própria de quem está mais acima na tabela. Este Estoril sabe ao que joga e só por isso supera a fragilidade que mantém atrás – os guarda-redes não têm sido fantásticos e, apesar dos progressos de Volnei, que se apresenta mais controlado, a zona defensiva precisava de um passo decisivo em frente do elemento mais promissor da tripla de centrais, Bernardo Vital. Ou em alternativa da afirmação do experiente Mangala, cuja contratação se terá devido precisamente a uma tentativa de dar experiência a uma equipa que é globalmente demasiado jovem e que por isso padecerá inevitavelmente de alguma inconsistência. Em Braga, nos dez jogadores de campo que começaram a partida à frente de Carné, os mais velhos eram Holsgrove e Guitane, ambos com 24 anos, e a média de idades era de 22,2. É por isso que deste Estoril se pode sempre esperar o melhor ou o pior. E Sérgio Conceição faz bem em esperar o melhor – que é o pior para ele. Porque ainda que só na primeira parte da derrota (0-1) com o Estoril para a Liga tenha produzido mais do que em toda a vitória de Famalicão (1,94 de índice de golos esperados em 45 minutos face aos 0,77 nos 90 minutos no sábado), sabe bem que precisa de corresponder no momento de finalizar para superar um opositor que é melhor do que parece.
Arteta, Ramsdale, Raya. A posição de guarda-redes é a mais específica de todas as que nos dá o futebol. O velho provérbio brasileiro que diz que “o ‘goleiro’ é tão amaldiçoado, que onde ele pisa nem nasce grama” perdeu atualidade, porque agora, com as técnicas de manutenção dos relvados, já nem vemos aquele triângulo careca frente às balizas, a zona pisada com mais insistência de todo o terreno de jogo. Mas por mais que lembremos o gozão “Ponga los dos!” do adepto espanhol quando, a meio dos 9-0 de Madrid, nos anos 30, o selecionador português resolveu trocar o guarda-redes, uma coisa é certa: na baliza só joga um. E nem o hiperativo cérebro de Mikel Arteta foi bem sucedido na ideia de ali promover a rotatividade, porque se o futebol já nos habituou a escolhas estratégicas de um médio, de um lateral, de um ponta-de-lança mais capacitado para determinado jogo, quando se fala de guarda-redes é tudo mais claro. Há um titular, que joga os desafios mais importantes, e um suplente, que defende nas taças para justificar o salário. Aaron Ramsdale era o titular do Arsenal e foi uma das maiores figuras da equipa na época passada, mas Arteta não andava satisfeito e no Verão pagou 35 milhões de euros por David Raya, que era guarda-redes do Brentford – na verdade só pagou três, que o negócio original foi um empréstimo com opção de compra obrigatória a efetivar um ano depois. “E agora? Quem vai ser o número um?”, perguntavam a Arteta. E o espanhol respondia que veria jogo a jogo, que tinha dois números um. Ramsdale defendeu até ao início de Setembro, mas após a pausa de seleções, Arteta anunciou que na visita ao Everton a baliza pertenceria a Raya. “Então é ele o número um?”, perguntaram-lhe. Que não, que não havia primeira escolha, que ia decidir jogo a jogo. Talvez até tenha sido assim, mas desde essa altura Ramsdale só fez mais três jogos, os dois da Taça da Liga e um único de campeonato, contra o Brentford, que nesse Raya não podia jogar, pois na verdade é emprestado. Ontem, o Arsenal ganhou de forma dramática ao Luton Town, por 4-3, com um golo de Rice em cima do apito final, mas o foco nem é o de se achar que é de vitórias como esta que se fazem os campeões. Está nos dois frangos de Raya e no semblante esforçadamente impenetrável de Ramsdale no banco – que a realização não deixou de o focar. Não tenho uma boa explicação para o facto. Se posso alternar médios, por que carga de água não poderei alternar guarda-redes? Mas eis que Arteta pode ter passado de uma situação em que tinha “dois números um” para outra, em que não tem nenhum, porque Raya perdeu confiança e Ramsdale sente que nunca a teve.
A morte do “football o’clock”. O mais recente acordo de venda de direitos centralizados da Premier League é o mais lucrativo alguma vez feito por um campeonato nacional mas não deixa de apresentar as suas contrariedades. Sim, são 7.800 milhões de euros por quatro anos e não se vira as costas a um camião TIR cheio de notas, mas ao mesmo tempo é a noção de que o futebol guinou definitivamente no sentido do sofá, por oposição à cadeirinha no estádio – e já nem falo do peão, os tradicionais stands em que os mais inflexíveis britânicos gostavam de ver os jogos em pé, de pint de cerveja na mão. Por oposição ao que está atualmente em vigor, este acordo estipula que, de 2025 a 2029, cada temporada terá mais 87 jogos desviados para horários fora da caixa, mais facilmente vendáveis pelos operadores, o que deixa apenas, no máximo, 113 pontapés de saída por temporada às tradicionais três da tarde de sábado. O dinheiro da TV está a matar o “football o’clock” e isso, em si, nem é dramático, porque toda a sociedade está muito menos segmentada do que há 50 anos e hoje é visto como positivo que se possa fazer tudo a toda a hora. A questão, mais uma vez, é a mensagem que isso transmite. Numa prova como a Premier League, que se joga sempre com lotações esgotadas, chega a ser irrelevante que o organizador deixe claro que prefere o espectador de sofá, pela simples razão de que o seu total não é limitável por uma estrutura física como a dimensão de uma bancada. Mas quando se desce na cadeia do prestígio das competições, o resultado será dramático e vai deixar os futebolistas como se estivessem na casa do Big Brother: não está lá ninguém para os ver e eles consolam-se com a ideia de que, com tantas câmaras em seu redor, há-de haver alguém em casa que esteja ligado no estádio mais vigiado do país.
Ele (ainda) é perigoso. Quando Óscar Cardozo apareceu, abraçado a Nuno Gomes e Simão, na inauguração do mural dos campeões, no Estádio da Luz, o mais natural era pensarmos numa comemoração para antigas glórias. Aquilo saíram dali e foram para umas patuscadas, lembrar os tempos em que se entendiam em campo com muita risota e selfies com os adeptos que ainda se lembravam deles e os reconheciam. E isso é verdade para quase todos. Não para Cardozo, que aos 40 anos, ao lado do velhinho Santa Cruz (42) e do miúdo Melgarejo (só 33), acaba de ganhar o Apertura, o Clausura e a Taça de Paraguai pelo Libertad. E não pensem que está lá só a fazer número: Cardozo marcou 25 golos em 2023, fez 50 jogos e foi eleito o jogador do ano no país. Sem ter visto, tenho de admitir que isto diga mais do atual futebol paraguaio do que do próprio Cardozo, mas é pelo menos caso para recordar o velho refrão: “Ele (ainda) é perigoso”.
O AT, chamou (2x) Henderson ao Holsgrove…
Também é Jordan… 😁 Mas tem menos futuro. Obrigado, Josias.