O que se perde e o que se ganha
É um erro abordar a perda de rendimento do Benfica na perspetiva dos que saíram. A equipa perdeu o que eles davam, mas é na capacidade para encontrar o que lhe dão os substitutos que está o segredo.
Ainda não chegámos ao final de Outubro e o Benfica já perdeu tantas vezes como em toda a época de 2022/23: quatro. A Liga está perfeitamente ao alcance, com o Sporting a um ponto de distância apenas, mas a continuidade na Liga dos Campeões, depois de três jogos sem um ponto e sem um golo marcado, já não é mais do que uma miragem longínqua. O que se ouve a Roger Schmidt é que há jogadores “em má forma física” ou até com “dificuldades na forma futebolística”. Como explicação parece curto, ou pelo menos mais curto do que a aplicação de uma das mais velhas verdades do futebol – a que manda dizer que a uma primeira época de muito sucesso se segue quase sempre uma segunda temporada complicada. Não é só porque há um termo de comparação difícil de atingir. É também porque os jogadores que ganharam vão estar naturalmente mais saciados na fome de vitórias – aqueles que ficam, porque muitos deles acabam por sair, porque viram os preços dos passes disparar e tanto o clube quis ganhar mais-valias com eles como eles próprios quiseram experimentar realidades mais desafiadoras. O Benfica viveu boa parte do início de época na euforia dos reforços, no regresso de Di María, que levou milhares à Luz para o ver acenar de uma varanda, na aquisição de Kokçu, o melhor médio do extraordinário Feyenoord de Arne Slot, na entrada de Trubin, um dos guarda-redes jovens mais cotados da Europa, até no crescimento de João Neves, um médio que Roberto Martínez, o selecionador português, já vaticinou que “vai marcar o futebol europeu”. Foi isso que começou por dirigir a atenção para longe daquilo que a equipa perdia com as saídas de Grimaldo ou de Gonçalo Ramos, a somar ao que já tinha perdido com a transferência de Enzo Fernández, em Janeiro – curiosamente, só uma das quatro derrotas da época passada tinha sido com o argentino em campo, a de Braga, a 30 de Dezembro, numa altura em que a cabeça dele estava mais entre a gestão da alegria de ter sido campeão do Mundo e a ansiedade de ir para Londres. Sim, sem Grimaldo o Benfica perde criatividade desde trás, perde capacidade de cruzamento, perde eficácia nas bolas paradas. Sim, sem Gonçalo Ramos a equipa perde um atacante mais completo do que qualquer um dos que tem neste momento, porque aliava finalização com capacidade para ligar entre linhas, para atacar a profundidade e para fazer as ações de contra-pressão necessárias ao futebol de Schmidt. Sim, sem Enzo o Benfica perde o médio que melhor funcionava nos momentos de transição, porque ele tanto era eficaz quando descobria os homens da frente naquele primeiro passe após a recuperação como barrava os caminhos aos adversários no momento da perda. Mas há uma coisa que digo sempre: todas as equipas são organismos vivos e acabam por encontrar o caminho através da compensação feita pelos elementos que ficam e pelos que entram. Desde que, como é evidente, se busque a complementaridade. E boa parte dos problemas de rendimento do Benfica, sobretudo face às equipas de maior qualidade que tem encontrado na Champions – o que diz alguma coisa do FC Porto, já duas vezes batido pelos encarnados esta época – não deve ser encontrado no que a equipa perdeu com as saídas, mas sim naquilo que lhe trouxeram os novos elementos. Di María traz criatividade, um para um, experiência e golo. Em condições, tem de jogar, pois é o elemento de maior classe deste plantel. Mas se a sua entrada no onze implica o recuo de Aursnes para zonas mais recuadas, se ainda por cima se procura juntá-lo a Neres e Rafa na linha de apoio ao ponta-de-lança, isso vai reduzir a capacidade da equipa nos momentos sem bola – capacidade essa que já tinha saído diminuída da substituição de Gonçalo Ramos por qualquer outro ponta-de-lança do plantel. Kokçu tem um cérebro permanentemente virado para a criação, arrisca passes progressivos da posição de médio-centro a uma cadência que era comum, por exemplo, a Taarabt – ainda que com mais qualidade do que o marroquino. Mas se isso aumenta a possibilidade de recompensa, também faz crescer a dose de risco, faz com que a equipa seja mais imprevisível, mas menos segura na posse do que era, por exemplo, com Florentino. E dificilmente a questão se resolverá com a sua subida no campo, passando a ser terceiro médio de um 4x3x3 ou a jogar na posição de Rafa neste 4x2x3x1, porque para isso, tal como a Taarabt, falta-lhe golo e capacidade para ir ele próprio em busca do espaço. O futebol não tem verdades absolutas. O que tem, isso sim, são adequações de jogadores a ideias. E o que mais transparece dos primeiros três meses deste Benfica é que estes jogadores não assentam tão bem à ideia que Schmidt fez vingar na época passada como assentavam os campeões de 2022/23. E, das duas uma: ou o alemão desperdiça talento ou muda a ideia.
Prisioneiro de uma convicção. Artur Jorge é um firme crente na teoria que o manda “jogar como os grandes para ser como eles”. Para o treinador do SC Braga, as linhas sempre subidas, a liberdade dos laterais, a presença de extremos criativos e com golo são inegociáveis – e essa há-de ter sido a razão pela qual não abordou o jogo com o Real Madrid de uma outra forma, de bloco mais baixo, para melhor se defender dos ataques sucessivos dos móveis e velozes atacantes adversários à profundidade. Para quem se predisponha a fazer uso de uma maior maleabilidade estratégica, o jogo de ontem seria de abordar com linhas mais baixas, extremos mais ativos na proteção das faixas, de maneira a permitir que os laterais fechassem mais por dentro, diminuindo o espaço entre eles e os centrais. É a chamada linha de quatro que afinal vai-se a ver e são seis, que tantas equipas usam em Portugal quando sentem a desproporção das forças em competição. Não foi essa a escolha de Artur Jorge, que quis fechar esse espaço predileto de Vinicius Júnior e Rodrigo inserindo um médio – Vítor Carvalho – no espaço entre os centrais quando tocava a defender, permitindo que Serdar e Niakaté acompanhassem os atacantes adversários sem deixar enormes crateras à vista no espaço interior, a convidar às diagonais dos médios madridistas. No final não resultou e, mesmo tendo equilibrado a partida no volume de jogo, o SC Braga perdeu-a no detalhe, que é onde mais vezes se impõe o talento, sobretudo se desacompanhado e com uma imensidão de espaço à frente. A ideia que ficou, no entanto, é a de que a ocasião teria sido perfeita para sacar alguma coisa aos madridistas, que no fim-de-semana têm SuperClássico com o FC Barcelona e sentiam que este jogo era só um proforma, o que naturalmente os vulnerabilizava. É claro que os técnicos têm convicções das quais não abdicam e sabem que, às vezes, elas podem custar-lhes um par de jogos. Mas a sensação com que fico é a de que enquanto não resolver os problemas que tem atrás, o SC Braga não atingirá o objetivo final de tanta coerência.
Então e o Zé Pedro? No início, foi visto como uma solução de recurso em desespero. Mas com a entrada de Zé Pedro, o defesa-central da equipa B, no ambiente da formação principal, feito após a expulsão de Fábio Cardoso no clássico com o Benfica, o FC Porto encontrou estabilidade defensiva que lhe vinha faltando – tinha sofrido golos em sete dos oito jogos oficiais alinhados até aí, sendo a exceção a partida da Amadora, onde só o desacerto do Estrela na finalização lhe valera a baliza a zeros. Com Zé Pedro em campo, a equipa sofreu um golo em 66 minutos a jogar com menos um contra o Benfica, na Luz, e manteve as redes invioladas nos desafios contra o Portimonense e o Vilar de Perdizes. São adversários de menor qualidade? São, sim, mas a estabilidade dada à equipa, com e sem bola, pela surpreendente solução de Conceição para a razia de defesas-centrais que lhe afetou o plantel leva a que, hoje, em Antuérpia, possa haver quem se lembre do jogador impedido de alinhar porque não está inscrito na Champions e, apesar de vir da equipa B, já não ter idade para integrar a Lista B – sobretudo se Pepe não estiver ainda em condições de fazer os 90 minutos, depois de voltar de lesão. A debilidade de Fábio Cardoso e David Carmo como base de suporte defensivo do onze, aliada à incapacidade para fazer coexistir Ivan Jaime e Pepê num espaço atacante que já tem Taremi e ganha com as presenças de Evanilson e Galeno, são os problemas que falta resolver ao FC Porto para subir ao nível que se lhe exige. A vitória contra o Shakhtar permite alguma tranquilidade, mas este duplo confronto com o Royal Antuérpia vai exigir respostas das quais depende o futuro desta época no Dragão.
Eu posso ser teimoso por dizê-lo tantas vezes.
Este treinador não têm capacidade para treinar a equipa.
O Sérgio Conceição com este plantel, era campeão mundial