O que queremos disto
O que queremos do jornalismo? E até que ponto estamos dispostos a ir para lá chegarmos? Aqui vos deixo algumas reflexões a propósito do momento atual.
Vem aí mais um fim-de-semana, o que quer dizer que teremos mais uma jornada da Liga e mais duas oportunidades de ouvir o que têm para dizer os treinadores dos grandes clubes.
São ocasiões raras, tantas vezes desaproveitadas.
Primeiro, porque muitas vezes os jornalistas já não fazem perguntas. Substituíram-nas por comentários, para os quais esperam obter o assentimento dos treinadores. Ri-me há dias a ver Martin Anselmi exposto a esta realidade como se tivesse acabado de chegar de Marte quando, após ouvir a tese do seu interlocutor, lhe respondeu: “Sim, mas qual é a pergunta?” Há mesmo um site/blogue que publica nas redes sociais as perguntas que faz sobre tática (e ainda bem que as faz) mas não as respostas, como se elas não fossem importantes. E é aqui que está o problema: nesta era do protagonismo, estabeleceu-se que o importante não é obter respostas. É fazer perguntas “de estalo”. “Viste? Sou tão esperto! Dei cabo do gajo!”
Depois, porque quando os jornalistas fazem perguntas, como aconteceu com Rui Borges e a situação clínica de Gyökeres, são os treinadores que optam por não responder. Ou então são os diretores de comunicação que travam o diálogo, quando a imposição da impossibilidade da contra-pergunta transforma aqueles momentos em algo de surreal, nos quais o treinador pode fugir à pergunta à vontade, que nunca será confrontado com isso, em função de um sistema roleta-russa, no qual cada um só tem direito a um tiro.
O momento dos media é complicado. No futebol, chegámos a ele em função de dois fatores cuja responsabilidade pode ser imputada à classe (vou deixar de fora a tentativa dos clubes nos controlarem, porque, embora nem sempre se tenha respondido na melhor maneira, isso não é nosso).
Primeiro, do acomodamento da minha geração de decisores: ainda vivi as vacas gordas e, como outros, fi-lo tão cheio de mim mesmo que achei que elas iam durar para sempre. Hoje tenho noção disso e penitencio-me. É a minha Via Crucis.
Depois, da cedência ao popularucho, feita sobretudo pela geração de decisores que se seguiu à minha, como forma de combate à crescente falta de vontade do consumidor para pagar pela informação. O círculo vicioso é fácil de explicar. Primeiro, mais informação grátis leva à recusa de pagar por informação em geral. E isso leva a que se ache que chegando a mais pessoas se pode cobrir os custos através da publicidade. E não só não pode, porque o nosso mercado é mínimo, como isso gera uma informação sobretudo feita para agradar e mais rápida e menos cuidada, na qual se investe menos - logo, menos capaz de convencer as pessoas a pagar e em nada distinta da gratuita.
Foi isto que nos trouxe a este ponto em que o papel do jornalista foi tão desvalorizado que se convencionou que já não serve para nada. Em que a Casa Branca expulsa jornalistas e acolhe Influencers nos briefings, fazendo-o em nome da “liberdade de expressão”, quando o que procura é só gerar tanto ruído que o trabalho de perguntar deixe de ser relevante e passe a ser desvalorizado como parcial ou banal. Em que reportar já nem sempre é dizer e explicar o que aconteceu mas servir agendas de quem preferia que tivesse acontecido outra coisa.
Já não vou provavelmente a tempo de lutar contra isto a não ser a título pessoal nem em áreas indiscutivelmente mais importantes do que o futebol. Mas ainda tenho vindo a tentar fazê-lo aqui, no Substack, que já é a parte do meu trabalho a que dedico mais horas por semana e que um dia gostava de poder dizer que se tornara a base da minha atividade profissional.
Faço aqui o que gostava? Ainda não. Ao fim de três anos, estarei a 20 por cento do objetivo em termos de subscritores para que esta seja uma atividade sustentável. E, embora tenha este ano abraçado a resolução de deixar de publicar tweets e posts de Facebook e Instagram, por entender que os interesses comerciais daquelas redes as levam para um caminho exatamente oposto ao que defendo, a necessidade de angariar leitores ainda me leva a publicar TODOS OS DIAS, de maneira a aumentar os pontos de contacto com subscritores potenciais. Sei que há um risco de estar a repetir o erro dos jornais, a sacrificar a atividade ao seu fim, mas é por isso que vos convido a ler o que está no meu Substack. E, se acharem que vos acrescenta, a subscrever.
Boas leituras!
Estou de acordo que o jornalismo tem de ser pago pelos leitores / ouvintes. No entanto, se eu fosse pagar por cada a órgão de comunicação que acompanho, iria à falência. Além do António, sou mecenas de dois podcasts generalistas e assinante de dois jornais generalistas e um económico. Seria absolutamente incomportável pagar mais do que já pago e mesmo o que já pago vai bem além do que à grande maioria paga
Creio que o futuro do jornalismo também deveria passar pela colaboração e não pela atomização, de forma a ganhar escala e reduzir o custo unitário para o leitor. Mesmo que exercido em modo freelance.
Concordo e subscrevo. Nascem jornalistas desportivas como cogumelos, sem saberem nada da profissão ou da ética do jornalismo. O mesmo acontece na minha área profissional (sou historiador), na qual qualquer um escreve livros sobre história, sem saber nada da metodologia científica necessária. A partir daí, ganha o crachá de historiador...