O que foi e o que podia ter sido
Vi os três jogos das equipas portuguesas na Liga Europa de enfiada, para produzir as edições de ontem do FDV Flash. E fiquei a pensar no que foram e no que podiam ter sido, com outras escolhas.
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A primeira mão do playoff de acesso aos oitavos-de-final da Liga Europa provocou sensações bem diferentes nos três clubes portugueses em prova: o convencimento de um apuramento quase certo no Sporting, que venceu fora de casa um Young Boys que não mostrou preparação estratégica para as armas leoninas; o alívio do Benfica por, após uma noite sombria, poder na mesma encarar a segunda mão, em França, com um golo de avanço que impedirá o adversário de se fechar tão atrás e lhe dará a possibilidade de jogar com as suas armas prediletas; e a esperança do SC Braga numa reversão a tempo do “extreme make-over” que lhe garantiu uma Taça da Liga mas o deixou numa crise de identidade difícil de superar e lhe custou um péssimo resultado caseiro contra um Qarabag FK que, em condições normais, estaria ao seu alcance. Olhando para as eliminatórias a meio, é provável que Portugal venha a ter duas equipas na fase seguinte. Mas, a ver os três jogos de seguida, para poder fazer as três edições de ontem do FDV Flash, dei comigo a avaliar as coisas noutra perspetiva, a do que esteve por trás do que se passou e do que mudaria se isso também mudasse. O Sporting é melhor equipa do que o Young Boys, mas muita da facilidade com que despachou ontem o campeão suíço teve que ver com aquilo que pareceu ser o desconhecimento ou a inconsciência de Raphael Wicky na forma de lidar com o futebol de Gyökeres. Os suíços não mudaram nada na sua forma de jogar por terem pela frente um ataque comandado pelo poderoso sueco, que os foi dizimando pela maneira como recebia a bola de costas para a baliza, vinda de Hjulmand ou de um trio de trás particularmente progressivo, e ou ligava ou sofria faltas ou, pior, pela forma como fazia as habituais diagonais para os corredores laterais, com o adversário sempre em um para um e condenado a ser batido. Os suíços perderam, portanto, antes de mais, porque Wicky se recusou a adaptar-se, a fazer aquilo que Artur Jorge tinha feito para ganhar ao Sporting na Taça da Liga. Aceitaram o jogo como ele vinha e o que ele tinha para lhes dizer era que são piores. No mês passado, o treinador do SC Braga não quis aceitar esse decreto e há-de ter perdido algumas noites de sono para magicar aquela estratégia da dupla marcação ao sueco, com encaixe dos seus dois médios nos criativos adversários, dos laterais nos alas e por aí a fora. Ainda assim, não tantas horas como as que está agora destinado a perder para devolver à equipa a identidade que penhorou em nome de uma noite de luxúria. O SC Braga resolveu a falta de coerência de um modelo atacante com uma linha defensiva insuficiente dando um tiro no pé – sacrificou a ideia. E não só não passou a defender melhor como deixou de dominar essas dinâmicas que lhe permitiam montar um ataque poderoso. O regresso de Banza deixa que ali nasça alguma esperança, mas as ausências de Bruma e Ricardo Horta, o momento menos feliz de Djaló e a perda no mercado de Janeiro do mais completo (Musrati) e do mais diferenciado (André Horta) dos seus médios levou a que a equipa remendasse o onze e não recuperasse as dinâmicas. Via-se o SC Braga jogar, ontem, com Abel Ruiz a partir das faixas, e nunca pareceu que os dois laterais, por exemplo, soubessem o que fazer com ele à sua frente. A diferença para o ataque fluído do início da época é gritante e nela houve precisamente um excesso daquilo que faltou a Wicky: pensamento estratégico obsessivo.
A coerência de Schmidt. Se o SC Braga foi apanhado na curva entre o que quer ser mas não consegue e aquilo que é mas rejeita, já o Benfica de Schmidt não deixa grande margem para dúvidas, porque é sempre tão igual que antes das substituições já se sabe quem vai sair, quem vai entrar e como é que os adeptos reagirão. Ontem, era evidente que o Terceiro Anel iria assobiar a saída de Carreras, por mais sentido que ela tenha feito, como que ia aplaudir a troca de João Mário por Neres. Ou que, já irritado pela tardia aposta em Leonardo, iria torcer o nariz ao sacrifício de Cabral para dar a vaga ao outro ponta-de-lança. Se há defeito que não pode apontar-se a Schmidt é o da incoerência, que ele pensa a equipa sempre de uma forma idêntica. Isso acarreta um problema, que se apanha um adversário capaz de instituir que não vale fazer ataques rápidos e contra-ataques simplesmente por não se desorganizar em posse – e o Toulouse FC nunca o fez – ou de lhe igualar a primeira fase de construção com uma pressão em quatro para quatro, o Benfica não tem golpe de asa para mudar o que quer que seja e criar dificuldades diferentes. Se vence, como ganhou ontem, é porque tem armas superiores, não por lhes ter dado um uso extraordinário. E se isso até chega para dar à equipa tranquilidade face a uma segunda mão em que os franceses terão de fazer algo diferente, também abre espaço à preocupação sempre que do outro lado surja um rival mais apetrechado. Como foi o caso de Wicky.
Et maintenant? O dia de ontem foi complicado para o futebol francês. Além do Toulouse FC na Luz, o Stade Rennes também perdeu, em Milão, e logo por um 3-0 que deixa pouca fé na segunda mão. E se o Olympique Marselha ainda pode encarar o futuro próximo com algum otimismo (moderado...), após o empate em Hamburgo com o Shakhtar Donetsk, o mesmo já não poderá dizer-se do RC Lens, que empatou também, mas em casa, com o SC Friburgo. De repente, há a hipótese de a Ligue 1 ver o seu contingente europeu reduzido ao Lille OSC, que já está nos oitavos-de-final da Liga Conferência, porque foi primeiro do seu grupo, e ao Paris Saint-Germain, que ganhou avanço sobre a Real Sociedad na Champions mas um dia depois ficou a saber de certeza que vai perder Mbappé. E aqui há muitas maneiras de olhar para a coisa, a mais embelezada das quais passa por agradecer ao jogador o facto de ter passado sete anos da carreira a tentar elevar o clube a patamares que ele nunca conheceu. Mas a mais realista é outra, quer ele vá para Madrid ou para Liverpool, que são os dois destinos mais prováveis. É que numa altura em que ainda não conseguiu renovar o contrato de direitos audiovisuais, a Ligue 1 apresentará no currículo mais recente as deserções de Messi, Neymar e Mbappé e a perspetiva de perder o quinto lugar do ranking da UEFA para a Eredivisie neerlandesa – como estão as coisas, o mais certo é começar a próxima época atrás. E isto já tem de ser um motivo de séria preocupação.
O respeito por Taremi. Sérgio Conceição chegou a inflamar-se na conferência de imprensa de antecipação do jogo com o Estrela da Amadora, porque sentiu que tinha de explicar as razões que o levam a manter a confiança em Taremi, que acaba contrato no Verão e já terá um acordo para seguir para o Inter de Milão na próxima época – ainda que haja notícias de que adiou a ida a Itália para fazer testes médicos que chegou a ter prevista para esta semana. O treinador do FC Porto tem razão e suporta-a em atos passados: nos sete anos que passou no Dragão, já encostou jogadores em final de contrato por não os sentir comprometidos com o clube – e Corona terá sido o último caso... – e já manteve a confiança noutros, precisamente por achar que continuavam a trabalhar em prol do grupo. A questão Taremi, no entanto, deve ser vista noutra perspetiva. O que ganhou esta equipa na ausência do iraniano? Por que razão ganhou? O que pode trazer-lhe a reintegração de Taremi? E o que pode tirar-lhe a perda de um jogador, que será necessariamente sacrificado quando ele reentrar? O FC Porto de Janeiro, num 4x3x3 quase imutável, com dinâmicas interessantes na largura – Conceição a vir dentro e João Mário a alargar de um lado, Wendell a procurar o meio e Galeno a abrir no outro – e na ligação mais vertical – Evanilson a alternar as diagonais curtas com os movimentos em apoio e Pepê e Nico mais estáveis à frente de Varela, dando ao primeiro um quase inédito período de constância no clube – foi um belíssimo FC Porto até ao momento em que os rivais viram como estava a jogar e desenharam antídotos. Isto é sempre mais rápido do que parece... Taremi pode ser o upgrade de que esta equipa precisa ou o sinal de regresso a um passado não tão longínquo assim em que as dinâmicas não eram tão fluídas. Essa é a questão crucial. Mas para a debater era preciso falar de futebol.
Respeito por Taremi, primeiro veio o cinismo agora a arrogância e na base temos Hollywood, mas será por estas e por outras que a Europa está atenta a estes comportamentos, acho que ainda se lembra do que eu disse vai para 3 anos e meio relativamente àquele que para muitossssss é o melhor treinador Português.