A coerência como virtude
O futebol habitual do Estoril era um convite às situações de contra-transição pela quais se pela este Benfica, mas Vasco Seabra resistiu à mudança da ideia e acabou por ser premiado com uma final.
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O regresso do Estoril a uma final, dirão alguns que pela primeira vez desde a Taça de Portugal de 1944, lembrarão os mais atentos que é desde 1977, o ano em que os canarinhos afastaram Benfica e Sporting a caminho da decisão da Taça FPF, uma espécie de Taça da Liga criada pela Federação para obter receita no mês de Junho, assentou nos mesmos méritos e defeitos que a equipa de Vasco Seabra vem mostrando semana após semana e acaba por ser um elogio da continuidade, a mostrar-nos que não há um caminho único para o sucesso mas que aquele que mais disso se aproxima é o da coerência. Se ontem aqui vos escrevi acerca do mérito das alterações estratégicas feitas pelo SC Braga na noite da eliminação do Sporting, hoje posso falar-vos da estabilidade ideológica que permitiu ao Estoril afastar o Benfica. É claro que os canarinhos até fizeram alguns ajustes, como a passagem de Rodrigo Gomes para a esquerda, associando-o ao igualmente veloz Heriberto na tentativa de exploração do lado que Di María não defende e que Aursnes deixa por vezes descurado, por empolgamento ofensivo, mas tudo o resto se manteve. Os processos deste Estoril são tão estáveis como o tem sido a insegurança da sua linha mais atrasada, tantas vezes responsabilizada pela onda de golos que ultimamente tem vindo a alagar as balizas de Marcelo Carné ou do ontem excelente Dani Figueira. O Estoril tem ideias bem consolidadas, tanto ao nível do seu jogo posicional, que lhe permite defender em 5x4x1 e tantas vezes atacar em 4x3x3, com subida dos laterais/alas para a linha do ponta-de-lança, baixa dos avançados interiores para zonas de criação e de Mateus Fernandes para a saída de bola pela esquerda, ao lado dos três centrais, como no modelo de busca do passe e da condução progressivas, que em condições normais leva a perdas de bola e à exposição da sua linha mais recuada a situações de contra-transição que ainda por cima são o momento de jogo favorito do Benfica. Ontem, essas situações aconteceram – e na primeira parte deixaram Rafa e Di María por duas vezes na cara do guarda-redes. Mas a cada vez que se via que a sua ideia era arriscada, o Estoril pegava na bola e tentava pô-la em prática mais uma vez. É certo que à medida que o relógio avançava e o pulmão ficava mais curto começava a subir cada vez com menos gente, o que trazia um problema – dava menos tempo à defesa para recuperar o fôlego – mas ao mesmo tempo acarretava uma vantagem, que era a de forçar o Benfica a jogar como menos gosta, em ataque posicional contra uma organização defensiva que não saía do lugar e mantinha as distâncias curtas entre linhas e colunas. O Estoril de Vasco Seabra até tem excelentes jogadores, como Guitane, Mateus Fernandes ou o ontem ausente Holsgrove, mas o que mais o define é mesmo a coerência e o descaramento de expor os seus elementos mais frágeis precisamente ao que os fragiliza. O jogo do Estoril pode ser feito mais acima ou mais abaixo no campo, com mais ou menos, não diria coragem, mas capacidade para se esticar no relvado, mas não muda em termos de ideia-base, a mesma ideia que tanto lhe permite ganhar como ser goleado pelo FC Porto. Chega a ser injusto para alguns, que depois os que brilham são quase sempre os mesmos – e nunca são os desprotegidos –, mas perante a diferença de potencial face a equipas mais fortes, essa é mesmo a única forma de obter sucesso.
E a coerência como defeito. Pode parecer estranho o elogio da coerência feito acima depois não se repetir quando se fala de Roger Schmidt, mas pareceu curta a atuação do treinador do Benfica na meia-final. Tal como o Estoril, também o Benfica joga sempre igual, com a saída a quatro (dois mais dois ou três mais um, com João Neves à esquerda dos centrais), o ponta-de-lança único e o abuso da procura de ligação interior na segunda linha de atacantes, que ou estão todos metidos por dentro, dando as alas aos laterais, ou abrem Di María na direita, em troca com as diagonais de Aursnes, ou Rafa na esquerda, em alternância com os movimentos de João Mário para o meio e uma menor propensão atacante de Morato. Na série de oito jogos seguidos a ganhar, Schmidt foi coerente na manutenção desta constância posicional. No empate de ontem já foi teimoso? Foi excessivamente receoso quando, para lançar o reforço Carreras em vez de Morato na esquerda – o espanhol teve bons apontamentos a atacar e um digno dos apanhados, quando perdeu noção do espaço a defender –, sentiu a necessidade de buscar a manutenção da estabilidade atrás, com Tomás Araújo em vez de Aursnes do outro lado? Ou quando, para lançar Marcos Leonardo na frente, abdicou de Musa, só alinhando com um par de pontas-de-lança no último dos seis minutos de compensação e exclusivamente para permitir que Arthur Cabral entrasse a tempo de marcar um dos penaltis do desempate? O que está aqui em causa não é tanto isso. Sim, como estava o jogo naquela ponta final, tão raras eram as saídas do Estoril, não creio que o Benfica precisasse de manter um terceiro central na lateral. Sim, raramente as coisas se resolvem acumulando gente na área e mandando para lá a bola sem critério. Sim, a renitência do Estoril em tirar a sua organização do sítio estava a desaconselhar o jogo de passe largo e progressivo de Kokçu, rendido atrás pelo futebol de ligações mais curtas de João Mário. Mas o que está aqui em causa é outra coisa. É a dificuldade que o Benfica está a revelar a jogar contra equipas que não se destapam e lhe roubam a sua predileção, que é jogar em ataque rápido ou contra-ataque. Isso não se resolve com as trocas durante o jogo, mas sim com a preparação de um modelo que não sofra tanto quando perde jogadores com capacidade para recuperar a bola alto ou quando lhe tiram o espaço para meter ataques rápidos e contra-ataques.
Amigos do espetáculo. Se há coisa segura quando se vê jogar o FC Barcelona é que haverá espetáculo. Se o grande mérito da equipa que Xavi levou ao título na época passada era a sua capacidade defensiva e a propensão para as vitórias por 1-0 que aborreciam toda a gente, pois agora, sem Pedri, sem Gavi, a equipa é exatamente o contrário disso e leva golos como respira. É disso exemplo o primeiro que lhe fez ontem o Athletic Bilbau, em jogo da Taça do Rei, sofrido mesmo em superioridade de seis para quatro na área. E depois há outra coisa certa: o craque do adversário pode brilhar. Se no fim-de-semana Isco fez dois golos a Peña e quase dava um resultado útil ao Betis, acabando o Barça por ganhar por 4-2, ontem a queda culé ficou a dever-se sobretudo à aliança dos dois irmãos Williams. Nico, o espanhol, fez o cruzamento para o golo do empate a dois, depois de um golaço do menino Yamal ter posto os catalães em vantagem, e marcou na mesma baliza o 4-2 definitivo, com uma trivelada de meter inveja aos admiradores do gesto com que João Félix tinha desbloqueado a partida de Sevilha. Iñaki, o ganês, que só jogou ontem por causa da eliminação escandalosa da seleção que escolheu na CAN, fez o terceiro, aquele que separou as duas equipas, no prolongamento, numa recarga a um remate que ele já tinha mandado ao poste. A oito pontos do Girona FC e a sete do Real Madrid, fora da Taça e perdida a Supertaça, ao Barça resta a Champions para levar alguma coisa desta temporada. Até final do mês que vem, Xavi tem de descobrir como impedir esta propensão do craque adversário para se tornar decisivo. É que o SSC Nápoles está mal, mas tem Osimhen e Kvaratskhelia a esfregar as mãos de contentamento.
AT, nao acha o Mateus Fernandes muito mais jogador para o pivot de meio campo do Sporting do que o Braganca ou Essugo?
Ja agora gostava de saber o que acha do Koba? Acho que ha um jogador em Portugal que nunca ninguém fala dele e encaixaria facil no plantel dos 4 maiores clubes em Portugal, pela qualidade e polivalencia (a seguir a Aursnes na liga talvez o melhor) - Sylla do Arouca. Abraco