O polícia bom
Marcano não só tem como missão policiar os ataques adversários como tem pinta de agente da autoridade, a correr sempre direito, composto e esticadinho. Ponham-lhe uma farda que ele gere as duas áreas.
Ivan Marcano voltou a resolver no ataque um jogo do FC Porto, conjugando a capacidade de finalização que lhe permite ser o defesa mais goleador da história do clube com a intuição do momento exato em que tinha de aparecer no final de um excelente cruzamento de Otávio. O golo de Marcano valeu a vitória em Arouca (1-0) e a manutenção da distância para o líder da Liga, o Benfica, em quatro pontos, mas nem assim o espanhol foi muito efusivo nos festejos. Caiu para cabecear, levantou-se a ver a bola nas redes e correu para a bandeirola de canto, muito direito e esticadinho, com os braços para baixo, anelar das duas mãos enrolado no polegar, e uma expressão impenetrável. Marcano não só tem como missão policiar os atacantes adversários nas proximidades da área de Diogo Costa como tem pinta de polícia. Dá ares de que para dirigir na perfeição o trânsito na rotunda do Mercado Abastecedor antes dos jogos no Dragão só lhe faltaria a farda. Em campo, depois do biscate a mandar parar e avançar os condutores, é o polícia bom, na eterna dicotomia com o polícia mau que faz as delícias das séries televisivas sobre a matéria. Pepe faz cara de mau, grita e rosna com ar ameaçador, e o espanhol vem logo a seguir, com tranquilidade e bonomia, colher os frutos desse trabalho. Até os contratempos disciplinares que tem – foi expulso na última jornada e viu ontem um amarelo que o tirará do jogo com o Casa Pia – foram ambos por agarrar os adversários, impedindo-os de seguir com a bola para a baliza, como se quisesse enganá-los com um abraço acolhedor que os protegesse dos pitons do polícia mau. Marcano já vai na terceira vida no FC Porto, mas ressurgiu sempre, como aqueles detetives que passam uns tempos a fazer trabalho de secretária para depois acabarem por resolver o crime. Impôs-se na chegada, em 2014, mas não quis renovar contrato, porque de Itália a AS Roma lhe tinha acenado com uma proposta melhor, quatro anos depois. Fracassou na Serie A e acabou por voltar para uma segunda vida, interrompida por uma lesão grave e pela afirmação de Mbemba ao lado de Pepe. A saída do congolês para Marselha e a veterania de Pepe – já são 40 anos desde Fevereiro – abriram como nunca a luta pelas vagas no centro da defesa portista, mas nem David Carmo, contratado a peso de ouro, nem Fábio Cardoso, armado com a humildade de um bom sargento pronto a subir na hierarquia, foram capazes de se impor à dupla formada por Marcano com o capitão. A terceira vida de Marcano no FC Porto começou em Agosto do ano passado e, para já, os sete golos que já fez esta época, igualando o seu máximo de carreira, em 2017/18, imediatamente antes de sair para a AS Roma, chegam para lha validar. Porque na arte de ser polícia a experiência é um posto.
O beijo da morte. Muitos dos habituais espectadores do Futebol de Verdade já gozam com a minha capacidade para dar uma espécie de beijo da morte nas equipas que elogio. Tenho, nas últimas semanas, gabado reiteradamente o futebol do Brighton de De Zerbi e ontem disse até que era a equipa que mais me enchia as medidas na Premier League, depois do Manchester City de Guardiola. A capacidade de inovação posicional do treinador italiano tem sido uma das coisas que faz valer a pena o campeonato inglês, a par do drible em condução de Mitoma, o meu jogador japonês favorito desde os tempos em que era suplente do Kawasaki Frontale. Pois bem, elogio feito, desastre imediato. O Brighton, que ganhando os jogos em atraso podia até sonhar imiscuir-se na luta por uma vaga na próxima Liga dos Campeões – ficaria apenas a dois pontos do quarto, que é o Manchester United – ontem recebia o aflito Everton e não fez a coisa por menos: apanhou 5-1, a começar com um golo logo no primeiro minuto, após uma perda de bola de... Mitoma. Foi uma lição de futebol básico, aquela que Sean Dyche, legítimo representante da escola bruta que ainda vigora muito por Inglaterra, deu às invenções de De Zerbi. Quer dizer que a escola bruta é melhor do que a inovação? Não. Nem o inverso. Quer dizer apenas que ontem o Everton foi muito melhor do que o Brighton.
O jogo do ano (parte 1). É hoje, o jogo do ano. Ou pelo menos o primeiro jogo do ano. Em Madrid, na primeira mão das meias-finais, defrontam-se o Real Madrid e o Manchester City pela honra de jogar – e em princípio ganhar – a final da Champions a quem sair vivo da meia-final italiana. Há o contexto histórico, que nos diz que o Real na Champions é sempre favorito. Há o contexto da história recente, que apimenta este jogo com os acontecimentos da época passada, a meia-final que o City liderava, com dois golos de avanço, ao minuto 90 do segundo jogo, mas que ainda assim conseguiu perder, com três golos, aos 90’, aos 90+1’ e depois aos 5’ do prolongamento. Há ainda o contexto financeiro, a explicar que por mais galácticos que Florentino contrate, o City terá sempre dinheiro para encontrar melhores – e nesse aspeto esta época foi emblemática, porque provavelmente pela primeira vez os xeques do Abu Dhabi conseguiram ganhar a luta por uma contratação aos clubes com pedigree, sacando Haaland das garras do Real Madrid. Há o confronto de estilos entre os treinadores, mais moderno e inovador Guardiola, mais clássico e conservador Ancelotti. E há as estrelas todas em campo: o Bernabéu verá hoje três dos cinco mais excitantes jogadores do futebol mundial de hoje. Há De Bruyne e Haaland no lado do City, há Vini Jr. no Real Madrid. Se só puderem ver um jogo de futebol este ano, não percam mais tempo. É o de hoje. Ainda que depois provavelmente vão querer ver o da segunda mão também.
Excelente artigo hoje 👏🏻👏🏻👏🏻 Tadeia. Por momentos pensei que estava a ler um livro policial, depois termina com uma excelente destaque ao jogo de hoje 👏🏻👏🏻👏🏻. Tadeia hoje acordou inspirado. Parabéns mais uma vez, adorei!