O peso de Otamendi
Otamendi esteve na madrugada de anteontem no Argentina-Brasil e, ao que tudo indica, voltará a estar hoje no Gil Vicente-Benfica. É, neste momento, um jogador imprescindível para Lage.

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A Liga volta hoje, para duas semanas que têm tudo para ser um preâmbulo quente para um final tórrido. Ontem, na antevisão ao Gil Vicente-Benfica de mais logo, Bruno Lage meteu o foco nas últimas duas jornadas, porque além do dérbi entre os primeiros teremos nessa altura a deslocação do Benfica a Braga e a receção do Sporting ao Vitória, mas é impossível tirar peso às próximas duas semanas, que têm muita carga competitiva – cinco jogos do Benfica e quatro do Sporting – e estão ainda marcadas pela presença recente dos jogadores nas seleções. A Liga vai ser decidida num sprint, mas basta ter visto um par de etapas de ciclismo para se perceber que a preparação do arranque é tão importante como a potência muscular que se mete no esforço final. É por isso que, mais ainda tendo em conta que o Sporting não conta amanhã com vários titulares na deslocação à Amadora, ganha relevância o contributo de Otamendi, o capitão a quem é pedido que una as tropas benfiquistas num momento que, sobretudo para ele, é particularmente complicado.
Aqui há pouco mais de duas semanas escrevi acerca do efeito Morita (texto a ler aqui) naquilo que o Sporting podia apresentar na reta final desta Liga, pelo facto de ele ser um cromo sem repetido – ou com repetidos em quem o treinador não confia – no plantel leonino. Na altura assinalei que o facto de o japonês ter de ir a Tóquio jogar pela sua seleção nacional deveria ser “uma das preocupações maiores da estrutura leonina”. Pois Morita foi e, como se adivinhava, voltou lesionado, deixando Rui Borges sem ele para a deslocação à Amadora, amanhã, uma partida onde já sabia que não ia ter Hjulmand e Maxi, castigados, e para a qual afinal ainda não vai ter Pedro Gonçalves e talvez também não tenha Inácio. O que realça ainda mais o papel que é neste momento desempenhado na Luz por Otamendi. O defesa-central argentino, capitão de equipa, não renunciou à seleção, como Di María ou Aursnes, jogou uns tensos 90 minutos contra o Brasil na madrugada de terça para quarta-feira, em Buenos Aires, voltou a Lisboa, há-de ter chegado já para lá do meio do dia de anteontem, já treinou ontem e irá em princípio a jogo hoje, em Barcelos.
Antigo jogador do FC Porto de Villas-Boas e, depois, de Vítor Pereira, tricampeão nacional no Dragão, Otamendi chegou ao Benfica em 2020, envolvido no que pareceu ser uma operação cosmética, para mascarar o facto de, afinal, Ruben Dias ter saído para o Manchester City por um valor bem abaixo do que a prometida intransigência de Luís Filipe Vieira deixava antever – um caso semelhante ao que agora se adivinha entre João Neves e Renato Sanches, com o Paris Saint-Germain. O Benfica “pagou” por Otamendi ao City Group uns 15 milhões de euros que pareciam demasiado dinheiro para um defesa de 32 anos que Guardiola já não queria, mas o argentino vai para a quinta temporada de vermelho e em todas elas aumentou o total de partidas que fez pelo clube: 38 na primeira, 43 na segunda, 46 na terceira, 51 na quarta e, eventualmente, mais ainda na quinta, na qual ele já tem 40, sendo que até às férias a equipa terá pelo menos mais 14 jogos, entre Liga, Taça e Mundial de clubes. Otamendi fez 37 anos em Fevereiro e, seja por mérito de Giuliano Poser, como contava o Olé de ontem, ou porque o jogador é teso como uma barra de ferro, parece alargar a cada época que passa os limites da sua própria resistência.
O percurso de Otamendi no Benfica não é isento de erros. A sua propensão para antecipar os lances, para tentar o desarme à queima, já lhe causou alguns dissabores e me levou a mim a pôr em causa a sua continuidade no clube ou o peso específico que ele tem na equipa titular. Até porque, na qualidade de campeão do Mundo, não há-de-ser dos jogadores mais baratos do grupo... Só que a forma como lidera pelo exemplo faz dele um caso de estudo no plantel às ordens de Bruno Lage. E lança uma discussão bem interessante para o Verão: deve o Benfica propor-lhe a renovação? Depois de um primeiro contrato de três anos, que Otamendi deixou expirar antes de assinar um segundo, de duas épocas, o argentino chega ao Verão como dono do seu destino. A idade dele manda ter cautela. Mais: afinal de contas, nas quatro primeiras épocas, só ganhou uma Liga e, mesmo que este ano o Benfica saia por cima no final, seria só a sua segunda vitória em cinco anos. O dele estará sempre longe de ser um período marcante, pelos padrões que as águias alimentam na sua história. Mas depois há o contexto. Há que ter em conta a regularidade que Otamendi tem apresentado, mesmo aos 37 anos. E há que olhar para o que vai ser a próxima época, a tal época que Lage garante que haverá gente a preparar nos bastidores enquanto ele se centra no presente.
Falemos de 2025/26, então. Conseguirá o Benfica transferir António Silva para o estrangeiro, como estou convencido de que quer fazer? Que outros jogadores do plantel podem dar as mais-valias necessárias em termos de orçamento? Carreras? Tomás Araújo? Florentino? Em todo o caso, são sempre elementos importantes na organização defensiva. Três em quatro são mesmo titulares no quarteto mais recuado. E, por mais alternativas que apareçam, de Wynder a Bajrami, por mais que o Benfica possa encontrar jogadores no mercado – e Rui Costa não tem feito compras propriamente baratas... –, se um ou dois destes jogadores acabar por sair no Verão, pareceria descuidado perder ao mesmo tempo o homem que mete cola no setor, que une as pontas em termos de liderança e capacidade de resposta em momentos difíceis. Otamendi tem 37 anos, já faz 38 em Fevereiro, mas se tivesse de responder hoje diria que o melhor que o Benfica tem a fazer é dar-lhe pelo menos mais um ou dois anos de contrato. E atenção que não tenho uma convicção sequer aproximada de que este deva ser um privilégio extensível, por exemplo, a Di María, que tem mais qualidade naquele pé esquerdo do que o capitão no corpo todo.