O passo em frente
A Liga das Nações sobe o grau de dificuldade face ao arranque de Martínez, em 2023. O objetivo continua a ser o mesmo: ganhar a seleções de topo sem se refugiar na ideia de que tudo pode acontecer.
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Dois meses exatos sobre a eliminação do Europeu, aos pés da França e de um penalti não concretizado, daquilo a que Roberto Martínez chamou “um detalhe”, a seleção nacional volta hoje a competir, recebendo a Croácia no arranque de mais uma edição da Liga das Nações (19h45, RTP1). A Liga das Nações é uma das provas que veio congestionar os calendários aos jogadores de alto nível, efeito de que ontem se queixava Bernardo Silva, ainda que seja uma competição que faz todo o sentido e que até mereceria um peso específico maior na cadeia alimentar do futebol internacional, por colocar frente a frente equipas da mesma classe e substituir com ganho evidente de interesse os antigos particulares de preparação. Martínez já tem a seleção mais trabalhada, depois de ano e meio a passar a mensagem e as ideias, e ainda bem que assim é, porque este é um adversário que exigirá um passo em frente face ao que Portugal tem mostrado até aqui. Um passo que terá precisamente sido a razão por trás da sua contratação.
Nesse aspeto, tudo fez sentido. Uma coisa é chegar e apanhar a abrir com o Liechtenstein e o Luxemburgo, como aconteceu ao Martínez estreante, quando conheceu a equipa e começou logo a qualificação para o Europeu com duas vitórias e um 10-0 em golos, em Março de 2023. Outra, bem diferente, é inaugurar o novo ciclo a defrontar a Croácia, uma seleção que apesar de ainda viver muito de uma geração envelhecida e de ter ficado aquém do esperado na fase final do Europeu, caindo logo no seu grupo, sem uma única vitória, ganhou a Portugal no Jamor num dos últimos jogos de preparação, em Junho. Ora, que o Portugal de Martínez é uma equipa sólida quando tem pela frente seleções de segundo e terceiro nível já se viu no pleno de vitórias que obteve nos desafios de qualificação para o Europeu. O que esta Liga das Nações vai permitir é perceber se está em condições para dar o tal passo em frente de que vos falava – e não vale menorizar a prova, que a convocatória mostra foco na competitividade e não nas experiências ou na renovação, como aconteceu, por exemplo, quando Portugal até a ganhou, abdicando de um Ronaldo mais perto do auge numa fase de grupos que serviu para que se revelassem uma série de novos valores e até uma maneira diferenciada de jogar, mais próxima da atual do que da de 2016.
A Croácia é 12ª do ranking da FIFA e a seleção nacional, que é oitava, não ganha um jogo a uma equipa de Top20 desde que bateu o Uruguai (14º) e a Suíça (15ª) na fase final do Mundial de 2022, ainda com Fernando Santos. Santos caiu precisamente por se ter mostrado incapaz de levar a seleção a superar patamares mais altos de exigência, depois da vitória no Europeu de 2016, onde a equipa tinha em competitividade o que lhe faltava em talento: foi eliminado pelo Uruguai nos oitavos do Mundial’ 2018, pela Bélgica nos oitavos do Europeu’ 2020 e por Marrocos nos quartos do Mundial’ 2022. Instalou-se na equipa uma espécie de complacência que a levava a cair sempre que as dificuldades eram maiores e no quadro de resultados se via que já tinha cumprido os serviços mínimos. Faltava-lhe, lá está, o tal passo em frente que separa os bons dos melhores. E isso, como está o futebol internacional, com seleções bastante semelhantes em termos de valia global e decisões limite num mês ou, pior, em 90 ou 120 minutos ou até num desempate por penaltis, depende muito daquilo a que Martínez chamou “um detalhe”.
O atual selecionador não teve muitas hipóteses de ganhar a adversários de topo, é certo, mas a realidade é que sempre que teve pela frente desafios desta dimensão viu a equipa claudicar: aconteceu no tal particular com a Croácia (que na altura era décima e nos ganhou por 2-1) e nos quartos-de-final do Europeu, saldados com empate e derrota nos penaltis contra a França (que era segunda do ranking FIFA à data do jogo). Diz Martínez que o jogo com a França foi “o melhor” que a equipa fez no Europeu – e eu concordo. Mas o facto de ter sido o melhor não quer dizer que tenha sido verdadeiramente bom, ou tão bom como os portugueses acham que o talento dos seus jogadores justificaria. Faltou dimensão ofensiva à equipa durante toda a prova, bem à vista nos cinco golos apenas que fez em 510 minutos de futebol ou nos três zeros sucessivos com que saiu da prova. E faltou-lhe, ainda, dimensão competitiva, capacidade para aproveitar o momento e a superioridade que chegou a marcar na eliminação sobre uma equipa mais madura do ponto de vista da clareza de objetivos – e não necessariamente de idade.
O debate em torno do que vale esta geração de futebolistas portugueses em comparação com as antecessoras, sejam as de 1966, de 1984, de 2000 ou de 2016, é absolutamente estéril, pois são realidades e contextos temporais incomparáveis, mas é indiscutível que no plano do talento Portugal está preparado para se bater com os melhores. Ainda ontem, quando foi divulgada a lista dos 30 nomeados para ganhar a Bola de Ouro de 2023/24 se viu que só a Espanha, a Inglaterra e a Alemanha têm lá mais gente do que nós – e isso é fruto de terem feito um Europeu melhor do que nós, dois na final e um na meia-final. Além de Rúben Dias e Vitinha, os nossos dois nomeados, Portugal ainda apresenta João Neves na lista de candidatos a melhor sub21, Diogo Costa entre os nomeados para melhor guarda-redes e poderia também apresentar gente como como Bernardo Silva ou Bruno Fernandes, por exemplo, a quem não falta qualidade para lá estarem também. Com todo este talento, o que falta é chegar a estes momentos de decisão e falar mais grosso em vez de aceitar placidamente que nas grandes competições tudo pode acontecer. Pode, sim. Isso é um facto. Martínez tem razão quando diz que no último Europeu havia seis ou sete equipas em condições de ganhar e que depois tudo se resolve nos tais detalhes. Mas é para tratar desses detalhes que está lá ele e não estou eu ou o estimado leitor.
Infelizmente vou continuar sem acompanhar este grupo privado.