O papel do treinador
Conceição diz que não é gestor financeiro, Schmidt que gostava de ficar com Rafa, mas que para já só lhe resta fazer com que o jogador se sinta bem. Afinal, qual é o papel do treinador nesta matéria?
Embora a propósito de aspetos diferentes, Roger Schmidt e Sérgio Conceição puseram ontem limites muito claros às suas tarefas, ao que lhes compete fazer no seio das equipas que têm a possibilidade de dirigir. O treinador do FC Porto não quis avançar com comentários às contas da SAD, porque, como disse, não é gestor financeiro e só lhe cabe “equilibrar o plantel” para poder ganhar jogos. E o responsável do Benfica comentou a situação de Rafa, que está em fim de contrato e poderá eventualmente sair a custo zero no final da época, realçando que ficou muito feliz por poder continuar a contar com o jogador – cujo passe poderia ter sido vendido para o clube ainda ganhar alguma coisa – e que agora só lhe resta fazer tudo para que ele se sinta bem e a equipa beneficie da sua permanência. As duas intervenções podiam ser vistas como um ponto para os que acham que os treinadores estão lá apenas para treinar e que não têm de ser tidos nem achados em matérias de gestão. Afinal, é como disse Conceição: “Eu sou apenas funcionário do clube”. É evidente que a decisão está acima, que nem os gestores das SAD ganham alguma coisa em dar aos treinadores indicações acerca dos jogadores a potenciar e valorizar nem os técnicos têm a possibilidade de decidir quem fica, sai ou renova. Mas se os limites devem ser claros, qualquer clube tem muito a ganhar com a inclusão dos responsáveis técnicos nesta matéria. No FC Porto, por exemplo, não se avançou para a contratação de João Moutinho porque, na iminência de perder Otávio, Sérgio Conceição achou que precisava mais de um jogador capaz de fazer o duplo papel de médio-centro e ala/extremo, como veio a ser o caso de Ivan Jaime, do que um médio das caraterísticas do veterano internacional. A SAD podia ter feito finca-pé e mantido a oferta ao jogador, que acabou em Braga? Podia, claro. Mas ganhava alguma coisa com isso? É também claro que não. Porque depois quem tem de equilibrar o plantel, fazê-lo lutar por vitórias e títulos já é o treinador, razão pela qual a opinião dele deve ser importante no processo. E mais complexa se torna a equação se imaginarmos a política desportiva a médio prazo e percebermos que o FC Porto precisará de vender e tem dois dos seus jogadores mais valorizáveis a lutar por uma só posição no onze, no caso Pepê e Ivan Jaime. E aqui, sim, o treinador tem de ser um pouco gestor também – ou pelo menos tem de ter a abertura para participar neste tipo de debate. No Benfica, Schmidt nunca deixou de dar a Rafa a relevância em campo que o rendimento do jogador justificava, quer ele renovasse contrato ou não. E agora é claro: “Estou muito feliz que ele tenha ficado”. O papel do treinador, no fundo, é esse, é o de montar a equipa de forma a que ela seja o mais competitiva possível, seja com jogadores que têm contratos que acabam daqui a oito meses ou de longa duração. Mas imaginar que a gestão do processo Rafa possa ter sido feita sem a opinião de Schmidt é uma tolice. Serviria de algo ao Benfica segurar Rafa para o que pode ser o seu último ano na Luz e arriscar vê-lo sair a custo zero se o treinador não dissesse que conta com ele e que acha que, mesmo em último ano, ele continuaria a meter as mesmas doses de empenho na equipa? É claro que não. Portanto, calma aí com essa ideia de que os treinadores servem apenas para treinar. São gestores, sim senhor. Mesmo que digam o contrário.
Martínez e a complexidade tática. Roberto Martínez deu ontem uma entrevista ao programa El Larguero, da Cadena Ser espanhola, e libertou-se das amarras que o prendem quando está frente aos jornalistas portugueses. É evidente que, para a cultura do soundbyte que faz lei nos mainstream media, o que faz sentido é destacar os elogios feitos à disponibilidade de Cristiano Ronaldo ou o futuro que adivinha a João Neves – e muito me espanta que não se tenham feito títulos com a equiparação do nosso hino a um “grito de guerra” –, mas o mais relevante dos 25 minutos que Martínez esteve em direto com Manu Carreño foi a consciencialização do bem que se trabalha na formação em Portugal. Quando foi confrontado com a complexidade tática que já conseguiu implementar na equipa (e que expliquei na edição desta semana do Futebol de Verdade Report, que pode ver aqui), Martínez justificou-a com a enorme capacidade dos jogadores portugueses para as variações, que lhes vem do trabalho tático a que se habituaram desde miúdos. “E ainda só fizemos oito jogos”, sublinhou, destacando que para cada um deles dispõe de apenas dois treinos, mas não estabelecendo ligação direta com a cristalização da sua lista de convocados – tema que, aliás, não chegou a ser falado, apesar de o selecionador lhe ter aberto a porta. “Nunca me tinha acontecido ter de deixar 15 jogadores fora da lista de convocados sem ter nenhuma justificação”, comentou Martínez, convencido do muito talento que tem à disposição. Ele, por cá, pode ser mais comedido, mais modesto, mas há uma coisa que lhe anula as intenções. É a internet, que nunca esquece e nos traz tudo o que vem lá de fora.
As sedes do Mundial 2030. Ainda do El Larguero de ontem, na Cadena Ser: a guerra está a ser dura em Espanha para a atribuição das dez (eventualmente até onze) sedes a que o país terá direito na organização do Mundial 2030. Começam a sair decisões, nomeadamente a de que haverá uma sede galega – que é quase nossa, ao fim e ao cabo – e a de que a final será no novo Santiago Bernabéu, em Madrid. E saíram também revelações, como a de que Marrocos tem quatro sedes asseguradas e vai lutar por uma quinta, ao passo que Portugal não quis mais do que três. Não é que não nos dessem mais. Nós é que não quisemos. O que vem confirmar que os papéis de Portugal e de Marrocos nesta candidatura – para a qual chegou a admitir-se que avançássemos a solo – são de mero suporte para Espanha. E não só está tudo bem como nem faria grande sentido que fosse diferente. Por um lado porque Portugal já investiu muito em estádios de forma concertada e sponsorizada por uma candidatura em 2004, enquanto que desde o Mundial 1982 tudo o que os espanhóis têm vindo a fazer em termos de renovação do seu parque de recintos desportivos tem sido fruto da iniciativa dos clubes. A Luz, o Dragão e Alvalade são as escolhas mais óbvias para as nossas três sedes e se, por um lado, isso pode ser alvo de ataque da parte de quem exige mais descentralização e conduzir a teses em favor da troca de Alvalade pelo Algarve, por exemplo, por outro basta olhar para o que sucedeu às sedes construídas fora dos grandes centros para o Europeu 2004 para se perceber que ou se transformaram em monumentos à inutilidade, sem equipas que lá joguem de forma regular, ou têm mais lugares vagos do que preenchidos. No fundo, o debate é se o futebol que temos deve ser motor ou fruto dessa descentralização que todos queremos. Por mim, do Mundial 2030, espero sobretudo uma coisa: uma rede ferroviária moderna que nos ligue à Europa.
Horta na tempestade. A vitória do SC Braga frente ao Rebordosa, no jogo que abriu a terceira ronda da Taça de Portugal, foi ao mesmo tranquila e competitiva. Os amadores da equipa da casa mantiveram-se dentro do jogo até ao segundo golo minhoto, numa altura em que já estavam a jogar com dez, mas a ideia que ficou foi a de que a equipa de Artur Jorge manteve a eliminatória controlada desde o golo de Ronny Lopes com que abriu o score, logo aos 10’. E na tempestade da noite de ontem sobressaiu o futebol de André Horta, a inteligência posta ao serviço do futebol. É um dos mistérios desta equipa bracarense, a razão pela qual o menos credenciado dos manos Horta não dá o salto e não faz a mesma coisa em jogos de perfil mais elevado. Se é uma questão de intensidade, de espírito competitivo, apetece perguntar: e isso não se trabalha?