O orçamento e o contexto
Roger Schmidt tempera o entusiasmo com alusões aos orçamentos das equipas que estão na Liga dos Campeões, mas tão ou mais importante na luta até final será o contexto que se cria de forma consolidada.
Volta hoje a Liga dos Campeões e ontem voltaram a perguntar a Roger Schmidt, treinador do Benfica, se é possível ao clube português ganhar a competição. O treinador alemão, que já sente pé e meio nos quartos-de-final, tamanha é a vantagem sobre o FC Bruges (2-0 antes da segunda mão em casa) e tão mau é o momento de forma do adversário (duas vitórias em 13 jogos desde o Mundial), desta vez não se riu, como fez no final do desafio na Bélgica, mas deu a resposta certa – ainda que ela não lhe tenha valido o prémio de soundbyte do dia. “Todas as equipas que estão nesta fase podem ganhar a Liga dos Campeões, mas não com a mesma probabilidade”, disse, antes de explicar que “para as equipas de menor orçamento a chance é menor”. A questão não é tanto de orçamento como de poderio – que está mais relacionado com o ambiente em que se germinam as equipas do que com o dinheiro propriamente dito – mas isto já é tão evidente que não fica mais claro só por ser Schmidt a dizê-lo. Da mesma forma que não é por o alemão reforçar que o apuramento para os quartos-de-final “não está ainda concluído” que haverá mais do que um risco infinitesimal de o FC Bruges virar a mesa e eliminar os encarnados na Luz. É por isso que os jogos que mais contam nesta semana de Liga dos Campeões são os outros três – e curiosamente são três jogos em que os orçamentos mais altos estão em sério risco de cair. A última hipótese para o Chelsea dos 600 milhões de euros gastos no mercado manter viva a esperança de vir a estar na edição do ano que vem da prova – e de Graham Potter salvar o emprego ou de João Félix ficar em Londres na nova época – depende da capacidade de virar uma eliminatória nesta competição pela primeira vez desde Abril de 2014, afastando o Borussia Dortmund, que lhe ganhou (1-0) na Alemanha. Se Potter tem o lugar em risco, o mesmo pode dizer-se de Antonio Conte, cujo Tottenham receberá amanhã o Milan, também a tentar virar o 0-1 da primeira partida e num momento em que a quebra de rendimento da equipa já tem levado a que das bancadas brotem como cogumelos cânticos a pedir o regresso de Mauricio Pochettino, inativo desde que foi despedido do Paris Saint-Germain. E não há eliminatória capaz de provar o poder do contexto sobre o orçamento como a que está a ser disputada entre os milionários do PSG e os serial-winners do Bayern. Os alemães jogam em casa e defendem a vantagem conquistada no terreno do adversário (1-0) com a certeza de que não é o dinheiro do Qatar que os vai tirar da prova. Pode até suceder, porque não se brinca com a capacidade de Mbappé e Messi, mas a convicção de que seguem no trilho certo para fazer valer a tradição de vitórias sobre o novo-riquismo é a maior força da equipa de Julian Nagelsmann. “Não fazemos nada que possa pôr em risco a estabilidade económica do clube. O Bayern não tem dívidas. É a nossa filosofia e, a longo prazo, pode até ser uma vantagem concorrencial. No curto prazo, um clube pode endividar-se ou crescer com dinheiro de investidores. A questão é de saber o que se passará no futuro”, disse Oliver Kahn, ex-guarda-redes e atual presidente do colosso bávaro, em entrevista hoje publicada no diário francês L’Équipe. O segredo para a “sobre-performance” dos campeões alemães no plano dos resultados desportivos está aí, num rumo que defende a tradição de vitórias. É verdade que, mesmo estando vários patamares abaixo da Premier League, a Bundesliga ainda consegue ser concorrencial – coisa que a Liga Portuguesa dificilmente atingirá. Mas a lição fundamental a retirar dali é que a consistência de uma ideia acaba por pagar. E que para lá chegarem os clubes portugueses não podem deixar-se encantar pelo canto da sereia que ao mesmo tempo leva à busca do soundbyte. Porque o soundbyte é efémero e geralmente vira-se contra quem o deixa escapar.
O caldo de cultura. Ainda há dias escrevi aqui, a propósito da interpelação a António Oliveira por parte de um magistrado brasileiro, acerca da patetice que é colocar rótulos nos indivíduos de acordo com as suas proveniências. Dizia o doutor Dobranski ao treinador do Coritiba que “os portugueses são ‘reclamões’” e essa ideia voltou a assolar-me o pensamento quando vi como a generalidade dos comentadores ingleses se virou contra o comportamento histriónico de Bruno Fernandes no jogo perdido pelo Manchester United em Liverpool por avassaladores 7-0. Antigos capitães do United, como Gary Neville ou Roy Keane, criticaram duramente o comportamento do português em campo, não pelo que jogou – que nisso tem sido sempre dos melhores – mas por o terem considerado indigno da braçadeira que usava, por exemplo por se ter perdido em protestos públicos com os colegas. Um capitão deve abrir o peito às balas e não empurrar os outros para a frente de batalha. Martin Cassidy, diretor executivo da RefSupport UK, uma associação de caridade de apoio aos árbitros, chamou ao português “criança birrenta”, por causa de um incidente com o árbitro auxiliar Adam Nunn, perto do final do jogo – nada de mais, por sinal. Ninguém foi ao ponto de dizer que os portugueses são fiteiros ou que gostam de alijar responsabilidades e de sacudir a água do capote, apontando para os outros em caso de desaire, como chegou a ver-se Cristiano Ronaldo fazer, mas convém percebermos até que ponto é que, na Liga Portuguesa, o endeusamento das cores dos três grandes nos media está a criar um caldo de cultura que acaba por se virar contra os jogadores que o vivem no dia-a-dia. Um dia-a-dia em que veem recompensadas nas TVs e na opinião pública aquelas fitas que fazem, a agarrar-se à cara com um esgar de dor lancinante quando acabaram de levar um afago no ombro ou na ponta dos cabelos. Porque depois – e lá está a patetice da generalização – há quem seja capaz de se inocular contra a doença e quem deixe que ela ataque, sobretudo em momentos de maior vulnerabilidade, como é o momento em que se está a levar 7-0 do Liverpool FC. Bruno Fernandes deixou que a frustração tomasse conta dele naquela tarde e isso não quer dizer que os jogadores portugueses sejam birrentos ou fiteiros. Mas convém percebermos até que ponto estamos a facilitar que isso venha a suceder com mais gente.
O fim da B SAD. Anda aí muita gente indignada com a fusão do CD Cova da Piedade com a B SAD e eu acho que é uma das melhores notícias dos últimos anos no que a propriedade de clubes e SADs diz respeito. O que se vai passar é que o CD Cova da Piedade vai comprar 10 por cento da B SAD e assumir o papel de clube-base de uma SAD que não tem identidade nem casa desde que se separou do Belenenses. O resultado da fusão vai ser o Cova da Piedade SAD, que tem história, tem um estádio, tem cores e adeptos. Portanto, logo aqui, já se fica a ganhar. Indignam-se, depois, porque dessa forma o clube da margem sul pode vir a beneficiar de uma posição na estrutura competitiva que não ganhou em campo – mas tê-la-á ganho a B SAD, seja ela na Liga 2 ou na Liga 3, consoante o que vier a passar-se daqui até final da época. Isto, sim, é uma coisa muito portuguesa. Resolve-se um problema que devia afligir todos os que gostam de futebol e já se está a pensar noutros que o substituam. Não estão sempre a dizer que o desporto a sério é nos Estados Unidos? Pois bem, nos Estados Unidos é assim que a coisa funciona. As equipas mudam de cidade em busca de realidades sociais e comerciais mais vantajosas. E é isso que faz sentido.
O fim da B-SAD é uma excelente noticia, acaba-se com a confusão do publico geral entre a B-SAD e o CF os Belenenses. Nos adeptos do Belenenses esta duvida nunca se colocou. Para o Cova só faço um alerta, saíram da boca do lobo com a antiga SAD, para se irem deitar com a raposa (codecity).