O melhor Europeu de sempre
O Euro 2024 tem sido excelente. Se está a ser o melhor de sempre, só cada um de vós pode decretá-lo, nos vossos corações. Muito se deve aos "refrescos" presentes e à facilidade de apuramento.
Não sei, francamente, se este está a ser o melhor Europeu de sempre. O melhor Europeu de sempre é uma coisa que não existe em abstrato, que só existe dentro de cada um de nós, nos nossos corações. E, pessoalmente, estava hoje a ler uma notável mas desencantada entrevista de Jorge Sampaoli ao El País, uma entrevista na qual ele nem sequer fala do Europeu, mas onde aponta ao facto de o futebol, hoje, ter “mais clientes do que adeptos” e de vivermos “o momento de maior estupidez na história da humanidade”, e a pensar que tenho dificuldades em separar assim as eras e em qualificar as emoções de forma tão categórica. Percebo a ideia, de um Mundo marcado pelas métricas e pela pressão do desempenho forçada pelas redes sociais e também lá vou parar de vez em quando. Ainda ontem, num debate de colegas e amigos, num grupo de Whatsapp, dei comigo a partilhar mapas de calor de Bruno Fernandes e Bellingham, de forma a identificar a presença na área de um e do outro, e a acrescentar gráficos de posicionamento coletivo e estatísticas com totais de ações deste ou daquele jogador para tentar provar a razão dos meus argumentos. As métricas podem ajudar-nos a dizer que este Europeu é aquele em que se corre mais, em que há sprints mais intensos, mais remates enquadrados, mais golos ou defesas, mas não categorizam as emoções. Não consigo comparar o que estou a viver com a nervoseira da primeira participação portuguesa, em 1984, ou com o entusiasmo juvenil de 1988, quando acalentava o sonho de ser jornalista, ainda por cima especialista em futebol internacional. Não consigo comparar as tardes aqui no sofá, a ver jogos, com o deslumbramento que vivi em 1992, quando acompanhei no local, pelo Expresso, o primeiro dos meus oito Europeus – e levantarei amanhã a credencial do nono, porque estarei no Portugal-Turquia, em Dortmund – ou com o sentido de responsabilidade de 1996, quando cobri a aventura da seleção de Portugal em Inglaterra para o Público. Cada um de nós tem as suas experiências e eu poderia juntar-lhes a frustração de ver – de folga – a derrota na final de 2004, nas bancadas da Luz, ou a satisfação de comentar, para a RTP, a final de 2016, na tribuna de media do Stade de France. Portanto, o melhor Europeu de sempre vive em vós, são vocês e as vossas experiências, as de cada um, que o determinam. Ainda há dias, a ouvir o último áudio-documentário do Matraquilhos, a propósito dos 30 anos do Mundial de 1994, vi que há quem ache aquele Mundial maravilhoso – e para mim foi, sim, uma experiência única, vivida numa América imensa, mas uma seca futebolística de uma aridez extraordinária. Uma ideia da qual não comunga o meu amigo Rui Malheiro, por exemplo, que ainda ontem ouvi catalogar esse Mundial, no mais recente episódio do No Princípio Era a Bola, como uma espécie de triunfo da alegria. Mas tudo isto para dizer que no turbilhão de jogos que tenho visto, na distinção sampaolina mais como profissional do que como adepto, confesso, e com dificuldades para manter, a meio do jogo da tarde, a concentração permanente a que o trabalho obriga, tenho deixado construir em mim a ideia de que, sim, este está a ser o melhor Europeu de sempre e de que ao facto não é de todo alheia a presença de uma série de equipas que não são assim tão boas ou a hipótese de se qualificarem para a fase seguinte 16 das 24 seleções presentes nos grupos. Ao 15º jogo, ainda estamos à espera do primeiro 0-0 e só um desafio (o nosso, curiosamente) é que não teve golos na primeira parte. É possível que isso se deva a alguma incompetência técnica e tática nos comportamentos defensivos ou ao aligeirar do nível de exigência para lá estar a que a necessidade de globalizar o negócio – mais clientes, lá está... – obriga. É possível que a partir dos oitavos-de-final, quando o erro passar a ser fortemente penalizado com a eliminação e a competição se vir livre dos “refrescos” que por lá andam agora, os espetáculos passem a ser menos entretidos, mais rigorosos e, para o olho do adepto, mais aborrecidos. Mas não foi essa a história da primeira jornada.
Alemanha, como previsto. Tal como se previa, a Alemanha celebrou o apuramento com a tão discutida camisola rosa, à segunda jornada. Ganhou à Hungria – a uma boa Hungria, apesar das duas derrotas – e garantiu a presença nos oitavos-de-final, outra vez com muito Musiala, mais Havertz e menos Wirtz do que na primeira jornada, um pouco menos de Kroos e ainda bastante Gündogan. Os húngaros, porém, foram capazes de levantar um pouco do véu acerca do que espera a equipa da casa na segunda fase, pela forma frequente com que conseguiram pôr Szoboszlai e Sallai nas costas de um meio-campo cuja despesa Andrich não consegue pagar sozinho. A liberdade criativa na frente é bonita de se ver, mas deixa muito espaço atrás e nem Mittelstadt nem, sobretudo, Kimmich, menos posicional e um dos crentes da nova igreja dos laterais a jogar por dentro, são capazes de se impor reiteradamente nas situações de um para dois em que se vão encontrando. A Alemanha está bem? Está. Pode ser campeã? Veremos…
Render da guarda. As duas substituições feitas por Zlatko Dalic logo ao intervalo do Croácia-Albânia, com os croatas a perder, podem ter sido o primeiro passo, inconsistente, de resto, de um render da guarda que era inevitável mas que não tinha de acontecer numa fase final. Que a justiça da bola pediria que não fosse feita numa fase final. Sim, saiu o jovem Majer, rendido por Mario Pasalic, jogador de mais chegada, mas falo sobretudo da troca de um Brozovic que tem sido sempre curto para as exigências da competição por um Sucic que, tendo um perfil de médio diferente, deu logo outro andamento à equipa. A Croácia até ganhou a Portugal na preparação, mas está agora a pagar o risco de entrar no Europeu com as mesmas qualidades e defeitos que já a tinham levado às meias-finais do Mundial de 2022... ainda que com a equipa toda um ano e meio mais velha. O jogo circular de Brozovic está mais lento, também porque foi posto a marinar no Al-Nassr, a classe natural de Modric vem menos intensa e até às cavalgadas de Kovacic parece falhar a mudança de velocidade que lhe permitia chegar uma fração de segundo antes dos adversários a cada contacto com a bola em progressão. Continua a não haver ponta-de-lança melhor que Kramaric, invariavelmente colocado a jogar a partir da esquerda, e nisto a Croácia entrará na última jornada a saber que ou ganha à Itália ou vai para casa.
Diminutivos superlativos. A segunda jornada do Grupo A disse-nos que nem a Escócia valia tão pouco como se percebia da goleada encaixada contra a Alemanha nem a Suíça era assim tão forte como dera a entender a vitória sobre a Hungria. O jogo foi giro e valeu muito pela proeza notável desse fenómeno de resiliência que é Shaqiri, que juntou um golaço aos que já tinha feito nos últimos três Mundiais e nos últimos dois Europeus, e pelo toque diferente dado à Escócia pela inclusão de Gilmour, o único médio que Steve Clarke tem com capacidade para unir a equipa e lhe permitir ter um pouco de bola. Só uma improbabilidade estatística levará a que os quatro pontos que os suíços já têm não lhes valham, pelo menos, a qualificação como um dos melhores terceiros e é até possível que, perdendo com a Hungria, a Escócia não seja capaz de alcançar uma primeira e histórica passagem à fase a eliminar, mas tanto uma como a outra deixaram em Shaqiri (1,65m) e Gilmour (1,70m) a certeza de que nem a dimensão mais física do jogo impede que surjam talentos grandes em corpos pequenos.
Entrelinhas
Une prise de pouvoir, artigo de Pierre-Étienne Minonzio, no L’Équipe, sobre o crescimento da influência de Bellingham nos equilíbrios internos na seleção inglesa.
Højlund was tipped for top – by himself, aged just 10, perfil do ponta-de-lança dinamarquês do Manchester United, por Mike McGrath, no Telegraph.
Eriksen still a danger but Denmark seem to have lost their edge, é um ponto da situação feito à equipa dinamarquesa, por Jonathan Wilson, no The Guardian.
Le nostre armi, análise de Fabio Capello ao que pode a seleção italiana fazer contra a Espanha, na Gazzetta dello Sport, com foco em Chiesa, Scamacca e Di Marco.
Scamacca, el león bajo el látigo de Spalletti, por Inma Lidón, no El Mundo, conta a história do ponta-de-lança italiano a quem o futebol impediu de “descarrilar”.
Nico Williams: “Me quise comprar um coche, porque tenía el dinero; le pregunté a mi madre y no me dejó”, é uma entrevista ao jovem extremo espanhol, feita por Eduardo J. Castelao, no El Mundo.
Gilmour has delivered a way for his country to play – now all they need to do is keep doing it, análise de Barney Ronay à influência de Gilmour no futebol da Escócia, no The Guardian.
Un héros populaire, reportagem de Vincent Duluc, no L’Équipe, acerca das reações que ainda provoca Kanté no seio da seleção francesa. Online só se encontra a reação de antigos colegas à estreia do médio na prova ou a análise tática de Dan Pérez ao jogo que ele fez contra a Áustria.
Dall’Arabia com furore, um texto de Sebastiano Vernazza, na Gazzetta dello Sport, avalia o rendimento dos 12 jogadores da Liga saudita na primeira jornada do Europeu, sem versão online.
The trend of long range Euro 2024 goals owes to good technique – and a good ball, texto de Michael Cox no The Athletic, explicando a tendência para haver mais golos em remates de longe.
Euros or Copa America players with expiring contracts – how does it affect them, artigo de Peter Rutzler no The Athletic acerca de jogadores que entram nas grandes competições com o future por decidir.
Não entendi a frase " mais clientes do que adeptos"
É possível ver qual o melhor jogador com dados objetivos, como é possível com o Europeu. Coisa diferente é ser o nosso favorito, o que mais nos marca, o que achamos que é bom mas...Não tenho acompanhado o Euro porque poucos são os jogos em sinal aberto, do que tenho visto, tem sido bom.