O Le Crunch e o drama
O Brasil perdeu, a Argentina quase seguia o mesmo caminho. A imprensa internacional de hoje centra-se nas histórias das duas seleções sul-americanas e já saliva com o “Le Crunch” de mais logo.
Portugal e Marrocos estão à beira de um jogo histórico, de um jogo que pode dar a terceira meia-final de um Mundial à seleção portuguesa e a melhor participação de sempre de uma seleção africana aos marroquinos, mas o Mundo fixou os olhares na eliminação do Brasil, no drama da Argentina, que desperdiçou uma vantagem de dois golos e só afastou a Holanda nos penaltis, e na antecipação do Inglaterra-França de mais logo, o especialíssimo “Le Crunch” que vai definir qual dos dois gigantes segue em prova. Não são dedicadas muitas palavras além do essencial ao Marrocos-Portugal – e a maior parte delas são para contar histórias de heróis, como Amrabat ou Gonçalo Ramos, como pode verificar nos links que deixo abaixo, na secção “A Ler”.
Cristiano Ronaldo não saiu dos títulos e o The Athletic fez mesmo, por Dan Sheldon e Laurie Whitwell, a históia completa de todo o processo, desde que ele decidiu voltar ao Manchester United até à situação atual. “Cristiano Ronaldo – What happens now?” é um relatório muito completo, que vale a pena ler, porque vai além das situações óbvias e equaciona mesmo a participação de Ricardo Regufe, o gestor pessoal do CR7, que está integrado na comitiva da seleção nacional. É interessante também o ângulo de abordagem escolhido por Régis Dupont no L’Équipe: “Portugal, l’improbable armada” parte de Gonçalo Ramos, João Félix, Bruno Fernandes e Bernardo Silva para descrever a “enorme palete ofensiva da seleção” e fá-lo com opiniões de Paulo Futre, o ex-internacional português que agora é comentador televisivo na TVI. Do lado marroquino, há um texto interessante, de Tom Youssef Drissi, no Daily Telegraph: “How Morocco fel in love with ‘plastic’ players” parte da frustração de Marco van Basten, que à data era adjunto da seleção holandesa, por não ter podido contar com Ziyech, quando este preferiu representar a nação dos antepassados, mas recusa a ideia de que os 14 nascidos fora de Marrocos que estão ao serviço da seleção no Mundial sejam mercenários.
A atenção internacional vai contudo muito mais no sentido do Inglaterra-França ou dos jogos de ontem, que conduziram à eliminação do Brasil e quase custavam a vaga à Argentina. Na Folha de São Paulo, que apresenta um Neymar em lágrimas na primeira página, “Pesadelo” é o título da crónica de jogo, assinada por Luciano Trindade. Na sua Prancheta diária, Paulo Vinícius Coelho escreve que “a questão é entender como fazer o Brasil voltar à elite, disputar semifinais sem passar vexame”. Walter Casagrande foi arrasador, numa crónica que intitulou “Tite e seleção sem foco caem”. “Teve jogador que se preocupou em ensaiar dez dancinhas, mas não fez um gol”, escreve o ex-internacional, que chegou a representar o FC Porto. Foi forte a mágoa brasileira, mas para perceber bem o que se passou vale a pena ler a análise tática feita por Liam Tharme e David Ornstein no The Athletic, cruzando as palavras ditas no final pelos protagonistas com imagens do jogo. Está muito bem escrita também a crónica de Jonathan Liew, no The Guardian, construída em torno de Casemiro e Modric, “mais próximos do que nunca, mesmo no calor da batalha”. “São como Jack e Rose no final de Titanic. Amam-se profundamente, mas um deles tem de ir”, escreve Liew.
No El País – e atenção que hoje é dia de Valdano, com link mais abaixo... – Ramon Besa assina um belo texto centrado em Messi, partindo do princípio motivador que terá sido para todos os argentinos a eliminação do Brasil. Há muito Messi também, como é natural, na imprensa argentina. Juan Cruz opina no Clarín que “Messi merece esta alegria” e o jornal chega mesmo a questionar se o astro pode ser castigado pelas críticas que fez ao árbitro da partida, Mateu Lahoz. A verdade é que os argentinos, que estiveram a ganhar por 2-0 e permitiram o empate à Holanda, só se qualificando nos penaltis, acabaram o jogo de cabeça perdida, como se vê na forma como fizeram pirraça aos adversários quando conseguiram a vitória. A situação até devia envergonhar jogadores, técnicos, jornalistas e adeptos, mas fez foto de capa do Olé. E Otamendi, que é um dos que aparece a fazer gestos no sentido dos destroçados holandeses, merece os mais amplos elogios de Nahuel Lanzillotta, que lhe chama “o Messi da defesa da Argentina”.
Mas hoje vão definir-se os outros dois semi-finalistas. De Portugal e Marrocos já vos falei mais acima, falta esquadrinhar as páginas referentes ao Inglaterra-França. Há links interessantes na secção “A Ler”, mais abaixo, mas ficou de fora muita coisa boa. No The Guardian, Jonathan Wilson apresenta o plano de ataque: “Onde o jogo de hoje pode ser ganho e perdido”, explica o autor. Na mesma edição, para uma leitura mais demorada, vale a pena conferir o artigo – mais um sobre o tema – de Philippe Auclair acerca da “construção da super-estrela francesa” que é Mbappé. Do outro lado da Mancha, no L’Équipe, Damien Degorre recorre ao título do filme “Apanha-me se puderes” para antecipar o confronto entre dois velocistas, que são Kyle Walker e Kylian Mbappé. A temática também é avaliada por Oliver Brown no Telegraph – com link mais abaixo. E a componente história do Le Crunch saltou para as páginas do El País, em artigo de Walter Oppenheimer intitulado “Amor e Ódio no canal da Mancha” a explicar as fascinantes razões para que esta seja a mais antiga rivalidade que o Mundo conhece. Aliás, já que estamos na história, a Folha de São Paulo resolveu recuperar a Batalha de Alcácer-Quibir e, nas palavras de Bruno Lucca, explicar aos brasileiros “a lenda ibérica do sebastianismo”. “Após a derrota portuguesa no Marrocos, a Espanha passa a exercer grande infuência na região. Interessante que os árabes tenham derrotado os espanhóis nas oitavas e enfrentem os portugueses agora”, diz Leonardo Trevisan, professor de relações internacionais da ESPM ao autor do artigo. Isso, porém, já depende da perspetiva...
Última palavra para assinalar a morte de Grant Wahl, jornalista norte-americano de 48 anos que não resistiu a um colapso durante o Argentina-Holanda de ontem. No seu oitavo Mundial, Wahl passou pela Sports Illustrated e pelo New York Times, mas fazia atualmente uma página no Substack (que pode conferir aqui). No seu diário do Mundial, já se referia a problemas de saúde, aparentemente resolvidos com um diagnóstico de bronquite. Wahl tinha sido detido pelas autoridades qataris, no início da competição, por usar uma T-Shirt com uma bola e um arco-íris, em apoio à comunidade LGBT. Fê-lo também a pensar no irmão, Eric, que é gay. E Eric não acredita que o irmão tenha morrido de causas naturais, acreditando que ele terá sido assassinado. Não há, no entanto, nenhuma razão que aponte nesse sentido.
Conversas de Bancada
A Ler:
Only man to coach Kane and Mbappé on their rare talents – and how to stop them, por Maurício Pochettino, é um artigo em que o treinador argentino conta como trabalhou com os dois avançados
Boufal, Bono and Hakimi’s bad penalties, por Charlotte Harpur, no The Athletic, conta a história destes três heróis de Marrocos no que a penaltis diz respeito. E não é uma história de sucesso.
Neighbours and rivals gave England their blueprint for success, por David Hytner, no The Guardian, explica como a federação inglesa se baseou no sucesso do Centro de Formação de Clairefontaine para criar condições para chegar a títulos.
Football teams created by immigration, countries confused by it, por Dominic Fifield, no The Athletic, faz o paralelo entre nações assustadas com a chegada de imigrantes e seleções que fazem deles as suas maiores forças.
Ce que leur petit Doha dit des Bleus, por Loïc Tanzi, no L’Équipe, conduz-nos numa viagem aos bastidores da equipa de França para avaliar como vai de espírito de grupo, um dos temas que falhou no Europeu de 2020.
De la coreografia al talento, por David Álvarez, no El País, faz uma análise estatística do futebol da seleção inglesa, para explicar que a equipa comandada por Southgate já não é aquele onze preso do Euro’2020.
England risk all on ‘Operation Stop Mbappé’, por Oliver Brown, no The Daily Telegraph, baseia-se na avaliação da forma como os ingleses procurarão anular Mbappé com a rapidez de Kyle Walker.
How resilient Ramos grafted his way to instant star status, por Will Unwin, no The Guardian, revela o percurso de Gonçalo Ramos, desde que chegou do Algarve para jogar na formação do Benfica até ao dia em que sentou Ronaldo no banco.
Amrabat, gladiateur dans la lumière, por Mathieu Gregoire, no L’Équipe, conta a história da chegada à maturidade do médio de Marrocos, a partir de uma conversa com Walid Regragui, que o aconselhou a libertar a bola mais depressa.
Maroc, um royaume uni, por Yohann Hautbois, no L’Équipe, é uma reportagem acerca da união de todos os marroquinos atrás da sua seleção, que alcançou uns quartos-de-final históricos neste Mundial.
Masturbar el balón sin llegar al orgasmo, por Jorge Valdano, no El País, é a coluna semanal do treinador argentino, esta semana consagrada à luta cotra as unanimidades. “Não me agrada que o Ocidente seja a polícia cultural do Mundo (...) nem o tiki-taka a masturbar a bola sem chegar ao orgasmo”.
A Ouvir
É dia para os brasileiros digerirem a eliminação da Copa do Mundo e, no que a podcasts diz respeito, não há como não voltar a recorrer aos clássicos. As edições de ontem do Posse de Bola, do UOL, e do Futebol no Mundo, da ESPN Brasil, são cáusticas, ainda que o sentimento geral seja o de que a Croácia foi menosprezada por Tite e pela sua comissão técnica. Walter Casagrande foi ao ponto de dizer que “o Brasil não foi bem em nenhuma partida. Foi bem no segundo tempo contra a Sérvia e foi bem no primeiro tempo contra a Coreia”. São apontados erros mais ou menos consensuais, como a incapacidade de mudar as ideias táticas ao longo da Copa, a inferioridade numérica ao meio, face ao meio-campo a três da Croácia, que deu a Modric a possibilidade de “desfilar”, o facto de o Brasil se ter deixado surpreender em contra-ataque no final do prolongamento quando ganhava por 1-0 ou a colocação de Neymar no fim da lista de batedores de penaltis. E há opiniões mais singulares, de quem acha que Vini Júnior não pode sair tão cedo ou que não tem cabimento que Everton Ribeiro não chegue a entrar. Já se sabe que quando há futebol e se junta um punhado de brasileiro, há debate. Falta ver se da discussão nascerá a luz.
A ver
Marrocos-Portugal, SIC e Sport TV1, 15h
Inglaterra-França, Sport TV1