O jogo do ano
A final da Champions tem um favorito, que é o Real Madrid. E muitas histórias em torno de uma equipa que seleciona os momentos de superação e outra que, apesar da tradição, é mais curta do que parece.
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Um vencedor em série contra um famoso perdedor, dois históricos de partida, um par de heróis regressados da penumbra e alguns dos melhores jogadores do Mundo, eis o que terá para oferecer, amanhã, a final da Liga dos Campeões, o mais esperado dos jogos de clubes na Europa em todo o ano. Quando Real Madrid, o favorito, e Borussia Dortmund, o inesperado desafiante, subirem ao relvado de Wembley (20h, TVI e Eleven Sports 1), para discutir quem fica com a orelhuda, haverá toda uma série de dimensões em jogo que extravasam a simples designação de rei supremo do continente. A começar pelo facto de nem Carlo Ancelotti nem Edin Terzic terem a mais vaga suspeita de estar à frente das melhores equipas da história dos seus emblemas. E se isto até é facilmente compreensível num clube como o Real Madrid, que busca a 15ª Taça dos Campeões Europeus, pode ser mais complicado de perceber como é que em Dortmund não se considera esta equipa pelo menos tão marcante como a que ganhou a competição em 1997.
E no entanto há toda uma odisseia a marcar este Borussia Dortmund, a começar na forma trágica como perdeu a última Bundesliga para o hesitante Bayern de Thomas Tuchel, com uma derrota em casa contra o FsV Mainz numa última jornada que se esperava de glória. Mesmo na eventualidade de uma vitória, amanhã, será difícil encontrar uma imagem tão marcante como a de Edin Terzic, de olhos inchados pelo choro, a pedir perdão à “parede amarela”, no final desse jogo. Ganhe ou perca esta final, Terzic será sempre o homem que deitou fora uma Bundesliga que estava ganha. Mesmo que, apenas com a adição de Maatsen e Sancho, dois rejeitados da Premier League, onde não rendiam ao serviço de Chelsea e Manchester United, e de um goleador pragmático como é Fullkrug, essa mesma equipa se tenha depois elevado à condição de finalista da Liga dos Campeões, com dois jogos de absoluto domínio defensivo sobre o Paris Saint-Germain nas meias-finais, resolvidos com duas vitórias por 1-0 (mas um total de 44 remates feitos pela equipa francesa). A verdade é que este Borussia até pode vir a ser campeão europeu que dificilmente será elevado nos corações dos seus adeptos ao patamar em que está a equipa de Riedle, Sammer, Kohler ou Sousa, a equipa que Hitzfeld levou a bater a Juventus na final de 1997.
A começar pelo facto de essa equipa ter sido bicampeã alemã, com nove derrotas em dois anos, pouco acima das sete que encaixou só esta época, a caminho de um frustrante quinto lugar que ainda deixaria a qualificação para a próxima Champions dependente de um sucesso na final de amanhã, não tivesse a Alemanha garantido a quinta vaga por performance este ano. Este é um Borussia que tem mostrado capacidades superlativas quando enfrenta as melhores equipas do continente, mas que se deixa cair numa perspetiva minimalista com uma extraordinária facilidade, sobretudo nos jogos da competição interna. É a equipa que antes e depois das duas vitórias sobre o PSG apanhou quatro golos do RB Leipzig, na que por essa altura ainda era a luta pelo quarto lugar, e três do Mainz. É uma equipa que tem no triângulo formado pelo guarda-redes Kobel e pelos dois centrais, Schlotterbeck e Hummels, uma base de solidez em cima da qual monta depois os raides protagonizados pelos extremos, Sancho e Adeyemi, e finalizados pelo ponta-de-lança, Fullkrug. E é uma equipa com histórias por trás. A história de Sancho, inglês que fez nome em Dortmund antes de uma transferência milionária para o Manchester United, mas que só no regresso a casa se mostrou digno da fama que transportava com ele. E a história de Hummels e Reus, veteranos de 35 anos que vivem uma segunda juventude.
Marco Reus vai ser um dos nomes incontornáveis desta final. Falta perceber se desde o início, à frente de Emre Can e Sabitzer, como fulcro ofensivo do meio-campo, ou se apenas no papel de alternativa a Brandt, como sucedeu, por exemplo, nos jogos com o PSG, em cujas retas finais entrou para o lugar de Adeyemi, derivando o médio para a ala . Certo é que este vai ser o último jogo de uma ligação de doze anos de Reus ao Borussia Dortmund, tal como do outro lado assistiremos ao último jogo com as cores do Real Madrid de Toni Kroos, médio de 34 anos bem mais marcante na última década de futebol internacional. Os três – Hummels, Kroos e Reus – estavam na lista de Joachim Löw para o Mundial de 2014, sendo que do trio só Reus não ganhou o troféu, porque se magoou num dos jogos de preparação antes da viagem para o Brasil. E, se Reus só tem duas Taças da Alemanha no palmarés, Kroos somou a esse Mundial cinco Champions, seis Mundiais de clubes, três Bundesligas e quatro Ligas de Espanha. Este ano, apesar das nove assistências que somou em 47 jogos pelo Real Madrid e de ter aceite o regresso à seleção, anunciou o fim da carreira para depois do Europeu. E amanhã lá estará no onze, a formar meio-campo com Valverde, Camavinga e Bellingham. O renascimento do Real Madrid que perdeu a Liga de 2023 para o jovem FC Barcelona de Xavi foi anunciado como um render da guarda que custou a regularidade, por exemplo, a Modric, mas seja porque as lesões atrás forçaram muitas vezes o recuo de Tchouameni ou Camavinga ou porque o alemão se recusou a depor as armas e continou a lutar pelo seu espaço, a verdade é que ele voltou a superar os três mil minutos de utilização e foi com ele no onze-base que a equipa recuperou o título nacional e ataca a décima-quinta Champions.
Este não foi um ano fácil para Ancelotti, porque apesar das exigências o plantel madridista não tinha a profundidade suficiente para cobrir as ausências. As lesões de Militão – sete meses e meio de fora – e Alaba – ausente desde meados de Dezembro – forçaram o treinador a fazer adaptações indesejáveis no centro da defesa, um setor para o qual só lhe sobravam Rudiger e Nacho, nem sempre disponíveis. Isso levou a que tenham jogado ali o médio Tchouameni ou até o lateral Carvajal. Courtois, o melhor guarda-redes do Mundo para a maioria, se a pergunta fosse feita antes do último Verão, fez uma rotura dos ligamentos do joelho na pré-época e só se estreou em Maio, mas isso foi visto como uma oportunidade por Lunin, o ucraniano que tinha chegado do Zorya em 2017 e que, desde então, só tinha feito 17 jogos pelo clube, nunca passando do estatuto de terceiro guarda-redes. Converteu-se, no entanto, numa parede, e tornou-se importantíssimo no trajeto sem derrotas do Real Madrid nesta Champions – o clube só cedeu quatro empates, na receção ao RB Leipzig, na visita a Munique e no duplo confronto com o Manchester City, só resolvido nos penaltis – mas vai falhar a final, afastado por uma gripe que devolverá as redes a… Courtois. Benzema, Bola de Ouro de 2022, não chegou a ser substituído na frente de ataque depois de sair para a Arábia Saudita: enquanto não se extinguia o contrato de Mbappé com o PSG, o lugar foi safo por Joselu, jogador anónimo de coração madridista, que descera de divisão com o Espanyol, chegou por empréstimo e até tinha estado na última final merengue na Champions, mas na bancada, com o sogro, a apoiar o cunhado, que é Carvajal.
Apesar de todas estas contrariedades, Ancelotti montou um coletivo vencedor, a explorar um 4x4x2 bizarro, com quatro médios muito por dentro, dois mais posicionais e outros dois mais ofensivos na busca das entrelinhas, fazendo os dois atacantes, os velozes e criativos Vinicius Jr. e Rodrygo, saírem mais das faixas laterais – o que até ajuda à chegada à área de Bellingham, o inglês contratado ao Borussia Dortmund, que segue a par de Vini Júnior como goleador da equipa, ambos com 23 golos. O modelo chegou para a recuperação do título espanhol, que o Real Madrid garantiu matematicamente a quatro jornadas do fim. E o veterano treinador italiano, que no Natal recusou a abordagem para dirigir a seleção do Brasil no Mundial-2026, renovou nessa altura contrato, com uma cláusula que permitia ao clube dispensá-lo caso não conquistasse títulos. Essa, de certeza, já não será ativada, quer Ancelotti garanta ou não a sua quinta Liga dos Campeões, 21 anos depois de ter ganho a primeira ao serviço do Milan. E não há muito quem anteveja um cenário diferente.