O impasse com Ricardo Horta
O impasse no negócio de Ricardo Horta explica-se de forma muito fácil se nos ativermos à perspetiva do SC Braga. Se um bom negócio é impossível, resta o usufruto desportivo do jogador.
Está montada uma gigantesca confusão no caso Ricardo Horta, sobretudo por causa do que, a propósito de outras questões, António Salvador, presidente do SC Braga, identificou ontem em comunicado como sendo “uma cultura desportiva doentia, totalmente absorvida à volta de três clubes”. Nisso tem razão. O que levou ao impasse em torno da transferência do mais velho dos manos Horta para o Benfica foi o facto de, em função da forma como está repartido o passe do jogador, dificilmente o negócio poder ser interessante para o SC Braga. E o que levou a que o assunto seja polémico é simplesmente o facto de ninguém ser capaz de ver o lado dos minhotos neste processo, porque está tudo centrado nos interesses do Benfica, do jogador e até do FC Porto.
Ricardo Horta já tem 27 anos. Faz 28 em Setembro. Se o Benfica o resgatar em Braga neste Verão, mais ainda pelos valores de que se fala, não será nunca numa perspetiva de obtenção de mais-valias com futuras transferências, que ele já não será vendido para o estrangeiro com lucro, mas apenas com a ideia no retorno desportivo a retirar das quatro ou cinco épocas que podem restar-lhe ao mais alto nível. Portanto, é normal que o Benfica queira ser recatado nos valores que oferece pelo jogador – terá chegado aos dez milhões de euros e juntado dois jogadores, o que é um valor muito razoável, ainda que se fique pela metade da valorização que do jogador faz o Transfermarkt, por exemplo.
O internacional português, benfiquista de coração, nostálgico do início de carreira no clube, gostaria de regressar a casa, mas tem muito bem definidas as suas prioridades: é profissional, como ainda recentemente mostrou, quando participou numa brilhante jogada com o irmão, ajudando o SC Braga a ganhar ao Benfica e a enterrar as esperanças que os encarnados ainda pudessem ter de qualificação direta para a Liga dos Campeões. E essa é outra coisa que a cultura desportiva vigente em Portugal não é capaz de entender nos profissionais de futebol, sejam eles jogadores, treinadores, árbitros ou até jornalistas: o clube de coração interessa zero quando se está a trabalhar, porque ser bom profissional está acima disso. Horta quererá o Benfica, mas tem contrato com o SC Braga. O que é que ele podia fazer mais? Dizer que tinha problemas familiares e recusar-se a ir para estágio?
Portanto, se o Benfica quer Horta e se Horta quer o Benfica, o que é que está a atrapalhar o negócio? Ainda que há dias tenham começado os zunzuns em torno do interesse do FC Porto, não creio que seja essa a questão. Estranho seria que depois de ter justificado as saídas de Fábio Vieira e Vitinha por necessidades orçamentais, o FC Porto fosse agora torrar quase todo o dinheiro em Braga. O tema, no entanto, saltou para os expositores dos quiosques e para os oráculos de televisão pela tal razão identificada por Salvador: em Portugal só se consegue ver estas questões centradas em torno dos interesses dos grandes. Tudo o que se discute é se Salvador facilitou o pagamento de Rúben Amorim por parte do Sporting, se fez desconto ao FC Porto por David Carmo e se está a dificultar a vida ao Benfica no caso de Horta. E aquilo que ninguém quer ver é o lado braguista.
O SC Braga vendeu David Carmo ao FC Porto por 20 milhões de euros, mas tinha a totalidade do passe do jogador. Aliás, dias antes tinha comprado à Sanjoanense os dez por cento do passe que lhe pertenciam por 950 mil euros. Fez, portanto, um encaixe muito interessante. Só que o caso de Ricardo Horta é muito mais complicado. Na verdade, ninguém exterior ao negócio sabe dizer exatamente como está partido o passe do futebolista, ainda que a versão mais consensual aponte para uma divisão que contraria em muito as regras impostas pela FIFA relativas ao Third Party Ownership. Ao que parece, 45 por cento pertencem à Gestifute, de Jorge Mendes, 25 por cento a um fundo de investimento, o Bayside, 15 por cento ao Málaga CF, 10 por cento ao SC Braga e cinco por cento à JM10 Sports, a agência do pai de Juan Mata, que representa também, por exemplo, Jhonder Cadiz. Esta repartição já foi posta em causa duas vezes, porém, o que provavelmente terá que ver com tecnicalidades usadas para fugir às regras relacionadas com as tais limitações da FIFA ao TPO. A primeira foi há um ano, quando o jogador rejeitou a proposta do Atlanta United, que pagava cerca de 15 milhões de euros por ele, e Salvador afirmou que o SC Braga iria receber mais de dez milhões do bolo. A segunda mais recentemente, quando o Málaga CF alegou que tinha direito a 67 por cento do valor que o Benfica estava disposto a pagar.
O que o SC Braga tem a 100 por cento são os direitos desportivos, o usufruto do jogador. E é por isso que os minhotos podem olhar para este caso da mesma forma que defendi ontem que o Sporting devia olhar para o de Matheus Nunes, rejeitando a dependência do mercado por já terem feito uma boa venda. Até pela forma como recebeu o jogador, o SC Braga terá interiorizado que nunca iria fazer bom negócio com ele. Mas tem a possibilidade de continuar a retirar dele retorno desportivo – e nisso Ricardo Horta tem sido insuperável. O que é melhor para o SC Braga? Receber um milhão de euros – dez por cento dos dez milhões – e dois jogadores que provavelmente não substituirão Ricardo Horta em termos de influência na equipa ou continuar a ter o jogador nos seus quadros? Se alguém gastar um minuto a pensar na coisa nesta perspetiva, sem ceder à tal cultura desportiva centrada nos três de sempre, verá que a resposta é tão fácil e evidente que até dói.
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