O GPS brasileiro
A derrota no Paraguai deixou os brasileiros cheios de dúvidas. Não de que o Brasil vá estar no Mundial, mas de que além de definir o ponto de chegada no GPS, Dorival Júnior possa escolher a rota.
Palavras: 1540. Tempo de leitura: 8 minutos (áudio no meu Telegram).
O futebol brasileiro está em convulsão. E daí? Quem quer que ande um pouco atento ao que se passa fora de Portugal sabe que essa é a normalidade de há muitos anos, que os talentos que vão florescendo naquele que é “o país do futebol”, único pentacampeão mundial e única seleção presente em todas as fases finais, são há décadas traídos pela desorganização e que a ela se deve a falta de mais encontros com a história. O problema, neste momento, é que começa a parecer que a confusão já não está sozinha na sala. Ela permanece, como se viu na saga que foi encontrar um treinador para a seleção e até um presidente para a CBF, mas já há quem olhe para o plantel e torça o nariz à rarefação de jogadores diferenciados que façam uma equipa. A derrota no Paraguai, anteontem, foi apenas mais um episódio de uma tragédia anunciada, a exigir medidas de fundo que vão muito além de se saber junto do Al Hilal quando é que Neymar volta a estar apto – e essa parece ser a grande preocupação de muitos adeptos sofredores. Porque é inegável que a crise passa por aí, pela inexistência de um líder – e depois faltaria debater se Neymar não deitou já ao lixo todas as chances de vir a ser esse líder –, mas para a resolver será também preciso definir um rumo.
“O Brasil vai estar na final da Copa daqui por dois anos. Pode me filmar e me cobrar”, garantiu Dorival Júnior na véspera do jogo de Assunção, em que o “escrete” bateu mais um recorde negativo. O selecionador definiu o ponto de chegada, meteu as coordenadas no GPS, mas não parece capaz de escolher a rota entre as muitas que o aparelho lhe fornece para o atingir. Se, antes de ele chegar, ainda com o interino Fernando Diniz, a equipa já tinha atingido mínimos históricos, como foram as três derrotas seguidas na qualificação, contra o Uruguai, a Colômbia e a Argentina, ou o primeiro desaire caseiro em toda a sua história nas eliminatórias, foi já com ele e com o 0-1 no Paraguai que se chegou a mais um ponto negativo inédito, que são as quatro derrotas na primeira volta de uma fase de apuramento para o Mundial. O Brasil já tinha tido quatro derrotas numa só volta, mas na segunda, na atribulada fase de apuramento para o Mundial de 2002, quando saiu derrotado do Equador, do Uruguai, da Argentina e da Bolívia, adiando o carimbo definitivo no apuramento para a 18ª e última partida. Nessa qualificação, o “escrete” teve quatro selecionadores: começou com Vanderlei Luxemburgo, despedido quando era terceiro, atrás da Colômbia e da Argentina, por causa do fracasso nos Jogos Olímpicos de 2000, mas antes de chegar a Luiz Felipe Scolari ainda passou pelo interino Candinho e pelo conturbado período de Emerson Leão.
Felipão pegou na equipa a seis jogos do fim da qualificação, em quarto lugar, na altura o último que dava qualificação direta, perdeu as três deslocações, mas ganhou os três jogos em casa, apurou-se e ainda foi campeão do Mundo. Como? Diagnosticou o que estava mal. E mudou. Sete dos 13 jogadores que ele usou no primeiro jogo, a derrota no Uruguai, não estiveram na fase final um ano depois. Falo de Cris, Zago, Emerson, Élber, Romário, Euller e Jardel. Podemos concordar ou não com as ideias de Scolari, com a sua abordagem ao jogo ou até a liderança, mas é indiscutível que ele tinha ideias, liderança e uma abordagem ao jogo. O que fica desta fase de apuramento para 2026 não é só a confusão em torno da presidência da CBF, com votações contestadas e providências cautelares, ou do vem-não vem de Carlo Ancelotti, que levou a um início de qualificação com Fernando Diniz em part-time, por ser alguém que o presidente identificava como tendo ideias próximas das do italiano que depois preferiu ficar em Madrid, e à continuação com Dorival Júnior, que agora apanha a equipa na curva. O que fica desta qualificação é muito a ideia de que o Brasil não encontra a fórmula que satisfaça os seus maiores talentos, que em função disso não ganha e faz crescer a instabilidade emocional dentro de campo de que se queixava Marquinhos no final do jogo no Paraguai. “A equipa está sem confiança e isso interfere no desempenho”, destacou o defesa-central do Paris Saint-Germain. E não há jogador que mais evidencie essa instabilidade emocional do Brasil do que Vinicius Júnior, o mais credenciado dos futebolistas brasileiros de hoje. As exibições que ele fez contra o Equador e o Paraguai, nesta data-FIFA, foram exemplo disso e do que também têm sido os últimos meses dele em Madrid: muita queixa, muito aspeto marginal ao jogo e cada vez menos futebol.
É esta aproximação da personalidade de Vinicius Júnior ao pior de Neymar que, somada à constatação de que o atual jogador de Jorge Jesus no Al Hilal passou ao lado da hipótese de se colocar no topo do futebol mundial, a par de Messi e Cristiano Ronaldo, levam a que seja curta a esperança de que com Neymar o Brasil voltasse a entrar nos eixos. Nos últimos dias, houve muito quem recordasse que o momento fundador da crise do futebol brasileiro, o 1-7 encaixado contra a Alemanha em Belo Horizonte, em 2014, ocorreu precisamente numa noite em que Neymar faltou à equipa, por lesão. Mas a verdade é que há muito Neymar parece ter já desistido de ser jogador de topo. O craque que quis sair do FC Barcelona em 2017, para deixar de estar à sombra de Messi e assim poder almejar à conquista de uma Bola de Ouro, já não seria o mesmo em 2021, quando o argentino se lhe juntou de novo, em Paris. Neymar está com 32 anos e, nos últimos dois anos, fez 25 jogos, 20 no PSG e cinco no Al Hilal, onde não sobe ao campo desde que se magoou com gravidade, em Outubro de 2023. Mesmo assim, na conferência de imprensa que se seguiu ao jogo de Assunção, Dorival foi questionado acerca do regresso do craque geracional que é herdeiro de Zico, Sócrates, Romário, Rivaldo, Ronaldo ou Ronaldinho. “Primeiro ele tem que estar jogando no clube”, respondeu o selecionador, ao qual seria muito legítimo perguntar se acha que será Neymar a referência de que esta geração precisa. Porque talento ele sempre o teve, ainda que poucas vezes o tenha utilizado no sentido coletivo de que o “escrete” vai necessitar para se recompor. E é aí que se coloca a questão da ideia: a que quer jogar o Brasil?
A pergunta não tem uma resposta tão fácil e óbvia como pressupõe a noção de que o talento, ali, nasce debaixo das pedras. Não bastará enxertar ali Neymar, colocar Rodrygo a jogar por dentro, como 10, em vez de o isolar numa banda, para o aproximar de Vinicius e dar um jeito mais atacante ao meio-campo, ou esperar que com o tempo as coisas acabem por ir ao sítio, porque com seis ou sete apurados será impossível o Brasil ficar fora da Copa. A globalização e a deteção de super-craques adolescentes nas equipas brasileiras cada vez mais cedo – já são detetados e contratados nos sub17, como Estêvão ou Endrick – está a tirar às futuras referências da seleção o período de absorção do que é a realidade do futebol brasileiro. O futebolista brasileiro tem, por isso, cada vez menos identidade própria. E o reflexo dessa questão quando se chega ao nível de topo é que começa a haver posições para as quais o Brasil não fabrica jogadores. Se o fracasso na Copa de 1982 foi durante anos atribuído à ausência de um ponta-de-lança melhor do que Serginho e de um guarda-redes mais fiável do que Waldir Peres, hoje olha-se para a seleção do Brasil e veem-se bons guarda-redes, extremos criativos e fortes no um-para-um, talvez até bons defesas-centrais, mas pouco mais. A tripla de meio-campo usada por Dorival em Assunção, com André, Bruno Guimarães e Paquetá, não é do melhor que se encontra no Mundo. Não há um 10 como Ronaldinho, já para não ir a Zico ou Sócrates. Não há um lateral ao nível de Cafu ou Roberto Carlos. Falta um goleador, um homem de área, como Ronaldo ou Romário. Olha-se para os onzes que o Brasil vai apresentando e não se vislumbra uma equipa capaz de assumir o jogo contra as melhores seleções do Mundo. Para chegar ao destino que ele próprio colocou no GPS, a final do Mundial, em 2026, Dorival talvez tenha de escolher a rota menos agradável aos olhos dos adeptos e dos comentadores. E até o facto de ele ter sentido a necessidade de anunciar o ponto final do percurso mostra que neste momento lhe falta a segurança para ir contra quem, no banco de trás, continua a soprar-lhe aos ouvidos que o melhor caminho não é aquele que ele escolheu.
Parece-me que o futebol brasileiro está pela primeira vez e há bastante tempo em crise, crise nos treinadores e crise na formação.
Ainda me lembro quando o Brasil tinha os melhores do Mundo quase em cada posição, ao ponto de muitos brasileiros de divisões inferiores virem para Portugal brilhar, possivelmente em 1998 tinha o melhor trio atacante do Mundo com Ronaldo, Ronaldinho e Rivaldo. Antes deles teve Romário e Bebeto. Antes deles Zico, Sócrates, antes deles Pelé, Rivelino, Jairzinho...Desde 2002, quando Ronaldo, Ronaldinho e Rivaldo desapareceram, a realidade é que nunca mais tiveram um craque ao nível dos anteriores. Neymar nunca esteve ao nível dos melhores da História do Brasil, por muito bom jogador que fosse. Nunca o colocaria se quer na mesma discussão de Ronaldinho, Ronaldo, Rivaldo, Pelé e Romário, muito menos agora, na reforma Árabe onde está a passar férias já aos 32 anos. Hoje o Brasil tem Vinicius Jr. e Rodrygo e tem uma geração que saiu do Brasil muito jovem, onde um deles falhou no pior Barcelona de sempre e acabou no Bétis.
Cada vez mais se aposta em treinadores não brasileiros e até vemos treinadores portugueses de meio e fundo da tabela a ir para bons clubes brasileiros. Talvez o Brasil deva parar e pensar o seu futebol, voltar às origens, ver o que está a falhar na formação e o que falta aos seus treinadores, ser humilde uma vez na vida e aprender com os outros, que aos 14 anos até eu que era fã de Ronaldo, o melhor jogador que vi jogar junto com Ronaldinho, CR7 e Messi, festejei os golos da França em 1998, tal era a arrogância do escrete...mas podera, não havia melhor país no futebol na altura.
Consegue estabelecer algum paralelismo do que está a acontecer com a equipa do Brasil e a equipa de Portugal?