O foco do Benfica
Como se explica que o Benfica abuse como abusou do AS Mónaco e tenha dificuldades com o Casa Pia, o Estrela da Amadora ou o Moreirense? A justificação é mais simples do que parece. É foco.

Palavras: 1157. Tempo de leitura: 6 minutos (áudio no meu Telegram).
Bruno Lage falou antes e depois do jogo de ontem, a vitória por 1-0 sobre o AS Mónaco, que deixa o Benfica bem encaminhado para chegar aos oitavos-de-final da Liga dos Campeões, em “instinto assassino”. Antes, identificou a sua falta como um problema da equipa. No final, face a um jogo em que os encarnados podiam ter desde já sentenciado a eliminatória, voltou ao tema para explicar que se a partida da semana que vem ainda vai contar para mais do que para aquecer é porque o Benfica não teve a capacidade para dilatar o resultado. Não há como discordar desta análise, face ao que se viu ontem: a ganhar desde o início da segunda parte, o Benfica esteve por 45 minutos a bater contra uma parede que, como é próprio das paredes, não respondia, mas não foi além da vantagem mínima. Já a primeira referência ao assunto me parece pecar por escassa enquanto explicação para as razões que têm levado a equipa a sofrer tanto nos recentes jogos da Liga. A este Benfica, na Liga, não tem faltado instinto assassino. O que tem faltado é foco. E é foco que, infeliz na marcação dos jogos, que só lhe deixa seis dias de intervalo entre primeira e segunda mão, com a Liga pelo meio, a equipa terá de demonstrar já no sábado contra o Santa Clara.
Como se explica que o Benfica, entre a espada e a parede, vá ganhar sem espinhas à Juventus a Turim ou abuse como abusou ontem do AS Mónaco, a quem não deu a mais pequena chance de marcar, mas depois sofra como sofreu nos jogos contra o Casa Pia, o Estrela da Amadora ou o Moreirense? Não vão dizer-me que o Casa Pia é melhor equipa do que a Juventus ou o AS Mónaco. Certamente também não me dirão que tudo se deve ao superior conhecimento do Benfica e capacidade de planeamento estratégico de João Pereira ou César Peixoto em relação a Tiago Motta ou Adi Hutter. E, antes que venha de lá o tema do “instinto assassino”, não, também não creio que a coisa se explique por aí. Nos três últimos jogos da Liga, o Benfica marcou sempre primeiro. Perdeu o primeiro, sem remissão, por 3-1 contra um Casa Pia que de facto foi melhor. O segundo e o terceiro, nos quais chegou cedo aos 2-0 – querem melhor definição de “instinto assassino” do que marcar duas vezes nos primeiros 15 minutos de jogo em momentos de bola parada? –, acabaram com vitórias pela margem mínima, com mais dificuldades contra o Moreirense do que contra o Estrela, é verdade, mas com toda a gente a ansiar pelo apito final antes que, face ao 3-2 plasmado no placar, dali fugissem mais pontos na corrida pelo título nacional.
É certo que o Benfica sofreu ontem de um problema de eficácia na finalização: marcou apenas um golo, quando criou o suficiente para fazer pelo menos dois – acabou com 23 remates e um índice de golos esperados (xG) de 2.17. Mas essa não era a história dos tempos mais recentes. Na receção ao Moreirense, o Benfica fez três golos para um xG de 1.63 e chegou ao segundo tento aos 15’, quando ia em 1.28 potenciais. Na visita à Reboleira, fez também três golos com um xG de 1.84 e, mais, chegou ao segundo, aos 10’, com um acumulado de 0.28. O problema do Benfica, ontem, foi a finalização, é verdade. Mas não tem sido assim. Tem sido, isso sim, a forma como a equipa desliga quando põe o jogo a salvo. E aqui, como em tudo no domínio da psicologia, aceitam-se diversas explicações e interpretações. É que quando falamos de estudo da mente não falamos de uma ciência exata. É porque o Benfica, fruto da sua grandeza, cresce na Liga dos Campeões – ao contrário do Sporting, que também sendo grande, já possui um histórico mais acanhado na competição e, por isso, se diminui quando tem de a jogar? Ou é porque o Benfica se dá mal com a largueza dos dois golos de vantagem e tem dificuldades em fechar os jogos, em mantê-los controlados quando o contexto lhe dá essa hipótese. A equipa também se deu mal com os dois (e até os três) golos de avanço contra o FC Barcelona e aí estávamos a falar de Champions, mas, hey, era o Barça, não era uma equipa qualquer. Certo é que, tirando aos últimos jogos da Liga o curto período que levou a chegar aos 2-0, o Benfica fechou a loja. Na Reboleira ainda teve um xG de 1.56 para esses 80 minutos de jogo, mas bem mais de metade (0.79) veio de um penalti que Arthur Cabral desperdiçou aos 87’. Contra o Moreirense, nos 75 minutos entre o 2-0 e o final da partida, o Benfica só criou 0.35 golos esperados – e isso nem seria um problema extraordinário se nesse mesmo período não tivesse deixado o adversário criar 1.12. Quase três vezes mais do que foi capaz de criar o AS Mónaco ontem (0.39) e mais do que permitiu à Juventus nos 90 minutos de Turim (0.95), jogo no qual o segundo golo encarnado, marcado por Kökçü, chegou já perto do final, adiando por isso o tal desligar do interruptor.
A entrada nos oitavos-de-final da Liga dos Campeões é um objetivo importante, não só porque a lutar por ele obriga a grandeza do clube ou porque dá dinheiro a sério (são onze milhões de euros, um Rollheiser, portanto). É-o também porque permitirá que a equipa acredite mais em si mesma – e ainda vamos ver até que ponto é que a previsível eliminação afetará o plantel do Sporting e em que medida é que isso pode ser contrabalançado por duas semanas sem ter jogos e com tempo para recuperar e treinar, em Março. Regra geral, a crença em si própria e no processo é inseparável de qualquer equipa campeã. Mesmo abalado pelas lesões de Manu e Bah, agora de Di María (e veremos se de Tomás Araújo, cuja importância nos desequilíbrios ofensivos desde trás voltou ontem a estar à vista no golo de Pavlidis), o Benfica deixou o Mónaco a acreditar mais. A deslocação aos Açores, já no sábado, nos dirá se em demasia ou se na medida certa. É aí que entra o foco. E a segunda mão contra uma equipa francesa que já teve a capacidade de pôr de joelhos continuará a contar a história. Aí, sim, pedir-se-á o tal “instinto assassino”, não tanto na perspetiva da capacidade para fazer golos e acabar com os jogos, mas na de competir sem complacência contra adversários que estão caídos. Sem lhes dar quartel.
Têm a sorte de o treinador não ser Rui Borges, ou teriam perdido por 4-0.