O FC Porto mais completo
Ano após ano, esta equipa foi capaz de usar a base de que não abdica para subir um patamar e somar alguma coisa ao que já era capaz de fazer. Este foi o menos milagreiro dos três Portos de Conceição.
O lance com que o FC Porto carimbou o título de campeão nacional de 2021/22, na Luz, contra o Benfica, foi paradigmático de uma série de virtudes da melhor equipa nacional desta época, misturando o antigo com o novo, o reluzente com o consistente, o trabalho com a inspiração do momento. O golo de Zaidu, provavelmente o menos apreciado dos habituais titulares de Sérgio Conceição, é emblemático do FC Porto original deste treinador, porque nasceu de uma transição ofensiva fulminante, após um canto favorável ao adversário, mas teve na origem o mais recente dos membros de pleno direito do onze de gala portista, Pepê, que só lá entrou graças à saída de Díaz para o Liverpool FC. Esta é a mais completa das três equipas campeãs com Conceição, aquela em que o treinador teve de fazer menos milagres – porque tem mais talento à disposição –, mas ao mesmo tempo aquela que mostra mais trabalho de base. Cinco anos são cinco anos, caramba!
A equipa de 2018, aquela com que Conceição impediu o penta do Benfica, num ano em que o FC Porto entrara nas limitações do “fair-play” financeiro da UEFA e tivera de se reforçar pela assimilação de jogadores anteriormente rejeitados, como Aboubakar ou Marega, foi a equipa que ajudou os portugueses a compreender a ideia de ataque à profundidade. Cruzamentos de trás de Alex Telles, muita bola nas costas da última linha dos adversários, com os dois explosivos avançados a esticarem o jogo e a abrirem o espaço para os slaloms de Brahimi entre linhas foram o suficiente para o título. Dois anos depois, a equipa já revelava um Corona adaptado à realidade nacional, naquela mistura de velocidade, criatividade e repentismo de que ele era capaz, e começava a mostrar Uribe e Díaz, mas funcionava sobretudo ao ritmo de Otávio, o médio que era a chave do sistema híbrido (4x4x2 ou 4x3x3?) e que impunha a lei a meio-campo, a roubar bolas, a reciclá-las e a meter açucarados passes de rotura, que os atacantes – Marega e Soares – continuavam a ser mais do tipo de ir buscá-las atrás da defesa do que de entrar em elaboradas combinações. Esta época, o FC Porto mostrou a mais completa das três equipas que este treinador levou ao título, aquela com mais trabalho consolidado, mas ao mesmo tempo aquela em que a vertente milagreira teve menos espaço. Porque não precisou.
Correndo riscos de ser mal entendido, já disse numa edição anterior do Futebol de Verdade (siga o canal, aqui) que este foi o FC Porto que teve menos necessidade de trabalho, porque é aquele que tem mais talento e, sobretudo, que tem talento mais variado. Mas ao mesmo tempo é também o que tem mais trabalho acumulado - e daí precisar de menos trabalho agora. Porque, ano após ano, esta equipa foi sempre capaz de utilizar a base de que não abdica para subir mais um patamar, para somar alguma coisa ao que já era capaz de fazer. Fá-lo sempre de uma forma cautelosa, é verdade: da mesma forma que Taremi chegou em Julho de 2020 e só foi titular em Novembro, esta época Vitinha só se impôs no onze a partir de Dezembro e Pepê começou pela primeira vez uma partida de campeonato na antevéspera de Ano Novo. Este FC Porto não tem um plano A, um plano B e um plano C. Vai tendo várias faces, que usa a seu gosto e necessidade, porque a cautela com que as aborda lhe permite não perder as antigas: não deitou fora as virtudes que sempre teve na transição ofensiva – e o golo na Luz mostra-o – ou na capacidade de pressão na saída de bola do adversário, continua a ter o rigor geométrico de Uribe ou aquele futebol ao mesmo tempo miudinho e largo de Otávio, mas juntou-lhe outras armas, como a capacidade de combinação e a criatividade de Vitinha e Taremi, o jogo mais luxuoso e até com desperdício aparente de Fábio Vieira e o futebol que muita gente ainda não foi verdadeiramente capaz de entender que pratica Pepê.
Com a entrada gradual destes elementos mais revulsivos, o FC Porto pode assegurar as bases para um futuro radioso, mas para isso precisa de conseguir trabalhar melhor do que tem feito até aqui na gestão do plantel. Conceição pareceu ter sido apanhado de surpresa, por exemplo, com a saída de Díaz: na altura, anunciou visivelmente contrariado a necessidade de “mudar os objetivos”. Talvez até estivesse só a falar da Liga Europa. Mas esse até foi um caso em que a equipa reagiu bem, porque tinha alternativas preparadas – não foi só a entrada no onze de Pepê, que estava há meses a ser trabalhado para isso, foi também o ganho de protagonismo de Vitinha e a capacidade para substituir o individual pelo coletivo, sempre mais fiável. Se a coisa tivesse sido preparada, não teria certamente corrido melhor. Simplesmente, essa não tem sido a história mais recente na gestão do plantel portista. Por muito que no clube se procure normalizar a perda a custo zero de gente como Brahimi, Herrera, Marcano, Marega ou Aboubakar – algo que possivelmente se repetirá com Mbemba no final desta época – e se faça da sua manutenção até ao fim uma espécie de segredo para a conquista, o que o caso Díaz veio mostrar é que há maneiras alternativas de trabalhar que são mais rentáveis e não têm necessariamente de ser penalizadoras do ponto de vista desportivo. O FC Porto esta época foi campeão vendendo Díaz, da mesma forma que na época passada perdeu o campeonato mantendo Corona (e foi agora forçado a vendê-lo em baixa, porque a cabeça dele já não estava cá). Uma coisa não tem de ser melhor do que a outra, mas ambas são viáveis.
O que o FC Porto tem de fazer agora é olhar para o plantel e perceber como atacar o Verão. Que posições precisa de reforçar, que caraterísticas lhe faltam, que jogadores pode apontar à venda, seja porque estão no pináculo da valorização ou por já ter alternativas identificadas. E, antes de tudo, que treinador vai ter. Porque Sérgio Conceição tem contrato por mais dois anos e, além disso, não se adivinham grandes alterações nos clubes de topo na Europa este ano – com o Manchester United entregue a Ten Hag, entre os que podem lutar por títulos nas Big Five só o Paris Saint-Germain deve ainda mudar de treinador –, mas é bem possível que o treinador tri-campeão possa pensar em novos desafios. É que cinco anos são cinco anos, caramba!
Acredito que Sérgio Conceição vai manter-se, embora, numa perspetiva egoísta, fosse preferível sair em alta e deixar saudades. Trocar o Porto por clube de gama média, mesmo numa liga mais forte, não é tentador para um treinador que ganhou três ligas em cinco épocas.
Já Pinto da Costa não consegue livrar-se de tiques antigos e voltou a disparar recados e queixas para todo o lado. Em vez de exaltar o feito do clube, prefere perder tempo com a tese belicista do contra tudo e contra todos. A cassete é cansativa mas continua a haver quem gosta...
Adorei a frontalidade com que analisou o Porto como equipa e a descrição que fez do "contra tudo e todos"... Como Benfiquista aqui na cidade não podia estar mais de acordo com essa análise. Parabéns!