O espelho de Conceição
O plano de jogo do FC Porto para o confronto com o Inter baseou-se na capacidade para espelhar a organização do adversário com recurso a referências individuais. Foi resultando até falhar.
Numa das minhas primeiras experiências internacionais, o Europeu de 1992, fiz o que toda a gente naquelas circunstâncias faria: enriqueci através da partilha. Comecei a conhecer gente de outros países, outras formas de olhar para o futebol, e lembro-me de achar bizarro o modo como alguns jornalistas italianos arrumavam as equipas nas suas folhas de apontamentos: se nós, portugueses, dispúnhamos os onzes de cada equipa de acordo com posicionamentos em campo, eles faziam-no por pares, respeitando uma lógica de marcações que, vim a entender depois, estava na herança dos mais velhos, dos que ainda viveram o futebol nos tempos do mago Helenio Herrera. Era um futebol muito diferente daquele a que estávamos habituados, este do cada um ao seu. Mas ainda hoje se olha muito para este jogo de pares como sendo tipicamente italiano. Assistimos, nos últimos anos, ao recrudescer das referências individuais de marcação em gente como Bielsa ou Gasperini, mas ninguém as emprega tão avisadamente em Portugal como Sérgio Conceição, o mais italiano dos treinadores nacionais, precisamente por ter passado por lá boa parte da sua carreira de futebolista. Ontem, em San Siro, o modo como o FC Porto foi anulando o potencial ofensivo do Inter assentou fundamentalmente num espelho construído pelo seu treinador para lhe diminuir a capacidade de construção. Se o Inter começa a jogar a três, com Skriniar, Acerbi e Bastoni, o FC Porto mete lá três homens – Galeno, Taremi e Pepê. Se o ponto de ligação dos três de trás é o tradicional médio criativo convertido em seis de plantão, no caso Çalhanoglu, então o FC Porto mete lá Otávio. Se à frente deste homem o adversário joga com mais dois médios “trequartistas”, o mais intenso Barella e o mais cerebral Mkhitaryan, Conceição bloqueia-os com Uribe e Grujic, entregando os alas do adversário – Darmian e Di Marco – aos seus dois laterais – Zaidu e João Mário. Este não é um plano fixo: contra o Sporting, por exemplo, Conceição abdicou de chatear os três de trás do adversário para mandar Galeno seguir Porro, porque achava que não podia deixar o espanhol ao seu lateral em um-para-um. E também não é, naturalmente, um plano infalível. Por várias razões. Porque deixa os dois defesas-centrais com dois pontas-de-lança, exigindo muita inteligência tática aos médios mais atrasados, para virem fechar atrás sempre que isso se justifique – e a entrada de Lukaku, associada à natural fadiga de toda a gente no campo portista, causou mossa. Ou porque este FC Porto não tem os laterais mais fiáveis do Mundo no plano defensivo – e ontem ficou a ideia de que Di Marco, por exemplo, recebia sempre muito à vontade para desequilibrar. Ainda assim, enquanto teve onze homens em campo, o FC Porto começou por conter o Inter e até já estava a dar a ideia de que podia ganhar-lhe quando Otávio viu o segundo cartão amarelo e partiu o espelho criado pelo treinador. Foi aí que tudo desabou.
E agora com onze. Dizem as estatísticas que o Manchester City trocou, em Leipzig, mais de 400 passes entre os seus jogadores. No final do jogo, Haaland tinha tocado na bola uma dúzia de vezes, o que significa que os ingleses dominaram 70 dos 90 minutos do desafio com um a menos. Pep Guardiola foi confrontado com o facto numa das muitas flash-interviews a que os treinadores têm de comparecer no final das partidas de Champions e já não estava com paciência para muitas conversas, sobretudo depois de ter tido de repetir as mesmas coisas tantas vezes, para tão diferentes audiências. “Temos de encontrá-lo com mais frequência”, afirmou o treinador espanhol. O que é que está mal quando sucede uma coisa destas? O avançado, que não entra no jogo tantas vezes circular da equipa? Ou a equipa, que não corresponde às solicitações do avançado, nos locais que mais podem potenciar o seu jogo? Ambas as respostas estão corretas, mas se a ideia é o tradicional “eles ganham bem e por isso têm é que se adaptar”, então a ideia está errada. Porque se eles ganham bem é precisamente porque estão a um nível tal que é um pouco idiota querer que vão contra a sua natureza e o que lhes permitiu chegar a esse nível. Há um ano, no início da época, achei que ao City faltava um nove para poder ser o maior candidato a ganhar a Champions. Agora, que o tem, que tem o melhor nove que por aí anda, todos verificamos que a equipa não liga bem com ele – e que, mesmo assim, ele marcou 32 golos em 32 jogos. A questão, no City como em qualquer outra equipa, não é nunca individual. É sempre, sempre, coletiva. Haaland está a ser um sucesso? Indiscutivelmente. A equipa está melhor com ele? Não. O Manchester City ganhou 24 dos 37 jogos que fez esta época, com 86 golos marcados. Há um ano, tinha ganho 28 e marcado 98 golos. Mesmo sem o nove que viaja à média de um golo por jogo. Não é impossível colocar a equipa do City a falar a mesma linguagem do seu ponta-de-lança, mas esse é o desafio – até agora ainda não superado.
Ao Jantar com Ferguson. Alex Ferguson escolheu – apenas oficiosamente, é verdade, mas foi mesmo ele que escolheu – David Moyes como seu sucessor quando saiu do comando técnico do Manchester United, em 2013. Se o objetivo era aquele que apontam as más-línguas – o de evitar que José Mourinho lhe ocupasse o lugar – ou se ele acreditava mesmo que Moyes teria a capacidade de calçar as botas que ele acabara de largar, só ele poderá um dia esclarecer, se quiser, mas entretanto não só o próprio Mourinho já passou por Old Trafford como por lá esteve Ole Gunnar Solskjaer, um ex-jogador e discípulo de Fergie. Com todos – até com Louis Van Gaal – Ferguson teria razões mais do que suficientes para desejar que o United ganhasse, mas só agora, que o clube está em curva ascendente, a aproximar-se dos líderes da Premier League e é favorito a eliminar o FC Barcelona da Liga Europa, se ouve falar de um jantar entre ele e o técnico de serviço, o neerlandês Erik Ten Hag. O homem que chocou de frente com Cristiano Ronaldo no início da época – e nessa altura não houve notícia de jantares “de apoio” com Ferguson – diz que adorou estar com o mais ganhador dos seus antecessores, que gosta sempre de “falar com quem tem tanto conhecimento e experiência”. “O United é o clube dele e ele quer ajudar e apoiar”, vincou. Devo ser um desconfiado incorrigível, mas não só já aqui identifiquei várias situações em que o apoio de Ferguson teria feito mais sentido como aquilo que vejo nas notícias do encontro de Wilmslow são vestígios de uma recusa do velho treinador em entender que já não faz parte daquele filme. Há muito tempo, aliás. E não havia necessidade disso.
Foi este o jogo que vi. O Porto tem uma palavra a ditar na segunda volta em casa.
Boa tarde António Tadeia, não sei qual era o jogo que se estava a referir quando diz que Galeno acompanhou o Porro. Se estiver a referir ao jogo da taça ok, se for o jogo mais recente(liga), foi o Bellerin 😉 continuação de um bom trabalho!