O enigma Daniel Sousa
Depois de quatro jogos em Braga, Daniel Sousa foi demitido ao fim de três em Guimarães. Afinal de contas, o que está mal com o ex-técnico do FC Arouca? E com os clubes que o contratam e despedem?

Palavras: 1294. Tempo de leitura: 6 minutos (áudio no meu Telegram).
A tensão entre dirigentes e treinadores é normal, já foi pior, mas continua a ser latente, pois embora ambos queiram a mesma coisa, que é o sucesso da equipa, os primeiros têm o poder de despedir os segundos, que em condições normais até sabem mais de futebol mas têm de dar um pouco da sua atenção à tarefa de agradar a quem manda. O despedimento de Daniel Sousa do Vitória SC, por ser o segundo vivido pelo treinador esta época – e o segundo ao fim de duas semanas de competição – lembrou-me de uma famosa frase de Brian Clough, dita no início da década de 80, quando o mau comportamento dos adeptos ganhava foros de assunto de estado no Reino Unido da dura Margaret Thatcher. “Hooligans no futebol? Temos os 92 presidentes de clube, para começar”, disse o primeiro guru dos Mind Games. E, por mais que o jogo tenha evoluído para uma dimensão em que os clubes são geridos como empresas, é isso que me sugere a forma como se contrata e se despede alguém com tanta brevidade. Daniel Sousa pode até ser o pior treinador de que há memória – e duvido que o seja... – mas António Salvador e António Miguel Cardoso foram, nos casos das suas contratações e imediatos despedimentos, dois absolutos irresponsáveis, que por falta de preparação ou impulsividade excessiva deitaram por terra as possibilidades de sucesso das equipas que dirigem.
É certo que o Vitória SC caiu com estrondo em Elvas, perdendo contra uma equipa do quarto escalão nacional a possibilidade de ainda almejar a um troféu este ano – entre aquele desafio e a meia-final teria um jogo em casa contra outra equipa do Campeonato de Portugal, que era o Tirsense. Será isso suficiente para desde já despedir a equipa técnica, causando instabilidade acrescida na luta que se prevê difícil para ainda chegar ao quinto lugar e a uma vaga nas rondas preliminares da Liga Conferência? Não, seguramente, por causa dos resultados. Daniel Sousa chegou a Guimarães após o Natal, para substituir Rui Borges quando este saiu para o Sporting. A equipa fez um jogo forte em Faro, onde cedeu o empate (2-2) no fim das compensações e acabou com 27 remates, penalizada apenas pela facilidade excessiva com que sofre golos. Depois, tirou pontos ao Sporting, em casa, mais uma vez ficando a poucos segundos da vitória (Trincão fez o 4-4 mesmo em cima do apito final) e gerando sensações contraditórias: marcou quatro golos à defesa dos campeões nacionais mas nem assim ganhou. A derrota em Elvas foi um indiscutível passo atrás na caminhada, mas parece evidente que no processo de separação tem de haver algo mais do que o abalo causado pelo golo do ganês Nketia. E é aí que entra o contexto.
Antes da passagem efémera por Braga, no início da temporada, Daniel Sousa tinha feito uma excelente época em Arouca. Entrou em Novembro, entre a 11ª e a 12ª jornada, apanhando a equipa em último lugar, com seis pontos. Acabou em sétimo, com 46. Nas 23 jornadas em que esteve à frente dos Lobos, somou 40 pontos, o quinto melhor parcial desse período, apenas atrás dos de SC Braga (45), FC Porto (47), Benfica (52) e Sporting (62). Foi esse trabalho, como o que fizera um ano antes no Gil Vicente – entrou durante o Mundial e levou a equipa da zona de descida ao 13º lugar em 21 jornadas –, a justificar o interesse do SC Braga, que para ter o ex-adjunto de André Villas-Boas deixou apodrecer a relação com Artur Jorge. A coisa acabou com Salvador a despedir o técnico que na época anterior o tinha levado à Liga dos Campeões por conta de um jantar que este mantivera com John Textor, dono do Botafogo, mas o próprio despedido já contou depois que o seu substituto – Daniel Sousa, pois então – já estava nessa altura contratado, pelo que a ele só lhe restava fazer pela vida também. A troca não se fez logo, porque o SC Braga não quis pagar a cláusula de rescisão de Sousa, algo como um milhão de euros, e este até foi ainda ganhar por 3-0 ao seu futuro clube, então orientado pelo interino Rui Duarte. A mudança fez-se entre as épocas, como deve ser, mas não durou muito. Daniel Sousa orientou a equipa na pré-temporada, desenhou ali o que devia ser o seu futebol, mas foi demitido ao fim de quatro jogos de competição: vitórias (por 2-0 e 5-0) sobre os israelitas do Maccabi Petah Tivka e empates caseiros com os suíços do Servette (0-0) e o Estrela da Amadora (1-1).
Carlos Carvalhal entrou de emergência, ainda pôs a equipa na fase regular da Liga Europa, às custas do Servette e do Rapid Viena, mas não endireitou o que não tinha concerto na maior prova nacional: o SC Braga é quarto, verdade, mas com menos dois pontos do que tinha há um ano e mais três de atraso em relação a uma vaga na Champions. Além disso, não repetiu a vitória na Taça da Liga e, estando ainda na Taça de Portugal, tem entre ele e a meia-final o Lusitano de Évora e o vencedor do duelo entre Benfica e Farense. O que esteve em causa nas demissões de Daniel Sousa, primeiro em Braga e agora em Guimarães, é um caso-de-estudo. Porque os resultados não foram. Não tendo sido brilhantes, sobretudo no Vitória SC, por conta da eliminação da Taça, também não foram assim tão piores que os do arranque em Arouca, onde conseguiu três vitórias apenas, com queda da Taça, em Vizela, nos seus oito primeiros encontros. Incapacidade para lidar com presidentes todo-poderosos também não há-de ter sido, que no nosso futebol haverá poucos clubes onde a influência da família liderante se faça sentir tanto como a dos Pinho – do presidente Carlos ao diretor desportivo Joel, seu filho – em Arouca. Outra hipótese, que parte da consciencialização de que ambos os despedimentos se verificaram com a janela de mercado de jogadores aberta, é a de o treinador alinhar com o empresário “errado”, se visto da perspetiva do clube e do seu presidente – mas nem essa ideia resiste a um minuto de reflexão, porque o seu representante, do mesmo grupo do de Ruben Amorim, conotado com Antero Henrique e a nova liderança do FC Porto, também há-de ter sido aquele com quem os presidentes tão céleres a despedi-lo já teriam acertado a sua entrada em funções.
A única explicação válida é a de se ter descoberto que, afinal, Daniel Sousa não é nada daquilo que se pensa. Que não trabalha, cria mau ambiente, cheira mal das axilas e dos pés e ainda rouba carteiras no balneário. E que só um estranho pacto de silêncio impediu até aqui que isso se soubesse e que ele continuasse a arranjar empregos. Por mais surreal que isto pareça – e parece – essa é a única forma de justificar que Salvador e Cardoso tenham avançado para a contratação de um treinador que despediram semanas depois, desde logo pondo em causa as hipóteses de sucesso que as suas equipas venham a ter. O que está aqui em causa é muito mais do que a competência de Daniel Sousa ou dos seus substitutos, Carlos Carvalhal no SC Braga e Luís Freire no Vitória SC. É a irresponsabilidade dos presidentes, ao nível da revelada por Frederico Varandas na aposta em João Pereira para suceder a Ruben Amorim no Sporting. Alguém lhes chamou hooligans? Pois é mesmo isso.
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Gostei da análise, e da ironia do último bloco. Todavia, agradecia se detalhasse mais um pouco a sua opinião: já tem décadas de jornalismo desportivo, pelo que já deve ter visto (quase) tudo. Lembra-se de algum caso semelhante?
Que Salvador tem o "pavio curto" é conhecido, mas Cardoso não tem dado provas disso. Será que as causas assentam apenas nos presidentes? Do que se sabe sobre Daniel Sousa, plasmado no que escreveu, não se deduz qualquer problema pessoal ou profissional (mesmo que fosse "alegadamente") - estou a recordar-me do caráter explosivo de Conceição, da permanente vitimização de Mourinho, da excessiva contemporização de Lage, ou até, internacionalmente, do passado criminal (depois inocentado) do brasileiro Cuca, que lhe causou uma rápida passagem pelo Corinthians (2 jogos).
Apreciei bastante o trabalho de Daniel Sousa no Gil e no Arouca, e fiquei contente quando assinou pelo meu Braga, mas o que se está a ver (sem qualquer "tabloidização" da minha parte) é uma carreira promissora estar a ser coartada aqui em Portugal, forçando-o a um "exílio" no estrangeiro, e gostava de perceber o que está a base.
Avaliar um treinador resulta na maioria de vitórias dos jogos, na capacidade de liderança e estratégia de balneário, no domínio das táticas, na pronta resposta ao resultado no banco e claro que no plantel que dispõe! Estas questões em nada são importantes quando quem avalia ou despede são os adeptos!! E presidente que não respeite a vontade dos adeptos é presidente por pouco tempo!